MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR
DEPARTAMENTO DE POLÍTICAS DE ENSINO SUPERIOR
COORDENAÇÃO DAS COMISSÕES DE ESPECIALISTAS
COMISSÃO DE ESPECIALISTAS DE ENSINO DE MATEMÁTICA E ESTATÍSTICA CEEMAE
DIRETRIZES CURRICULARES
PARA CURSOS DE ESTATÍSTICA
Versão Preliminar
Brasília, Março de 1999
1. Introdução
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB (Lei n.º. 9.394, de 20 de dezembro de 1996) confere autonomia às Instituições de Ensino Superior, nos termos do inciso II do artigo 53, para fixar os currículos de seus cursos, observadas as diretrizes curriculares gerais pertinentes.
Considerando a necessidade de definir tais diretrizes, o Ministério da Educação e do Desporto - MEC, por intermédio da Secretaria de Educação Superior - SESu, convocou, através do Edital n.º. 4/97, de 10 de dezembro de 1997, as Instituições de Ensino Superior a apresentarem propostas nesse sentido. Essas propostas foram recebidas até 15 de julho de 1998 e encaminhadas às Comissões de Especialistas da SESu/MEC, nas áreas de conhecimento correspondentes, para serem consolidadas.
Na área de Estatística foram recebidas propostas de diretrizes curriculares das seguintes Instituições de Ensino Superior (IES): UFMG, UFRGS, UNICAMP, UNB, UFC, UFPr, ESEB.
Este documento incorpora, além de uma sistematização das propostas, idéias que circulam nos colegiados de cursos de graduação do país e nos encontros promovidos pelas associações científicas para discussão do assunto. Finalmente a comissão incorporou idéias e experiências das comissões de especialistas de Física e Química.
Quaisquer manifestações relativas e estas diretrizes deverão ser encaminhadas à COESP/SESu/MEC. De posse de tais manifestações, a Comissão reunir-se-á novamente, para elaborar a versão final da minuta de resolução a ser encaminhada ao CNE, que tem o poder legal de estabelecer as diretrizes curriculares para os Cursos de Graduação em Estatística.
2. Considerações Preliminares
Na década de 70 e 80, foram criados a maioria dos Departamentos Estatística das universidades brasileiras, através do desmembramento dos Departamentos de Matemática, e também os respectivos cursos de graduação. Os novos departamentos mantiveram muitas das estruturas de departamentos de matemática, não incorporando temas como capacidade de empreendimento, flexibilidade para atendimento das necessidades do mercado e outros, fundamentais em um curso superior de estatística. Os cursos, influenciados por este ambiente, foram criados com um único perfil definido: o egresso estaria preparado para fazer uma pós-graduação e trabalhar em algum grupo de pesquisa, uma proposta semelhante a do bacharelado de matemática típico.
0 currículo mínimo, usado naturalmente por todas as IES, foi estabelecido à semelhança do currículo da ENCE, Escola Nacional de Ciências Estatísticas, criada com o objetivo de formar profissionais para as necessidades técnicas do IBGE. A lei consagrou como perfil de uma profissão as necessidades de apenas uma instituição, grande e importante mas com perfil muito especifico.
Estes fatores criaram cursos de graduação com currículos longos, centrados na idéia de que o aluno aprende apenas na sala de aula, através de aulas expositivas e dentro dos muros, quase que exclusivamente, de um único departamento. As disciplinas exigidas são especificadas em detalhes, com todos os cursos do país usando opções muito semelhantes.
Esta história colaborou para o surgimento dos problemas que hoje atingem os cursos de graduação em estatística no Brasil. Entre eles destaca-se a enorme evasão escolar que chega a 90% dos alunos de uma dada coorte. Há um grande descompasso entre o que é ensinado e o que é demandado. Diante disto, a grande demanda por conhecimento estatístico na indústria, nos órgãos de governo, nas empresas de assessoria é hoje atendida por pessoas com pouca ou nenhuma formação estatística, com claros prejuízos para a sociedade, que se vê privada de melhor informação para a tomada de decisão.
Esta situação tem de ser mudada. 0 mercado de trabalho pede outras competências e premia os que as desenvolvem. Todos são unânimes em dizer que habilidades como: capacidade de expressão oral e escrita, domínio de língua estrangeira e de formulação de problemas, são fundamentais para o exercício de qualquer profissão hoje. É claro que, além disso, cada profissão tem o seu corpo de conhecimentos essenciais que são o eixo norteador da formação do aluno em tomo dos quais as competências acima ganham explicitação.
No caso da Estatística, a oportunidade criada pela LDB deve ser usada para uma grande mudança na maneira de se formar estatísticos profissionais no Brasil.
É preciso reconhecer que, embora em outros países, o estatístico profissional seja formado basicamente na pós-graduação, esta opção não é mais viável no Brasil, onde já existe um grande número de cursos de graduação de Estatística em atividade. 0 desafio brasileiro é tornar mais relevante e flexível a formação do graduado, adaptando experiências internacionais para o meio e a cultura nacional.
3. Perfis Profissionais
De maneira geral, o estatístico deve ser um profissional que, baseado em conhecimentos sólidos e atualizados, seja capaz de abordar com proficiência os problemas usuais de sua área de atuação: coleta, organização e síntese de dados, ajuste de modelos - e ter a capacidade de buscar informação para a solução de problemas novos e, encontrando-as, ser capaz de entendê-las e implementá-las. Além disto, em todas as suas atividades devem estar presentes, a curiosidade pelo conhecimento novo e uma postura ética diante dos fatos.
De forma geral três grandes perfis específicos podem ser tomados como referencial para o delineamento dos perfis dos formandos em Estatística:
Estatístico-Pesquisador: que se ocupará das atividades de pesquisa em estatística em universidades e centros de pesquisa. Sua formação só se completará com cursos de pós-graduação para os quais deve estar preparado ao fim da graduação.
Estatístico-Educador: dedicar-se-á à disseminação do conhecimento estatístico em diferentes organizações sociais, mas de forma especial nas escolas de ensino médio. Capacidade de produção de literatura instrucional. Sua formação guardará semelhanças com as diferentes licenciaturas, em particular com a de Matemática.
Estatístico Aplicado: profissional capacitado a formular e resolver problemas que envolvem a coleta, e sistematização e análise de dados. Este perfil abriga um grande variedade de formações possíveis.
0 trabalho deste estatístico começa com a formulação do problema a ser resolvido. Alguns exemplos: Para planejar o próximo ano, o secretário de educação precisa conhecer quantos alunos estarão se matriculando em escolas de ensino médio; um médico tendo atendido nos últimos anos 700 pacientes de câncer quer conhecer as características dos pacientes que tiveram boa evolução; uma empresa quer medir a satisfação de seus clientes, uma organização não governamental quer saber como os municípios de um estado gastam os recursos alocados ao setor saúde; uma escola particular quer conhecer o desempenho de seus alunos no vestibular e o que fazer para melhorá-lo.
Feita a formulação, um trabalho essencialmente interdisciplinar, concretizado através de entrevistas e leituras, segue-se a coleta de dados. São muitas as formas possíveis : pesquisas por amostragem, censos, experimentos, dados observacionais, etc. A próxima etapa é da análise dos dados. São muitas as possibilidades. Entretanto sabe-se que, na prática, são as técnicas simples de descrição, síntese gráfica e numérica de dados as mais demandadas. Finalmente o estatístico deve escrever e apresentar seus resultados, na forma de sugestão de mudanças no processo e na política.
4. Habilidades e Competências Profissionais
Para desempenhar os papéis destes perfis, o estatístico deve ter as seguintes habilidades:
- Ter cultura científica: se o trabalho estatístico começa com interação com outros profissionais, o estatístico deve estar habilitado a participar ativamente da discussão. Ou seja, precisa conhecer os fundamentos mais gerais da área onde ajudará na solução de problemas.
- Ter capacidade de expressão e de comunicação
- Ter conhecimento das formas de medição das variáveis de sua área de atuação e de organização e manipulação dos dados
- Saber produzir sínteses numéricas e gráficas dos dados, através da construção de índices, mapas e gráficos .
- Saber usar os modelos básicos de análise estatística, de forma especial os modelos de associação entre uma variável resposta e um conjunto de variáveis explicativas.
- Ser capaz de, a partir da análise dos dados, sugerir mudanças no processo, na política pública, na instituição, etc
- Possuir capacidade crítica para analisar os conhecimentos adquiridos, assimilar novos conhecimentos científicos e/ou tecnológicos, além de capacidade de trabalhar em equipe multidisciplinar.
- Dominar, no nível de leitura, uma língua estrangeira, preferencialmente, a inglesa.
- Ter habilidades gerenciais.
5. Conteúdos Curriculares
A organização dos currículos da IES deve contemplar um núcleo comum a todas as três modalidades de cursos de Estatística: Bacharelado em Estatística, Licenciatura em Estatística, Bacharelado em Estatística Aplicada, com duração de 1200 horas-aula, e um núcleo específico, organizado preferencialmente em módulos seqüenciais especializados, definidores de ênfase, dentro de cada modalidade, onde será fornecida a orientação específica da modalidade escolhida.
Núcleo Comum
0 núcleo comum do Curso de Estatística contará com um conjunto de disciplinas incluindo todas e cada uma das seguintes áreas:
- Matemática: Cálculo Diferencial e Integral, Geometria Analítica e Álgebra Linear.
- Computação: Informática Básica ( edição de textos, planilha eletrônica, internet) e pelo menos um pacote estatístico. Domínio de uma linguagem de programação.
- Tópicos Essenciais de Probabilidade
- Estatística: Métodos Básicos de Estatística ( Estatística Descritiva, Estimação e Teste de Hipóteses), Tópicos Essenciais de Inferência Estatística, Regressão Linear e Amostragem.
- Disciplinas Complementares: Redação em Língua Portuguesa, Língua Estrangeira.
Núcleo Específico
O núcleo específico corresponderá a módulos seqüenciais definidores de ênfases. 0 detalhamento, apresentado abaixo, dos conteúdos curriculares destes módulos deve servir apenas como orientação . Cada IES terá autonomia para definir suas ênfases seqüenciais e o perfil desejado do profissional a ser formado. Nesta parte residirá a essência diferencial de cada curso. Diante das especificidade regionais e institucionais, a IES estabelecerá seu currículo em consonância com o perfil do profissional que desejar formar, priorizando a aquisição das habilidades e conteúdos mais necessários e adequados àquele perfil. Além disso, ao oferecer conteúdos variados, o estudante poderá selecionar aqueles que mais atendam às suas escolhas pessoais dentro da carreira profissional de estatístico.
Perfis/ Modalidades:
Estatístico - Pesquisador (Bacharelado em Estatística): Esta modalidade poderá ter disciplinas como por exemplo: Equações Diferenciais, Análise Matemática, Probabilidade Avançada, Tópicos Avançados de Inferência Estatística, Modelos Lineares Generalizados, Inferência Bayesiana, Processos Estocásticos, Análise Multivariada. A critério de cada IES poderão ser criadas ênfases sequenciais nesta modalidade, incluindo interdisciplinaridade com a Física e a Matemática.
Estatístico - Educador (Licenciatura em Estatística): Esta modalidade terá disciplinas como por exemplo: Didática Geral, Didática Especial, Psicologia da Educação, Sociologia da Educação, Filosofia da Educação, Estrutura e Funcionamento do Ensino Básico e Médio, Prática de Ensino e Estágio Supervisionado. Também nesta modalidade podem ser criadas ênfases a critério de cada IES.
Estatístico - Aplicado (Bacharelado em Estatística Aplicada): Esta modalidade poderá ter várias implementações de acordo com a escolha e especificidades da IES. As ênfases seqüenciais descritas abaixo são apenas exemplos que podem ser implementados, tendo a IES completa liberdade para adotá-las ou criar ênfases mistas.
- Bioestatística : Esta ênfase poderá ter disciplinas como por exemplo: Bioestatística, Epiderniologia, Planejamento da Pesquisa Clínica, Análise de Dados Binários, Meta Análise, Regressão Logística, Análise de Sobrevivência e Tabelas de Vida, Análise de Dados Longitudinais.
- Estatística Experimental: Planejamento de Experimentos, Métodos Especiais de Amostragem, Superfície de Resposta, Análise de Dados Longitudinais, Análise Multivariada, Modelos Lineares Generalizados.
- Qualidade e Confiabilidade: Controle Estatístico de Qualidade, Ferramentas de Gerenciamento da Qualidade, Confiabilidade de Sistemas, Análise de Risco, Análise Multivariada, Tópicos de Gestão Empresarial.
- Marketing : Tópicos em Gestão Empresarial, Análise Multivariada, Análise de Dados Categóricos, Equações Estruturais, Análise Conjunta de Atributos ( Cojoint Analysis) , Escalas de Medida: Validade e Fidedignidade, "Data Mining", Modelos de Variáveis Latentes..
- Estatística nas Ciências Sociais: Escalas de Medida: Validade e Fidedignidade, Métodos de Pesquisa em Sociologia e Psicologia, Análise Multivariada, Análise de Dados Categóricos. Tópicos Especiais de Amostragem.
- Econometria: Séries Temporais, Modelos de Previsão, Análise de Regressão Não-Linear, Equações Estruturais, "Data Mining".
- Ciências Atuariais: Probabilidade, Análise de Risco, Tábuas de Vida, Análise de Sobrevivência.
- Estatística Espacial: Análise Multivariada, Análise de Imagens, Sensoriamento Remoto
- Estatística Ambiental: Introdução à Química, Ecologia, Análise Multivariada
A formação do estatístico será organizada de forma a oferecer ao aluno, além do estudo de disciplinas do núcleo comum e do núcleo específico, a possibilidade de:
- uso rotineiro de equipamentos computacionais,
- realização de pesquisa bibliográfica, em meios multimídia para localização de informação relevantes para um problema,
- leitura e discussão de textos básicos de divulgação científica,
- participação na solução de problemas reais em número compatível com suas opções,
- realização de estágio e/ou monografia onde o aluno terá a oportunidade de sistematizar seus conhecimentos.
A estruturação modular, sequencial dos cursos de Estatística está em consonância com a LDB (inciso I do artigo 44 da Lei 9394/96) e sua regulamentação feita pelo CNE, principalmente no que diz respeito aos cursos superiores de complementação, para uma volta à Universidade de graduados que desejem atualização profissional ou ampliação de seus horizonte intelectuais em certos campos do saber.
6. Duração e Organização dos Cursos
Carga Horária: Sugere-se uma carga horária mínima de 2400 horas para a obtenção do diploma de Bacharel em Estatística, Licenciado em Estatística ou Bacharel em Estatística Aplicada.
0 Bacharelando em Estatística deve completar uma monografia, o Bacharelando em Estatística Aplicada deve realizar estágio e o aluno da licenciatura deve ter prática de ensino e estágio supervisionado. A critérios das IES, pode haver a opção de estágio e monografia para uma determinada modalidade ou para uma determinada ênfase dentro de uma modalidade.
Atividades complementares: os alunos devem ser estimulados a ter atividades complementares como Bolsas de Iniciação Científica; participação em encontros estudantis e profissionais, congressos e reuniões científicas; participação em Núcleos ou Laboratórios de Estatística Aplicada.
7. Estruturação dos Cursos
Os cursos serão estruturados preferencialmente em modalidades das quais as IES poderão optar por uma ou mais de uma das modalidades descritas acima (Bacharelado em Estatística, Bacharelado em Estatística Aplicada ou Licenciatura em Estatística). Dentro de cada modalidade criada pela IES podem, opcionalmente, serem especificadas ênfases sequenciais onde alguns exemplos foram descritos acima, salientando-se que cada IES terá autonomia para definir ou criar suas ênfases.
As diretrizes curriculares devem servir também para a otimização da estruturação do curso, insistindo-se na abertura e flexibilização das grades curriculares, com minimização no sistema de pré-requisitos e ampliação do leque de possibilidades a partir do projeto pedagógico de cada IES.
CEEMAE
Astréa Barreto – presidente
Ana Catarina P. Hellmeister – Matemática
Jandyra Maria Fachel – Estatística
José Francisco Soares – Estatística
Maria Helena C. Jardim – Matemática
Tânia Maria M. Campos - Matemática