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A universidade na virtualidade
Martin Grossmann
Falar das implicações que este novo universo de comunicação, informação e conhecimento
(telemática) traz ao ambiente universitário e fazer com que o leitor me acompanhe nessa trajetória
requer o emprego de metáforas, analogias e material ilustrativo. Tomo a liberdade de iniciar
usufruindo-me da possibilidade do uso de outros textos na confecção deste meu, exercitando assim o que
denominamos hoje de hipertexto.
Para embasar esta minha apresentação cito um pequeno texto escrito pelo prof. Ton Marar (1)
do Instituto de Ciências Matemáticas de São Carlos/USP (2) por ocasião da exposição de arte
contemporânea "Ao Cubo" (3) realizada no Paço das Artes em março deste ano. Este texto é dedicado à
questão do hipercubo (4):
"Ao hipercubo
Um espaço de dimensão quatro (ou a quarta dimensão) para muitos é algo associado ao desconhecido.
Para os mate-máticos é apenas um espaço tão abstrato como um espaço de dimensão um, dois ou três. A
diferença é que nos espaços de dimensão até três podemos fazer repre-sentações geométricas, isto é, podemos
enxergar objetos geométricos. Contudo, dado um objeto geométrico que 'vive' num espaço de dimensão alta,
é possível representá-lo num espaço de dimensão mais baixa. Tal representação pode dar uma boa idéia
da aparência do objeto, como também pode ser sofrível. Por exemplo, as sombras de objetos do nosso
espaço tridimensional são representações em espaços de dimensão dois (o anteparo), as quais quase sempre
não traduzem bem a geometria do objeto projetado. Assim, certos artifícios são criados para que possamos
'ver' objetos de espaços de dimensão alta em espaços de dimensão mais baixa. A perspectiva é um
desses artifícios. Podemos desenhar numa folha de papel (pensada como espaço bidimensional) objetos do
espaço tridimensional e tal representação criar a ilusão de que o objeto foi imerso na folha de papel. Por
analogia podemos fazer o mesmo com objetos que 'vivem' no espaço de dimensão quatro (no qual não
podemos 'enxergar') e representá-los no espaço de dimensão três ou mesmo num plano, por exemplo no plano de
nossa retina. Passaremos assim a enxergar o objeto do 'desconhecido'. As figuras abaixo dão uma idéia
desse processo. Primeiro temos um segmento que 'vive' numa reta (espaço de dimensão um). Passando
para um espaço de dimensão dois, movemos o segmento na direção da nova dimensão e obtemos
um quadrado. Movendo-se o quadrado numa nova dimensão obteremos um cubo cuja representação,
por meio de perspectiva, no espaço bidimen-sional, onde vive o quadrado, nos é bastante familiar.
Finalmente, movendo-se o cubo numa nova direção (a quarta dimensão) obtemos o assim chamado
hipercubo. Sua representação no plano não é tão simples como aquela do cubo talvez uma questão de
condicionamento visual! Note que em cada um dos dois vértices da primeira figura temos uma aresta (o
mesmo segmento), em cada um dos quatro vértices do quadrado temos duas arestas, em cada um dos oito
vértices do cubo três arestas e finalmente em cada vértice do hipercubo temos quatro arestas. O cubo
também possui seis quadra-dos suas faces , enquanto o hipercubo possui cubos como 'faces'. Quantos
cubos você consegue encontrar no
hipercubo?".

Em um primeiro momento, esse texto de um matemático puro parece não ter nada a ver com o
nosso debate, no entanto, ele pode ser bastante útil na tentativa de se expor a complexidade em se "ver"
uma universidade na virtualidade, uma universidade que se estende além de suas fronteiras materiais e
até abstratas, uma universidade metafísica.
Imaginemos o seguinte: o segmento (uma reta) pode representar o próprio ato da comunicação entre
um emissor e um receptor (o caminho mais curto e simples de um ponto a outro), no caso da universidade
isso se dá geralmente na relação professor-alunos. O quadrado, por sua vez e na sua essência, pode
simbolizar as diversas instâncias do conhecimento e da burocracia de nossa universidade, por exemplo: pensemos na sala de aula, lá convivemos com o quadro-negro, os tampos de mesa, as apostilas, os mapas, as tabelas,
os cadernos, os livros, as provas, os quadros ou
posters pendurados nas paredes; eventualmente com
projeções de slides e transparências; ocasionalmente com projeções de vídeo ou apresentações com
computadores acoplados a data-shows ou projetores LCD e raramente com computadores, que veiculam
informações geradas em simulacros dos meios acima citados (exemplos: uma página na WWW, uma página gerada
em um processador de texto, um quadro demonstrativo gerado por um programa gráfico, etc.). Esses são
todos meios bidimensionais que nos servem cotidianamente em nossas atividades acadêmicas e, de
maneira reduzida, nas tarefas administrativas. Se observarmos essa situação em uma nova dimensão, a
terceira, temos a figura do cubo, que é bastante representativa. Associamos ao cubo, na universidade, espaços
que são conformados pela inter-relação dos meios acima. A própria sala de aula é um bom exemplo. Ela
existe como tal devido à conjunção de quatro paredes, um teto e um chão que abriga simultaneamente
e sincronicamente (no tempo e no espaço), entre outras coisas, tampos de mesa, quadro-negro, mapas,
quadros ou posters, e assim por diante... As bibliotecas ou os museus universitários também se relacionam à
imagem do cubo, uma vez que estes se presentificam graças a uma estrutura arquitetônica funcional que
contém distintos meios bidimensionais, como revistas, jornais e livros e, no segundo caso, gravuras,
desenhos, aquarelas e pinturas. Pensar, planejar e usar a universidade da primeira até a sua terceira dimensão, ao
que tudo indica, não nos traz nenhuma estranheza, pelo contrário, é algo bastante óbvio e familiar.
O próximo passo, o hipercubo, exige sem dúvida o exercício de outras dimensões mentais e
perceptivas que certamente irão modelar o planejamento e a opera-cionalidade de uma universidade que terá
que, inevitavelmente (seguindo a lógica dessa analogia), enfrentar os desafios dessa nova existência
em espaços que certamente só são viáveis na virtualidade.
É importante salientar, no entanto, que essa sua nova condição (da quarta dimensão em diante)
não exclui as precedentes. A analogia aqui empregada que tampouco é modelar ou universal, apenas
um subterfúgio para um debate sobre as questões lançadas nesse evento evidencia essa existência
seqüencial, e a dependência das dimensões superiores com as inferiores. Portanto, excluo assim deste meu
texto qualquer debate sobre uma eventual substituição de uma universidade como a que conhecemos hoje
por uma totalmente virtual e reforço a necessidade de estabelecermos vínculos construtivos e eficientes
entre essas diferentes condições dimensionais.
Salas de aula paralelas
Na terceira dimensão temos uma sala de aula, na quarta temos oito, o que responde à
pergunta lançada pelo prof. Marar. Todas essas, potencialmente, se relacionam no mesmo espaço-tempo.
Isso se repete em relação ao museu e à biblioteca. Passamos de uma arquitetura cubóide para uma
hipercubóide. Se a ciência já estuda a existência de universos paralelos, por que não pensarmos e planejarmos
uma universidade que permita a existência de salas de aula, laboratórios, museus e bibliotecas
paralelos (virtuais), interconectados as suas versões materiais?
Nesse caso, é redutivo imaginarmos apenas em uma duplicação ou em uma simples transposição
uma sala de aula material que passe a ser simulada na esfera virtual (uma clonagem). Desse mal a WWW já
sofre, ao ter empregado de forma literal a metáfora da página. Se esse uso permitiu de um lado o fato inédito
e surpreendente, que é o da criação de uma imensa biblioteca-arquivo-catálogo armazenada em
servidores espalhados ao redor do mundo (composta hoje por mais de 150 milhões de páginas e que alcançará a
marca de 1 bilhão no ano 2000), por outro criou, na sua curta existência, a idéia de uma homogeneidade e
mesmice que afasta não só possíveis novos usuários como também navegadores assíduos.
O grande desafio que o hipercubo lança, principalmente para nós na universidade, é o da
modelação virtual de um conjunto de ambientes ativos e em processamento contínuo que, além de operarem
em seu próprio espaço-tempo relativizado, sejam capazes de se inter-relacionar simultaneamente.
Esse processo sem dúvida interferirá na idéia e na aplicação do que hoje entendemos como sendo uma
sala de aula, laboratório, museu ou biblioteca. Esses espaços, que foram e são projetados visando
principalmente a transmissão de conhecimento, ao se inter-relacionarem com os outros, de origem
virtual, acabam sendo automaticamente relativizados não só pelo fator novidade mas pela liberdade e
abertura que a esfera do hiperespaço nos oferece.
A sala de aula, como uma espécie de matriz dessa grande estrutura chamada universidade,
continua a servir como exemplo. Em seu estado físico, ela estabelece
a priori, relações hierarquizadas,
comportamentos e fluxogramas, prees-tabelecidos e uma funcionalidade regida por uma grande lei: a
da gravidade. Tudo se ordena sob sua tutela. Os elementos arqui-tetônicos, como paredes, chão,
teto, portas e janelas, além do conteúdo quadro-negro, tampos de mesa, apostilas, mapas, tabelas,
cadernos, livros, etc. e dos ocupantes desse espaço (professor e alunos), ocupam lugares
predeterminados. Na virtualidade essa ordenação imposta por uma lei maior necessariamente não precisa imperar.
No entanto, ela ainda se faz presente reduzindo a capacidade de exergarmos além dela. Ambientes
de realidade virtual, na sua grande maioria, são modelados metaforicamente, tendo como referência
os espaços físicos conhecidos (a folha de papel e ambientes arquitetônicos 3D como casas,
museus, castelos, etc.). No intuito de transcender os limites que essas metáforas padrão impõem, trago um
outro dado a este meu texto.
Além da complexa discussão acerca do convívio entre a Internet e as Intranets, um dos pontos
centrais desse painel, há uma outra questão que vem se destacando nas mídias tipográfica e eletrônica
especializadas em WWW: a Push Media (5).
Push Media
Esse debate nos interessa pois alimenta as potencialidades estruturais e organizacionais de uma
sala de aula hipercubóide. A WWW, estruturada em torno da metáfora do simulacro de uma página de
papel, interconectada eletronicamente a outras páginas (hipertexto/HTML), não causa estranheza ao
usuário acadêmico, uma vez que esse ambiente-base bidimensional é responsável pela concretização da
maioria de suas atividades (livros, relatórios,
papers, etc.). Isso é cultural, secular e, por que não, uma
marca registrada de nossa civilização ocidental. A WWW continua a sofrer uma grande influência de
seus criadores (acadêmicos em geral), pois não deixa de ser, como comentado acima, uma imensa
enciclopédia virtual (de dimensões globais). Mas o que a
Push Media nos coloca é uma reviravolta significativa
nesse paradigma.
Push Media, que pode ser grossei-ramente traduzido como "mídia empur-rada", opera de
maneira distinta ao standard da WWW (6). A navegação padrão pela Internet baseia-se na vontade e ação
do usuário. É ele que escolhe as páginas que quer visitar, é ele que orienta o folhear pelas páginas
à disposição. Nesse caso, a WWW é uma grande biblioteca baseada em arquivos públicos. Na
Push Media, a orientação (ou não-orientação) é dada pela própria mídia, as informações são projetadas
em direção ao navegador. Ou seja, a informação além de estar estaticamente alojada em servidores
passa a percorrer continuamente as redes: networked
media. Nessa situação, a metáfora da página deixa
de ser tão apropriada e outros referenciais aparecem, como o cinema, a animação e principalmente
a televisão. A imagem em movimento, o audiovisual, começa a invadir as redes eletrônicas, não
substituindo o material estático de origem textual mas dinamizando-o. Essa mudança de paradigma não
é só conteudística pois interfere também na própria concepção de
hardware. Isso é fato. Novos
aparelhos eletroeletrônicos televisões que acessam a Internet, ou computadores que também operam
como televisores já estão disponíveis comercialmente e o setor de telecomunicações já busca
disponibilizar a Internet via cabo ou satélite, lado a lado com os canais de TV.
Sendo assim, a Internet deixa de transmitir apenas material de referência (acessado pelo usuário),
e possibilita a veiculação de material que emerge em movimento nas telas de computadores e
televisores. Especialistas afirmam que essa extrapolação da WWW trará uma mudança de comportamento: do
acesso individual de um sujeito solitário fazendo uso de um computador pessoal a uma
fruição/experiência coletiva a um grupo de pessoas participando de uma mesma situação. Isso seria semelhante ao
com-portamento de um grupo defronte a uma televisão mas com a grande diferença de contarmos com
a interatividade que a multimídia telemática possibilita. Os
chat rooms na WWW são hoje uma versão
tosca do que teremos amanhã.
Nesse caso, a sala de aula volta a fazer mais sentido, pois se torna um lugar para o convívio, onde os
seus ocupantes compartilham de informações e experiências. A universidade está no centro dessas
mudanças pois teoricamente e na prática participa não só do desenvolvimento de
novos hardwares como também de
softwares, além de ser responsável pela formação de profissionais que irão alimentar, gerenciar e inovar
esse novo mundo que começamos a vivenciar.
Notas
(1) <http://www.icmsc.sc.usp.br/~walmarar/acad.html>
(2) <http:// www.icmsc.sc.usp.br>
(3) <http://www.eca.usp.br/aocubo>
(4) HIPERCUBO: alguns usos e visualização:
· visualização 1
<http://torina.fe.uni.lj.si/~zlobec/cube/cubex/cube.html>;
· visualização 2
(estereográfica) <http://www.illusionworks.com/hyprcube.htm>;
· galeria de hipercubos
<http://www.lboro.ac.uk/departments/ma/gallery/hyper/index.html>;
· arquitetura de computadores
<http://www.reconfig.com/giga/rchwp20t.htm>
(5) Ver, por exemplo, artigo publicado pela revista
Wired
<http://www.wired.com/wired/5.03/push/index.html>
(6) http://www.slaughterhouse.com/push.html
MARTIN GROSSMANN é coordenador acadêmico do Projeto USPonline.
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