[Prévia] [Próxima] [Prévia por assunto] [Próxima por assunto]
[Índice cronológico] [Índice de assunto]

artigo do Gianotti na Folha de hoje



São Paulo, quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Folha de São Paulo

Adeus à Capes 

JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI

Ao arrotar estatísticas sobre o aumento do número de doutores, a Capes
não nota a farsa dos cursos de pós-graduação em humanidades

DURANTE um mês, a Folha de S.Paulo esperou que a Capes (Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, do Ministério da Educação)
respondesse a um pedido de informação a respeito do fechamento do
Programa de Formação de Quadros Profissionais do Cebrap (Centro
Brasileiro de Análise e Planejamento). No mesmo dia em que a reportagem
veio à luz, a presidência da Capes divulgou em seu site um texto em que
insulta o Cebrap e dá a versão dos fatos que convém a ela. 
Afirmar que "sabidamente é muito mais cômodo receber recém-doutores para
executar atividades de pesquisa institucional do que formar
pós-graduandos" é não ter idéia do que seja o programa de formação de
quadros e é, sem prova nenhuma, denunciar que o Cebrap está usando
bolsistas como mão-de-obra não paga para realizar pesquisas próprias. 
Esse programa surgiu em 1986, no governo Sarney, e perdurou sem que
ninguém o acusasse de ter qualquer orientação ideológica. Serviu de
válvula de escape para dar uma alternativa a bons alunos de mestrado
que, premidos pela redução de prazo das bolsas -que, nessa época, era a
política de todos nós-, pudessem dar continuidade a seus trabalhos e
passar por uma experiência interdisciplinar. 
Os estudantes permaneciam dois anos no Cebrap, tendo um orientador, mas
sem aulas, embora ligados a seu próprio projeto. Apenas se submetiam a
um programa por eles mesmos elaborado, mas sob a supervisão do
responsável do programa; obrigavam-se ainda a assistir a qualquer
conferência pronunciada na casa. 
Nessas condições, nunca poderia vir a ser um programa de pós-graduação
"stricto sensu" ou "lato sensu" pela simples razão de que tinha sido
inventado para corrigir sua rigidez. 
E assim ele perdurou até 2003, formando 98 pesquisadores que se
mostraram do mais alto nível, a maioria deles ocupando hoje cargos nas
universidades e na alta administração pública. Note-se ainda que em 1998
foi feita uma avaliação pela Capes que, para nós, foi excelente. 
Encurtado com sucesso o prazo de mestrado, os melhores alunos passaram a
ser diretamente dirigidos para o doutoramento, o que prejudicou nossa
seleção. 
Constatamos, porém, enorme carência na área dos recém-doutores, muitos
permanecendo sem emprego e sem nenhuma atividade acadêmica. 
Em 2003, alteramos o programa para receber quatro recém-doutores por
dois anos, mantendo a mesma estrutura interdisciplinar à base de
seminários. De 2003 até agora, recebemos 24 bolsistas doutores, dos
quais oito fizeram concursos e foram aprovados nas melhores
universidades públicas. 
Espanta-nos, assim, a Capes considerar um "extraordinário privilégio"
conceder oito bolsas anuais quando financia cerca de 500 bolsas de
pós-doutoramento no país, sendo esse o único programa unicamente
dedicado à formação dos pesquisadores. 
As bolsas são pagas diretamente aos estudantes, o Cebrap não recebe nem
R$ 1 pela estadia nem cobra deles por qualquer despesa (os orientadores
não são remunerados por esse trabalho extra nem são computados os gastos
com papel, xerox, lugar de trabalho etc.). Sempre imaginamos que
estivéssemos servindo ao país. 
É patente que o nível dos doutores hoje formados é insuficiente. Para
quatro bolsas, em 2003, recebemos 19 candidatos; em 2004, 45 candidatos;
em 2005, 58 candidatos; em 2006, 24 candidatos; em 2007, 34 candidatos
de todo o país. Em geral, o nível dos projetos é muito baixo. 
No delírio de arrotar estatísticas exibindo o aumento do número de
doutores no país, a Capes não percebe a enorme farsa dos cursos de
pós-graduação nas humanidades. Apenas constata que há muitos
recém-doutores desempregados e informa que, "dada a importância dos
programas de absorção de recém-doutores", lançará "brevemente o Programa
Nacional de Pós-Doutorado, cujo objetivo é propiciar que recém-doutores
que não foram absorvidos pelo mercado de trabalho possam elaborar e
implementar projetos de desenvolvimentos de novas tecnologias". 
A Capes descobre um problema com o qual já estamos lidando há cinco
anos, mas lhe interessa apenas o setor de novas tecnologias. Sem avaliar
nossa experiência de cinco anos que ela mesma financiou, aconselha-nos a
postular bolsas no novo programa. Os outros 16 anos de intensa
experiência interdisciplinar não passam de um privilégio que ela
concedeu ao Cebrap. A atual presidência da Capes se pensa o umbigo do
mundo e corregedora das humanidades. 



________________________________________________________________________
JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI, filósofo, é professor emérito da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e coordenador da área de
filosofia do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), onde
coordena o Programa de Formação de Quadros Profissionais. É autor, entre
outras obras, de "Certa Herança Marxista".

-- 
Francisco Cribari-Neto                voice:   +55-81-21267425
Departamento de Estatistica          fax:   +55-81-21268422
Universidade Federal de Pernambuco   e-mail: cribari@de.ufpe.br
Recife/PE, 50740-540, Brazil         web: www.de.ufpe.br/~cribari

     I would like to get an education, but it may be too late:
     I already have my doctorate.