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Texto de Artur da Távola
Caros Redistas,
Paulo Alberto Moretzsonh Monteiro de Barros, mais conhecido
pelo seu pseudônimo Artur da Távola, foi um escritor dos bons
e político carioca (deputado e senador entre os meus preferidos).
Pela sua vasta cultura se distinguia daquelas figurinhas curruptas
e/ou ineptas do congresso nacional.
Observem abaixo o texto que ele escreveu, em 1984, bem sugestivo
para comemorarmos melhor o dia de hoje. (Alguns sites atribuem esse
texto ao Drummond de Andrade).
Ter ou não ter namorado, eis a questão
Artur da Távola
Quem não tem namorado é alguém que tirou férias remuneradas de si
mesmo. Namorado é a mais difícil das conquistas. Difícil porque
namorado de verdade é muito raro. Necessita de adivinhação, de pele,
saliva, lágrima, nuvem,
quindim, brisa ou filosofia. Paquera, gabira, flerte, caso, transa,
envolvimento, até paixão é fácil. Mas namorado mesmo é muito difícil.
Namorado não precisa ser o mais bonito, mas ser aquele a quem se quer
proteger e quando se chega ao lado dele a gente treme, sua frio, e
quase desmaia pedindo proteção. A proteção dele não precisa ser
parruda ou bandoleira: basta um olhar de compreensão ou mesmo de
aflição.
Quem não tem namorado não é quem não tem amor: é quem não sabe o gosto
de namorar. Se você tem três pretendentes, dois paqueras, um
envolvimento, dois amantes e um esposo; mesmo assim pode não ter
nenhum namorado. Não tem
namorado quem não sabe o gosto da chuva, cinema, sessão das duas, medo
do pai, sanduíche da padaria ou drible no trabalho.
Não tem namorado quem transa sem carinho, quem se acaricia sem vontade
de virar lagartixa e quem ama sem alegria.
Não tem namorado quem faz pactos de amor apenas com a infelicidade.
Namorar é fazer pactos com a felicidade, ainda que rápida, escondida,
fugidia ou impossível de curar.
Não tem namorado quem não sabe dar o valor de mãos dadas, de carinho
escondido na hora que passa o filme, da flor catada no muro e entregue
de repente, de poesia de Fernando Pessoa, Vinícius de Moraes ou Chico
Buarque, lida bem devagar, de gargalhada quando fala junto ou descobre
a meia rasgada, de ânsia enorme de viajar junto para a Escócia, ou
mesmo de metrô, bonde, nuvem, cavalo, tapete mágico ou foguete
interplanetário.
Não tem namorado quem não gosta de dormir, fazer sesta abraçado, fazer
compra junto. Não tem namorado quem não gosta de falar do próprio amor
nem de ficar horas e horas olhando o mistério do outro dentro dos
olhos dele; abobalhados de alegria pela lucidez do amor.
Não tem namorado quem não redescobre a criança e a do amado e vai com
ela a parques, fliperamas, beira d?água, show do Milton Nascimento,
bosques enluarados, ruas de sonhos ou musical da Metro.
Não tem namorado quem não tem música secreta com ele, quem não dedica
livros, quem não recorta artigos, quem não se chateia com o fato de
seu bem ser paquerado. Não tem namorado quem ama sem gostar; quem
gosta sem curtir quem curte sem aprofundar.
Não tem namorado quem nunca sentiu o gosto de ser lembrado de repente
no fim de semana, na madrugada ou meio-dia do dia de sol em plena
praia cheia de rivais.
Não tem namorado quem ama sem se dedicar, quem namora sem brincar,
quem vive cheio de obrigações; quem faz sexo sem esperar o outro ir
junto com ele.
Não tem namorado que confunde solidão com ficar sozinho e em paz. Não
tem namorado quem não fala sozinho, não ri de si mesmo e quem tem medo
de ser afetivo.
Se você não tem namorado porque não descobriu que o amor é alegre e
você vive pesando 200Kg de grilos e de medos. Ponha a saia mais leve,
aquela de chita, e passeie de mãos dadas com o ar. Enfeite-se com
margaridas e ternuras e escove a alma com leves fricções de esperança.
De alma escovada e coração estouvado, saia do quintal de si mesma e
descubra o próprio jardim.
Acorde com gosto de caqui e sorria lírios para quem passe debaixo de
sua janela. Ponha intenção de quermesse em seus olhos e beba licor de
contos de fada. Ande como se o chão estivesse repleto de sons de
flauta e do céu descesse uma névoa de borboletas, cada qual trazendo
uma pérola falante a dizer frases sutis e palavras de galanteio.
Se você não tem namorado é porque não enlouqueceu aquele pouquinho
necessário para fazer a vida parar e, de repente, parecer que faz
sentido.
Enlou-cresça.