*Quo vadis, Qualis?* (Silvio Salinas – Instituto de Física, USP)
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Outro dia um colega me mostrou a nova classificação das revistas no
Qualis da CAPES. Já me parecia estranho estabelecer tantas categorias
- A, B, C - com base no “parâmetro de impacto” de cada revista, mas
agora a estrutura fina se reforçou. O novo Qualis contempla dois
subníveis do tipo A e nada menos do que cinco subníveis B – de B1 a B5
– com base no parâmetro de impacto.
Francamente, acho que atingimos um limite perigoso, que coloca em
risco o próprio conceito de avaliação. Por exemplo, o que significa
classificar Physical Review D como A2 e Physical Review B como B1? Por
acaso os particuleiros são melhores do que os solidistas? Ainda bem
que na minha própria área eu tenha abandonado as revistas mais
tradicionais, optando por uma publicação eletrônica, com parâmetro de
impacto em franca ascensão. Mas é triste perceber que J. Phys. A e
Physica A são classificados como B2, e que as revistas de cunho
matemático nem aparecem na lista (alguém se lembra de Comm. Math.
Phys. ou do J. Stat. Phys., editada há tanto anos por Joel Lebowitz?).
O pobre do BJP continua resistindo bravamente, numa posição inferior,
B3, mas gloriosamente acima de muita gente.
Acho que está na hora de refletir sobre essa numerologia, que pouco a
pouco se acentua em todas as áreas, impulsionada pelas facilidades da
informática e por uma vaga idéia de globalização. Será que a
numerologia (parâmetro de impacto, índice H) vai mesmo substituir a
avaliação dos pares? Cuidado: o modismo internacional costuma chegar
no nosso país atrasado, meio “fora de lugar”, como tem sido observado
por muita gente. Em nome da internacionalização da ciência brasileira,
será que não seria melhor encerrar as atividades de uma revista
nacional como o BJP? Não seria suficiente lançar mão desses índices
para avaliar os nossos colegas que ficam demandando bolsas e auxílios
às agências de fomento? Certamente seria um processo mais rápido e bem
mais barato. Por que perder tempo com comitês? Por que se preocupar
com a leitura de artigos que se publicam aos borbotões, mais depressa
do que o pensamento, e também vão ser esquecidos muito rapidamente?
Felizmente há uns tantos químicos que ainda querem pensar nesse país.
Logo abaixo vou reproduzir (plagiar?) partes de um texto de dois
ilustres colegas químicos, Jailson de Andrade, da UFBA, e Fernando
Galembeck, da Unicamp, publicado inicialmente como editorial de um
número recente de Quimica Nova (com artigos em português, mas com
parâmetro de impacto superior ao do BJP) e reproduzido no JC-e. Espero
que o nosso presidente Alaor Chaves ainda publique o seu “teorema”
sobre o parâmetro de impacto, já descrito pelo vice-presidente no
número 017 desse Boletim em julho de 2008.
“Durante a avaliação trienal 2005-2007, o Qualis foi alterado e vários
periódicos tiveram a sua posição modificada. Recentemente, em pleno
período de coleta de informações visando ao triênio 2008-2010, a
coordenação da área de Química divulgou novas mudanças no sistema
Qualis com a introdução de duas categorias no nível A, cinco no nível
B e atribuindo ao estrato C o valor zero.
Os objetivos das mudanças são relevantes: aperfeiçoar o sistema de
avaliação e permitir a comparabilidade entre as diferentes áreas. Em
novembro de 2008, o Fórum de Coordenadores de Pós-graduação em Química
reuniu-se em Ribeirão Preto, SP, com uma agenda que incluía a
discussão da avaliação dos cursos.
Após dois dias de trabalho, divulgou uma moção que se opõe à nova
classificação anunciada pela Capes: “O Fórum de Pós-Graduação, após
uma longa e aprofundada discussão, considerou inadequada a nova
proposta para o Qualis e refuta os valores percentuais de 20 e 50%
para os estratos A1 + A2 e A1 + A2 + B1, respectivamente. A aplicação
desses percentuais faz com que vários periódicos importantes sejam
excluídos dos estratos superiores, afetando diferentes subáreas
tradicionais e de importância histórica e estratégica para a pesquisa
em Química no Brasil, pois em alguns casos não existem periódicos que
atingem tais fatores de impacto. Além disso, impedem que publicações
como o Journal of the Brazilian Chemical Society, a Química Nova e os
Anais da Academia Brasileira de Ciências reflitam seu importante papel
como suporte para a divulgação dos trabalhos científicos na área de
Química no país e no exterior. É de extrema importância levar em
consideração o papel estratégico que esses periódicos representam para
a inserção da pesquisa no cenário nacional e internacional”.
Em resumo, os avaliados, que contribuem diuturnamente para o
aperfeiçoamento do sistema e realmente fazem a pesquisa e a
pós-graduação refutam o Qualis divulgado!
Um aplicativo como o Qualis, para ser de uso abrangente necessita ter
por princípio o uso de múltiplos critérios para a classificação dos
periódicos e não o uso de um critério único como o FI (fator de
impacto). A comunidade acadêmica sabe muito bem que indicadores tipo
FI ou fator h4 refletem a visibilidade e a inserção internacional de
um periódico/artigo/pesquisador, além da sua qualidade ou impacto.
Por isso mesmo, um analista brasileiro usou recentemente a expressão
“favor de impacto”. Considerando-se uma área especifica como a
Química, a comparabilidade entre os periódicos utilizando o FI incorre
em sérios desvios. Por exemplo, o periódico Inorganic Chemistry
dificilmente apresentará um FI maior do que Analytical Chemistry, o
que não significa que não haja artigos de excelente qualidade, nas
duas disciplinas. Simplesmente, a visibilidade das inovações
metodológicas analíticas em outras disciplinas é maior do que a da
química inorgânica. O mesmo pode ser observado ao se comparar
Atmospheric Environment e Environment Science and Technology, ou ainda
comparar periódicos que publicam revisões com os que publicam
resultados originais de pesquisa científica. São inúmeros, dentro e
fora da Química os exemplos em que a visibilidade é o maior fator de
distinção entre periódicos, e não a qualidade ou o impacto.
Como comparar o papel exercido nas comunidades local e internacional
pelo Journal of the American Chemical Society, criado há 130 anos, com
o do Journal of the Brazilian Chemical Society criado há 20 anos?
Certamente que não será através dos respectivos FI! Por outro lado,
qual das duas revistas deve ser o objetivo de ações estratégicas que a
valorize e dessa forma valorize a ciência brasileira? Qual delas tem
maior possibilidade de veicular informação científica séria e
importante para as estratégias de desenvolvimento brasileiro, mas
pouco relevante para estratégias e desenvolvimento econômicos dos
países centrais?
A divulgação de resultados de pesquisa cientifica é cada vez mais uma
atividade empresarial de grandes conglomerados editoriais que recebem
a informação sem custo, utilizam a avaliação por pares, também sem
custo, e comercializam a informação a preços cada vez mais elevados.
Supervalorizar o FI e/ou o fator h é também uma forma de
supervalorizar estes conglomerados. São raros os exemplos como o da
Sociedade Brasileira de Química que disponibiliza os seus periódicos
na internet sem qualquer custo; e o da CAPES que mantém o portal de
periódicos com livre acesso ao sistema de pós-graduação, contribuindo
de forma significativa para a inclusão científica e tecnológica.
Atualmente, a disseminação da divulgação em meio eletrônico e o
crescente aperfeiçoamento dos sistemas de busca estão permitindo o
acesso a qualquer tipo de publicação em meio eletrônico e em qualquer
língua ou formato. A atual revolução na mídia de difusão do
conhecimento científico fatalmente inviabilizará ou exigirá a
reconstrução de indicadores como FI e h. É o momento de olhar a frente
e de desenvolver novos indicadores.
Avaliar não é, nem nunca foi uma atividade simples. Especialmente,
porque a avaliação pertence ao avaliado e não ao avaliador.
Contabilizar indicadores é um processo simples, mas qualificá-los é um
processo complexo e que exige equilíbrio, parâmetros e regras bem (e
previamente) definidas. Na noite, um enxame de vagalumes brilha mais
do que um solitário farol. Entretanto, o farol nos ensina o caminho! O
aplicativo Qualis é uma boa ferramenta para auxiliar o sistema de
avaliação. Entretanto, nos dez anos de uso ele tem sido mudado para
não mudar... Ou seja, o “sarrafo” muda de posição, mas a lógica da
avaliação continua a mesma, exacerbando a importância de um dos
aspectos da pós-graduação e subjugando a relevância sob indicadores
erigidos em critérios finais e únicos. Os(as) colegas que hoje estão
engajados no processo de avaliação deveriam considerar atentamente a
mensagem dos avaliados e refletir sobre o significado de cada
instrumento utilizado. Neste momento, a pergunta que não cala é:
Qualis, Quo Vadis?”