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Veja Perfil: Stephen Wolfram



A Busca de Wolfram
O Wolfram Alpha quer fazer algo mais do que sites como Yahoo!
e Google: quer ser uma "máquina de conhecimento". Quem é,
e o que pensa, o prodígio da ciência que está por trás deleo

Alessandro Greco
Roy Ritchie

RESPOSTAS, NÃO LISTAS
Wolfram, durante o lançamento de seu site, em maio: "O programa age como
um especialista"

Há quem diga que os sites de busca deram ordem ao caos da internet. Para
Stephen Wolfram, no entanto, essa ordem deixa muito a desejar. Daí a
tarefa que esse inglês calvo de 50 anos, invariavelmente usando tênis e
calça cáqui, propôs a si próprio: criar um novo tipo de ferramenta, uma
verdadeira "máquina de conhecimento" para a internet. Conforme observa
Wolfram, todos os buscadores, inclusive o líder, Google, realizam na
essência uma mesma operação. Diante de um pedido, apresentam listas de
páginas em que a informação desejada deve estar contida. Eles apontam o
caminho ? sem dar diretamente uma resposta. Respostas genuínas pedem algo
diferente. Mais exatamente, um site como o que ele e sua equipe lançaram
em meados de maio, sob o nome de Wolfram Alpha. "O programa age como um
especialista", disse o cientista a VEJA. "Você o consulta e ele lhe
oferece conhecimento confiável. Dados básicos, mas também um extra na
forma de gráficos, tabelas, comparações." Ainda em versão experimental, o
Wolfram Alpha registrou, no seu primeiro mês, cerca de 150 milhões de
visitas ? uma fração modesta dos 50 bilhões de acessos mensais do Google.
Para muitos nomes centrais do mundo da tecnologia, contudo, no momento
essas cifras não importam tanto. Quer sobreviva como empreendimento a
longo prazo, quer naufrague, eles sabem que o Wolfram Alpha pôs na ordem
do dia um tema fundamental para o futuro da internet: o aprimoramento das
ferramentas de busca, para que elas passem a combinar, estruturar e
apresentar informações de maneira inteligente, e não apenas localizá-las.

Bill Gates, da Microsoft, Jeff Bezos, da Amazon, e Sergey Brin, do Google,
foram alguns dos potentados que assistiram a demonstrações do Wolfram
Alpha em primeira mão. Para nenhum deles foi surpresa que Stephen Wolfram
fosse o homem na vanguarda desse tipo de pesquisa. Nascido em Londres, em
1959, filho de judeus que deixaram a Alemanha no começo da década de 30,
Wolfram é dono de um currículo prodigioso. Quando criança, seus pais o
achavam um tanto confuso. Logo ficou evidente que os momentos de abstração
se deviam ao talento para a matemática e o raciocínio abstrato. Aos 13
anos, Wolfram conquistou uma bolsa para Eton, reduto educacional da elite
inglesa. Ele se entediava com as aulas. Preferia estudar sozinho e ganhar
dinheiro resolvendo equações para os colegas. Talvez se possa dizer que, a
essa altura, já estavam delineadas suas três características principais: o
brilho intelectual, a impaciência em relação ao ambiente acadêmico e a
veia empreendedora.

Wolfram publicou seu primeiro artigo científico aos 15 anos. Aos 17,
ingressou na Universidade de Oxford e, três anos depois, já era professor
de um dos mais renomados centros de pesquisa dos Estados Unidos, o
Instituto de Tecnologia da Califórnia, conhecido como Caltech. Passaram-se
mais alguns meses e ele se tornou a pessoa mais jovem a receber uma das
"bolsas para gênios" da Fundação Mac-Arthur. Atrevido, Wolfram não se
intimidava ao debater com duas estrelas do Caltech, os prêmios Nobel de
Física Richard Feynman e Murray Gell-Mann (o primeiro diria, anos mais
tarde, já aposentado, que sentia falta das conversas que mantinha com o
jovem colega). Sua atividade não se limitava ao campo da matemática e da
física teórica. Ele também se arriscava na ciência aplicada, tendo
inventado, por exemplo, um software para fazer cálculos complexos de
física. Uma disputa sobre a patente desse invento com o Caltech fez com
que Wolfram se mudasse para o Instituto de Estudos Avançados de Princeton,
a meca da física, onde Albert Einstein trabalhou por todo o período em que
morou nos Estados Unidos, e por onde também passou o húngaro John von
Neumann, conhecido como um dos pais da Teoria dos Jogos, mas também ligado
a pesquisas sobre vida artificial que se tornariam essenciais na
trajetória de Wolfram.

Neumann se perguntava de que tipo seriam as regras necessárias para tornar
um robô capaz de construir uma cópia de si próprio. Conseguiu demonstrar
matematicamente a possibilidade de que um conjunto de células, arranjadas
num certo padrão, se reproduzisse infinitamente ? deu a elas o nome de
"autômatos celulares". Wolfram retomou esse raciocínio. Começou por
indagar se regras elementares poderiam dar origem a comportamentos
complexos. Em vez de pensar em termos de equações matemáticas, contudo,
deslocou sua pesquisa para o campo das operações lógicas realizadas por
programas de computador. "Acho que as pessoas têm uma grande ideia na
vida. Essa, sem dúvida, foi minha grande ideia", disse ele a VEJA. Os
experimentos de Wolfram em computadores demonstraram que programas com
regras simples eram, sim, capazes de realizar tarefas imensamente
intricadas.

Roy Ritchie
CIÊNCIA E ESPÍRITO EMPREENDEDOR
O centro de pesquisa tecnológica de Wolfram, nos Estados Unidos: "Trabalho
todo o tempo. E me divirto com o que faço"

Isso o levou a conjeturar se uma vasta gama de fenômenos naturais não
poderia ser explicada por aquele mesmo tipo de regra genérica incorporada
em seus softwares. Wolfram ruminou essa questão por vinte anos.
Finalmente, deu-lhe uma resposta afirmativa. Em 2002, publicou um catatau
de 1 280 páginas com o título de Um Novo Tipo de Ciência. O postulado
central é que, pensando em termos de programas de computador, enigmas da
física ou mesmo da biologia (por exemplo, a maneira como órgãos complexos,
como um olho, evoluem nos seres vivos a partir de estruturas sensoriais
primitivas, ao longo de diversas gerações) podem por fim ser respondidos
de forma satisfatória. Não se pode acusar Wolfram de modéstia. Ele
acredita ter realizado "uma das mais importantes descobertas em toda a
história da ciência teórica". A comunidade científica se mostra mais
cética ? o que não impede que o livro seja um sucesso, com 200 000 cópias
vendidas em papel e 500 000 downloads gratuitos pela internet.

Os vinte anos transcorridos entre o primeiro contato de Wolfram com os
autômatos celulares e a publicação de Um Novo Tipo de Ciência não foram
gastos numa torre de marfim. Pelo contrário. Nesse meio-tempo, ele deixou
a universidade e se tornou um empresário. Fez isso desenvolvendo uma
ferramenta que lhe permitiu realizar suas próprias investigações e ainda a
tornou indispensável em universidades e empresas do mundo todo. Trata-se
do software Mathematica, que contém uma enorme coleção de funções
matemáticas e realiza em segundos qualquer tipo de cálculo (além de conter
dados sobre química, genética, astronomia, partículas subatômicas, entre
outras disciplinas). Quem comenta a eficácia da ferramenta é o físico
americano Steven Weinberg, Nobel em 1979, autor de clássicos como Os Três
Primeiros Minutos, sobre o início do universo, e Sonhos de uma Teoria
Final, acerca da busca de uma teoria que unifique as forças do cosmos: "De
tempos em tempos, eu tinha de achar a solução numérica para uma equação
diferencial. Com certo embaraço, recrutava um colega ou um aluno para
fazer isso. Fiquei feliz quando aprendi a usar o Mathematica. Tudo o que
uma pessoa tem a fazer é escrever as equações em um código predefinido,
apertar ?shift?, ?enter? e... pronto. A resposta pula na tela".

Lançado em 1988, o Mathematica está instalado onde quer que cálculos
complexos sejam tarefa cotidiana ? do Laboratório Nacional de Los Alamos
às linhas de montagem da Ford ou aos centros de pesquisa da Petrobras.
Estima-se que os direitos por sua utilização garantam à empresa de
Wolfram, a Wolfram Research, um faturamento de cerca de 25 milhões de
dólares por ano. "Muitas pessoas decidem abrir uma empresa para financiar
a própria pesquisa. A maioria não conclui tal passo. Stephen não apenas
criou um empreendimento de sucesso como consegue dirigi-lo e fazer
pesquisa básica de primeira qualidade. É uma prova de que ele é fora de
série em muitos sentidos", diz Gregory Chaitin, matemático da IBM que
conhece Wolfram há trinta anos.

O Mathematica está no coração do Wolfram Alpha. No momento, é dele que
provém a maior parte das informações do site. É ele ainda o responsável
pela apresentação de gráficos e tabelas. Na empresa de Wolfram, contudo,
um time de mais de 150 especialistas vem trabalhando dia e noite para
ampliar o banco de dados do site. Eles são "curadores", ou seja, têm como
tarefa não apenas compilar novas informações, mas certificar-se de sua
exatidão e procedência. Hoje, quando alguém tecla, por exemplo, a palavra
"colesterol" no espaço de buscas do Wolfram Alpha, recebe em resposta uma
página com sua fórmula química, uma imagem tridimensional de sua molécula
e mais uma dezena de itens, como sua densidade e ponto de evaporação. Em
breve, deverá encontrar também estatísticas dos serviços médicos
americanos sobre doenças relacionadas ao colesterol elevado. O primeiro
tipo de informação já estava no Mathematica. O segundo está sendo coletado
de fontes que, depois, garantam atualização automática.

Uma das críticas imediatamente feitas ao Wolfram Alpha é que ele parece
destinado a satisfazer a curiosidade de pessoas interessadas por ciências
exatas e biológicas, mas não a de quem quer respostas sobre história,
política, literatura ou cultura pop. Wolfram, porém, diz que os descrentes
se surpreenderão. Casado e pai de quatro filhos, ele tem dois hobbies
conhecidos: colecionar conchas ? e trabalhar. "Trabalho todo o tempo, à
exceção dos momentos em que estou com minha família. Eu me divirto com o
que faço", diz. "E, quando me dedico a algo que os outros acham impossível
de ser feito, sinto-me mais encorajado a seguir em frente. Sou útil ao
mundo dessa maneira." Bem ao seu estilo, Wolfram estabelece metas
grandiosas para o seu site: tornar computável todo o conhecimento
acumulado pela humanidade e oferecer respostas diretas às dúvidas dos
usuários.