Pilhas

[books-stack.jpg]

Uma pilha é uma estrutura de dados que admite remoção de elementos e inserção de novos objetos.  Mais especificamente, uma  pilha (= stack)  é uma estrutura sujeita à seguinte regra de operação:  sempre que houver uma remoção,

o elemento removido é o que está na estrutura há menos tempo.

Em outras palavras, o primeiro objeto a ser inserido na pilha é o último a ser removido. Essa política é conhecida pela sigla LIFO (= Last-In-First-Out).

Sumário:

Implementação em um vetor

Suponha que nossa pilha está armazenada em um vetor  pilha[0..N-1].  (A natureza dos elementos do vetor é irrelevante: eles podem ser inteiros, bytes, ponteiros, etc.)  Digamos que a parte do vetor ocupada pela pilha é

pilha[0..t-1] .

O índice t indica a primeira posição vaga do vetor e t-1 é o índice do topo da pilha.  A pilha está vazia se t vale 0 e cheia se t vale N.  No exemplo da figura, os caracteres A, B, … , H foram inseridos na pilha nessa ordem:

0               t     N-1
A B C D E F G H        

Para remover, ou tirar, um elemento da pilha — essa operação é conhecida como desempilhar (= to pop) — faça

   x = pilha[--t];

Isso equivale ao par de instruções  t -= 1;  x = pilha[t];.  É claro que você só deve desempilhar se tiver certeza de que a pilha não está vazia.

Para inserir, ou colocar, um objeto y na pilha — a operação é conhecida como empilhar (= to push) — faça

   pilha[t++] = y;  

Isso equivale ao par de instruções  pilha[t] = y;  t += 1;.  Antes de empilhar, certifique-se de que a pilha não está cheia, para evitar um transbordamento (= overflow). 

Para facilitar a leitura do código, é conveniente embalar essas operações em duas pequenas funções. Se os objetos com que estamos lidando são do tipo char, podemos escrever

char desempilha (void) {
   return pilha[--t];
}

void empilha (char y) {
   pilha[t++] = y;
}

Estamos supondo aqui que as variáveis pilha e t são globais, ou seja, foram definidas fora do código das funções.  Para completar o pacote, precisaríamos de mais três funções: uma que crie uma pilha, uma que verifique se a pilha está vazia e uma que verifique se a pilha está cheia. (Veja exercício abaixo.)

Exercícios 1

  1. Módulo de implementação de pilha (versão 1).  Escreva um módulo pilhadechars.c que implemente uma pilha de caracteres ASCII. O módulo deve conter as funções  criapilhaempilhadesempilhapilhavaziapilhacheia.  Trate os parâmetros da pilha (o vetor pilha e o índice t) como variáveis globais do módulo.  Escreva também uma interface pilhadechars.h para o módulo. [Solução: ./solucoes/pilha3.html]
  2. Tome uma decisão de projeto diferente da adotada acima: suponha que a parte do vetor ocupada pela pilha é pilha[1..t]. Escreva o código das funções empilha, desempilha, pilhavazia e pilhacheia.
  3. Escreva um algoritmo que use uma pilha para inverter a ordem das letras de cada palavra de uma string ASCII, preservando a ordem das palavras. Por exemplo, para a string  ESTE EXERCICIO E MUITO FACIL  o resultado deve ser  ETSE OICICREXE E OTIUM LICAF.
  4. Permutações produzidas pelo desempilhar.  Suponha que objetos  1, 2, 3, 4  são colocados, nessa ordem, numa pilha inicialmente vazia. Depois de empilhar um objeto, você pode tirar zero ou mais elementos da pilha. Cada elemento desempilhado é impresso numa folha de papel. Por exemplo, a sequência de operações

    empilha 1, empilha 2, desempilha, empilha 3, desempilha, desempilha, empilha 4, desempilha,

    produz a impressão da sequência 2, 3, 1, 4. Quais das 24 permutações de 1, 2, 3, 4 podem ser obtidas dessa maneira?

  5. [Sedgewick]  O fragmento de programa abaixo opera uma pilha de objetos do tipo char.  (A função espia devolve uma cópia do topo da pilha, mas não tira esse elemento da pilha.)  Diga, em português, o que o fragmento faz.  Escreva um fragmento de código equivalente que seja bem mais curto e mais simples.
    if (pilhavazia ())  empilha ('B');
    else {
       if (espia () != 'A')  empilha ('B');
       else {
          while (!pilhavazia () && espia () == 'A') 
             desempilha ();
          empilha ('B'); } }
    

Aplicação: parênteses e colchetes

Considere o problema de decidir se uma dada sequência de parênteses e colchetes está bem-formada (ou seja, parênteses e colchetes são fechados na ordem inversa àquela em que foram abertos).  Por exemplo, a sequência

( ( ) [ ( ) ] )

está bem-formada, enquanto   ( [ ) ]   está malformada.  Suponha que a sequência de parênteses e colchetes está armazenada em uma string ASCII  s.  (Como é hábito em C, o último caractere da string é \0.)

Usaremos uma pilha para resolver o problema.  O algoritmo é simples: examine a string da esquerda para a direita e empilhe os parênteses e colchetes esquerdos à espera de que apareçam os correspondentes parênteses e colchetes direitos. (Veja pseudocódigo.)

Para simplificar, as variáveis pilha e t serão globais.  Suporemos também que o tamanho N do vetor que abriga a pilha é maior que o tamanho da string e portanto a pilha jamais transborda.

#define N 100
char pilha[N];
int t;

// Esta função devolve 1 se a string ASCII s 
// contém uma sequência bem-formada de 
// parênteses e colchetes; devolve 0 se 
// a sequência é malformada.

int bemFormada (char s[]) 
{
   criapilha ();
   for (int i = 0; s[i] != '\0'; ++i) {
      char c;
      switch (s[i]) {
         case ')': if (pilhavazia ()) return 0;
                   c = desempilha ();
                   if (c != '(') return 0;
                   break;
         case ']': if (pilhavazia ()) return 0;
                   c = desempilha ();
                   if (c != '[') return 0;
                   break;
         default:  empilha (s[i]);
      }
   }
   return pilhavazia ();
}

void criapilha (void) {
   t = 0;
}

void empilha (char y) {
   pilha[t++] = y;
}

char desempilha (void) {
   return pilha[--t];
} 

int pilhavazia (void) {
   return t <= 0;
}

(Poderíamos operar a pilha diretamente, sem invocar as funções de manipulação da pilha. O resultado seria bem mais curto e compacto, mas um pouco menos legível.)

Exercícios 2

  1. Dê uma definição formal de sequência bem-formada de parênteses e colchetes. Sugestão: definição recursiva.
  2. A função bemFormada funciona corretamente se a sequência s tem apenas dois elementos? apenas um? nenhum?
  3. Mostre que, no início de cada iteração da função bemFormada, s está bem-formada se e somente se a sequência   pilha[0..t-1] s[i...]   está bem-formada.
  4. Escreva uma versão da função bemFormada que aloque a pilha dinamicamente.
  5. Digamos que nosso alfabeto contém apenas as letras a, bc. Considere o seguinte conjunto de strings:   cacabcbabcbabacabaacaabbcbb, …   Qualquer string desse conjunto tem a forma WcM, sendo W uma sequência de letras que só contém a e b  e  M o inverso de W  (ou seja, M é W lido de trás para frente). Escreva um programa que decida se uma string x pertence ou não ao nosso conjunto, ou seja, decida se x é da forma WcM.

Outra aplicação: notação polonesa

Na notação usual de expressões aritméticas, os operadores são escritos entre os operandos;  por isso, a notação é chamada infixa.  Na notação posfixa, ou polonesa, os operadores são escritos depois dos operandos.  Eis alguns exemplos de expressões infixas e correspondentes expressões posfixas:

infixa posfixa
(A+B*C) ABC*+
(A*(B+C)/D-E) ABC+*D/E-
(A+B*(C-D*(E-F)-G*H)-I*3) ABCDEF-*-GH*-*+I3*-
(A+B*C/D*E-F) ABC*D/E*+F-
(A+B+C*D-E*F*G) AB+CD*+EF*G*-
(A+(B-(C+(D-(E+F))))) ABCDEF+-+-+
(A*(B+(C*(D+(E*(F+G))))))   ABCDEFG+*+*+*

Note que os operandos (A, B, C, etc.) aparecem na mesma ordem na expressão infixa e na correspondente expressão posfixa.  Note também que a notação posfixa dispensa parênteses e regras de precedência entre operadores (como a precedência de * sobre + por exemplo), que são indispensáveis na notação infixa.

Nosso problema:  traduzir para notação posfixa a expressão infixa armazenada em uma string inf.  Para simplificar nossa vida, vamos supor que

O algoritmo lê a expressão inf caractere-a-caractere e usa uma pilha para fazer a tradução.  Todo parêntese esquerdo é colocado na pilha. Ao encontrar um parêntese direito, o algoritmo desempilha tudo até encontrar um parêntese esquerdo, que também é desempilhado. Ao encontrar um + ou um - , o algoritmo desempilha tudo até encontrar um parêntese esquerdo, que não é desempilhado. Ao encontrar um * ou um / , o algoritmo desempilha tudo até encontrar um parêntese esquerdo ou um + ou um -.  Constantes e variáveis são transferidos diretamente de inf para a expressão posfixa.  (Veja um rascunho em pseudocódigo.)

As variáveis pilha e t são globais.  Vamos supor que N é maior que o tamanho da string inf, e portanto não precisamos nos preocupar com pilha cheia.  Como a expressão inf está embrulhada em parênteses, não precisamos nos preocupar com pilha vazia.

#define N 100
char pilha[N];
int t;

// Esta função recebe uma expressão infixa inf
// e devolve a correspondente expressão posfixa.

char *infixaParaPosfixa (char *inf) {
   int n = strlen (inf);
   char *posf; 
   posf = malloc ((n+1) * sizeof (char));
   criapilha ();
   empilha (inf[0]);       // empilha '('

   int j = 0;
   for (int i = 1; inf[i] != '\0'; ++i) {
      switch (inf[i]) {
         char x;
         case '(': empilha (inf[i]);
                   break;
         case ')': x = desempilha ();
                   while (x != '(') {
                      posf[j++] = x;
                      x = desempilha ();
                   }
                   break;
         case '+': 
         case '-': x = desempilha ();
                   while (x != '(') {
                      posf[j++] = x;
                      x = desempilha ();
                   }
                   empilha (x);
                   empilha (inf[i])
                   break;
         case '*':
         case '/': x = desempilha ();
                   while (x != '(' && x != '+' && x != '-') {
                      posf[j++] = x;
                      x = desempilha ();
                   }
                   empilha (x);
                   empilha (inf[i]);
                   break;
         default:  posf[j++] = inf[i];
      }
   }
   posf[j] = '\0';      
   return posf;
}  

(Poderíamos operar a pilha diretamente, sem invocar as funções de manipulação da pilha. O resultado seria mais curto e compacto, mas um pouco menos legível.)

Veja o resultado da aplicação da função infixaParaPosfixa à expressão infixa  (A*(B*C+D)). A tabela registra os valores das variáveis no início de cada iteração:

inf[0..i-1] pilha[0..t-1] posf[0..j-1]
( (  
(A ( A
(A* (* A
(A*( (*( A
(A*(B (*( AB
(A*(B* (*(* AB
(A*(B*C (*(* ABC
(A*(B*C+ (*(+ ABC*
(A*(B*C+D (*(+ ABC*D
(A*(B*C+D) (* ABC*D+
(A*(B*C+D))     ABC*D+*

Exercícios 3

  1. Use a função infixaParaPosfixa para converter  (A+B)*D+E/(F+A*D)+C  na expressão posfixa equivalente.
  2. Tamanho da pilha.  Na função infixaParaPosfixa, que tamanho a pilha pode atingir no pior caso, em função de n?  Em outras palavras, qual o valor máximo da variável t no pior caso? Que acontece se o número de parênteses esquerdos na expressão for limitado (menor que 6, por exemplo)?
  3. Reescreva a função infixaParaPosfixa sem supor que a expressão infixa está embrulhada em um par de parênteses.
  4. Alocação dinâmica.  Reescreva a função infixaParaPosfixa e as funções de manipulação da pilha de modo que o vetor pilha seja alocado dinamicamente.
  5. Colchetes e parênteses.  Reescreva a função infixaParaPosfixa supondo que a expressão infixa pode ter colchetes além de parênteses.
  6. Reescreva a função infixaParaPosfixa supondo que a expressão pode não ser válida.
  7. Valor de expressão polonesa.  Suponha que posf é uma string ASCII não vazia que armazena uma expressão aritmética em notação posfixa. Suponha que posf contém somente os operadores  +-*  e  /  (todos exigem dois operandos). Suponha também que a expressão não tem constantes e que todos os nomes de variáveis na expressão consistem em uma única letra maiúscula. Suponha ainda que temos um vetor valor que dá os valores das variáveis (todos inteiros):

    valor[0] é o valor da variável A,
    valor[1] é o valor da variável B, etc.

    Escreva uma função que calcule o valor da expressão posf. Cuidado com divisões por zero!

Implementação em vetor com redimensionamento

Nem sempre é possível prever a quantidade de espaço que uma pilha vai usar. Se a pilha residir num vetor, podemos recorrer ao redimensionamento sempre que a pilha ficar cheia, como já fizemos ao implementar uma fila.

Exercícios 4

  1. Módulo de implementação de pilha (versão 2).  Escreva um módulo pilhadechars.c que implemente uma pilha de caracteres ASCII num vetor com redimensionamento.  O módulo deve conter as funções  criapilhaempilhadesempilhapilhavazia  e  liberapilha.  Trate os parâmetros da pilha como variáveis globais do módulo.  Escreva também uma interface pilhadechars.h para o módulo.

Pilha implementada em uma lista encadeada

Como implementar uma pilha em uma lista encadeada?  Digamos que os elementos da pilha são caracteres ASCII e que as células da lista são do tipo celula (veja Estrutura de uma list ligada):

typedef struct celula {
   char           conteudo; 
   struct celula *prox;
} celula;

Decisões de projeto: 1. Nossa lista terá uma célula-cabeça (e portanto a primeira célula da lista não fará parte da pilha).  2. O topo da pilha ficará na segunda célula e não na última (por quê?).  3. Uma variável global pi apontará a cabeça da lista.

As funções de criação e manipulação da pilha podem então ser escritas assim:

celula *pi;

void criapilha (void) {
   pi = malloc (sizeof (celula)); // cabeça
   pi->prox = NULL; 
}

void empilha (char y) { 
   celula *nova;
   nova = malloc (sizeof (celula));
   nova->conteudo = y;
   nova->prox  = pi->prox;
   pi->prox = nova; 
}

char desempilha (void) {
   celula *p;
   p = pi->prox;
   char x = p->conteudo;
   pi->prox = p->prox;
   free (p);
   return x; 
}

(Como de hábito, a função desempilha não deve ser invocada se a pilha estiver vazia.)

Exercícios 5

  1. Implemente um pilha em uma lista encadeada sem célula-cabeça. A pilha será dada pelo endereço da primeira célula da lista (que é o topo da pilha).
  2. Reescreva as funções bemFormada e infixaParaPosfixa armazenando a pilha em uma lista encadeada.

Apêndice: A pilha de execução de um programa

Todo programa C consiste em uma ou mais funções  (sendo main a primeira função a ser executada).  Para administrar as invocações das funções, o computador (ou melhor, o sistema operacional) usa uma pilha de execução.  (Veja o verbete Call stack na Wikipedia.)  A operação pode ser descrita conceitualmente da seguinte maneira.

Ao encontrar a invocação de uma função, o computador cria um novo espaço de trabalho, que contém todos os parâmetros e todas as variáveis locais da função.  Esse espaço de trabalho é colocado na pilha de execução (por cima do espaço de trabalho que invocou a função) e a execução da função começa (confinada ao seu espaço de trabalho).  Quando a execução da função termina, o seu espaço de trabalho é removido da pilha e descartado.  O espaço de trabalho que estiver agora no topo da pilha é reativado e a execução é retomada do ponto em que havia sido interrompida.  (Veja Julia's drawings: What's the stack?)

Considere o seguinte exemplo:

   int G (int a, int b) {
      int x;
      x = a + b;
      return x;
   }

   int F (int i, j, k) {
      int x; 
      x = /*2*/ G (i, j) /*3*/;
      x = x + k;
      return x;
   }

   int main (void) {
      int i, j, k, y;
      i = 111; j = 222; k = 444;
      y = /*1*/ F (i, j, k) /*4*/;
      printf ("%d\n", y);
      return EXIT_SUCCESS;
   }

A execução do programa prossegue da seguinte maneira:

No nosso exemplo, F e G são funções distintas. Mas tudo funcionaria da mesma maneira se F e G fossem idênticas, ou seja, se F fosse uma função recursiva.

Exercícios 6

  1. Escreva uma função iterativa que simule o comportamento da seguinte função recursiva. Use uma pilha.
    int TTT (int x[], int n) {
       if (n == 0) return 0;
       if (x[n] > 0) return x[n] + TTT (x, n-1);
       else return TTT (x, n-1);
    }
    
  2. Pilha de execução de programas.  (Este exercício não só simula o funcionamento da pilha de execução como também o processamento das diretivas #include e #define do pré-processador do compilador C.)  Escreva um programa que receba um arquivo de texto ASCII e grave outro arquivo de texto ASCII como especificado a seguir. Cada linha do arquivo de entrada contém palavras separadas por espaços; as palavras que começam com # são especiais e as outras são normais. O arquivo de saída conterá as palavras normais, em uma só linha, numa certa ordem. Suponha, por exemplo, que o arquivo de entrada contém as seguintes linhas:
    0   #4 aaa #2
    1   bbb
    2   CC #4 DDD #1 ee
    3   FF #2 #4
    4   GG hhh
    

    (Os números no início das linha servem apenas de referência e não fazem parte do arquivo.)  Então o arquivo de saída deverá conter

    GG hhh aaa CC GG hhh DDD bbb ee
    

    Como o exemplo sugere, as palavras especiais são substituídas pela linha do arquivo de entrada cujo número é dado depois de #, e isso deve ser feito recursivamente. Para tornar o exercício mais interessante, não use funções recursivas.