Haroldo tirou o papel do bolso, conferiu a anotação e
perguntou à balconista:
- Moça, vocês têm pendráivi?
- Temos, sim.
- O que é pendráivi? Pode me esclarecer? Meu filho me
pediu para comprar um.
- Bom, pendrive é um aparelho em que o senhor salva tudo o que
tem no computador.
- Ah, como um disquete...
- Não. No pendrive o senhor pode salvar textos, imagens e filmes.
O disquete, que nem existe mais, só salva texto.
- Ah, tá bom. Vou querer.
- Quantos gigas?
- Hein?
- De quantos gigas o senhor quer o seu pendrive?
- O que é giga?
- É o tamanho do pen.
- Ah, tá. Eu queria um pequeno, que dê para levar no bolso
sem fazer muito volume.
- Todos são pequenos, senhor. O tamanho, aí, é
a quantidade de coisas que ele pode arquivar.
- Ah, tá. E quantos tamanhos têm?
- Dois, quatro, oito, dezesseis gigas...
- Hmmmm, meu filho não falou quantos gigas queria.
- Neste caso, o melhor é levar o maior.
- Sim, eu acho que sim. Quanto custa?
- Bem, o preço varia conforme o tamanho. A sua entrada é
USB?
- Como?
- É que para acoplar o pen no computador, tem que ter uma entrada
compatível.
- USB não é a potência do ar condicionado?
- Não, aquilo é BTU.
- Ah! É isso mesmo. Confundi as iniciais. Bom, sei lá
se a minha entrada é USB.
- USB é assim ó: com dentinhos que se encaixam nos buraquinhos
do computador. O outro tipo é este, o P2, mais tradicional, o
senhor só tem que enfiar o pino no buraco redondo. O seu computador
é novo ou velho? Se for novo é USB, se for velho é
P2.
- Acho que o meu tem uns dois anos. O anterior ainda era com disquete.
Lembra do disquete? Quadradinho, preto, fácil de carregar, quase
não tinha peso. O meu primeiro computador funcionava com aqueles
disquetes do tipo bolacha, grandões e quadrados. Era bem mais
simples, não acha?
- Os de hoje nem têm mais entrada para disquete. Ou é CD
ou pendrive.
- Que coisa! Bem, não sei o que fazer. Acho melhor perguntar
ao meu filho.
- Quem sabe o senhor liga pra ele?
- Bem que eu gostaria, mas meu celular é novo, tem tanta coisa
nele que ainda não aprendi a discar.
- Deixa eu ver. Poxa, um Smarthphone! Este é bom mesmo! Tem
Bluetooth, woofle, brufle, trifle, banda larga, teclado touchpad,
câmera fotográfica, flash, filmadora, radio AM/FM, TV
digital, dá pra mandar e receber e-mail, torpedo direcional,
giroscópio, micro-ondas e conexão wireless....
- Blu... Blu... Blutufe? E micro-ondas? Dá prá cozinhar
com ele?
- Não senhor. Assim o senhor me faz rir. É que ele funciona
no sub-padrão, por isso é muito mais rápido.
- Pra que serve esse tal de blutufe?
- É para um celular comunicar com outro, sem fio.
- Que maravilha! Essa é uma grande novidade! Mas os celulares
já não se comunicam com os outros sem usar fio?
Nunca precisei fio para ligar para outro celular. Fio em celular, que
eu saiba, é apenas para carregar a bateria...
- Não, já vi que o senhor não entende nada, mesmo.
Com o Bluetooth o senhor passa os dados do seu celular para
outro, sem usar fio. Lista de telefones, por exemplo.
- Ah, e antes precisava fio?
- Não, tinha que trocar o chip.
- Hein? Ah, sim, o chípi. E hoje não precisa mais chípi...
- Precisa, sim, mas o Bluetooth é bem melhor.
- Legal esse negócio do chípi. O meu celular tem chípi?
- Momentinho... Deixa eu ver... Sim, tem chip.
- E faço o quê, com o chípi?
- Se o senhor quiser trocar de operadora, portabilidade, o senhor sabe.
- Sei, sim, portabilidade, não é? Claro que sei. Não
ia saber uma coisa dessas, tão simples? Imagino, então
que para
ligar tudo isso, no meu celular, depois de fazer um curso de dois meses,
eu só preciso clicar nuns duzentos botões...
- Nããão! É tudo muito simples, o senhor
logo apreende. Quer ligar para o seu filho? Anote aqui o número
dele. Isso. Agora é só teclar, um momentinho, e apertar
no botão verde... Pronto, está chamando.
Haroldo segura o celular com a ponta dos dedos, temendo ser levado pelos
ares,
para um outro planeta:
- Oi filhão, é o papai. Sim. Me diz, filho, o seu pendráivi
é de quantos... Como é mesmo o nome? Ah, obrigado, quantos
gigas? Quatro gigas está bom? Ótimo. E tem outra coisa,
o que era mesmo? Nossa conexão é USB? É? Que
loucura. Então tá, filho, papai está comprando
o teu pendráivi. De noite eu levo para casa.
- Que idade tem seu filho?
- Vai fazer dez em março.
- Que gracinha...
- É isso moça, vou levar um de quatro gigas, com conexão
USB.
- Certo, senhor. Quer para presente?
Mais tarde, no escritório, examinou o pendrive, um minúsculo
objeto, menor do que um isqueiro, capaz de gravar filmes! Onde iremos
parar? Olha, com receio, para o celular sobre a mesa. "Máquina
infernal", pensa. Tudo o que ele quer é um telefone, para
discar e receber chamadas. E tem, nas mãos, um equipamento sofisticado,
tão complexo que ninguém que não seja especialista
ou tenha a infelicidade de ter mais de quarenta, saberá compreender.
Em casa, ele entrega o pendrive ao filho e pede para ver como funciona.
O garoto insere o aparelho e na tela abre-se uma janela. Em seguida,
com o mouse, abre uma página da internet, em inglês.
Seleciona umas palavras e um 'heavy metal' infernal invade o quarto
e os ouvidos de Haroldo. Um outro clique e, quando a música
termina, o garoto diz:
- Pronto, pai, baixei a música. Agora eu levo o pendrive para
qualquer lugar e onde tiver uma entrada USB eu posso
ouvir a música. No meu celular, por exemplo.
- Teu celular tem entrada USB?
- É lógico. O teu também tem.
- É? Quer dizer que eu posso gravar músicas num pendriáivi
e ouvir pelo celular?
- Se o senhor não quiser baixar direto da internet...
Naquela noite, antes de dormir, deu um beijo em Clarinha e disse:
- Sabe que eu tenho Blutufe?
- Como é que é?
- Blutufe. Não vai me dizer que não sabe o que é?
- Não enche, Haroldo, deixa eu dormir.
- Meu bem, lembra como era boa a vida, quando telefone era telefone,
gravador era gravador, toca-discos tocava discos e a gente só
tinha que apertar um botão para ligar e para as coisas funcionarem?
- Claro que lembro, Haroldo. Hoje é bem melhor, né?
Várias coisas numa só, até blutufe você
tem. E conexão USB também. Que ótimo, Haroldo,
meus parabéns.
- Clarinha, com tanta tecnologia a gente envelhece cada vez mais rápido.
Fico doente de pensar em quanta coisa existe, por aí, que nunca
vou usar.
- Ué? Por quê?
- Porque eu recém tinha aprendido a usar computador e celular
e tudo o que sei já está superado.
- Por falar nisso temos que trocar nossa televisão.
- Ué? A nossa estragou?
- Não. Mas a nossa não tem HD, tecla SAP, slowmotion
e reset.
- Tudo isso?
- Tudo.
- A nova vai ter blutufe?
- Boa noite, Haroldo, vá dormir que eu não agüento
mais...
Colaborou: Luiz Barata em 4/12/11