[Prévia] [Próxima] [Prévia por assunto] [Próxima por assunto]
[Índice cronológico]
[Índice de assunto]
A irresponsável meritocracia
- Subject: A irresponsável meritocracia
- From: cpereira@ime.usp.br
- Date: Fri, 11 Nov 2011 18:49:03 -0200
Caros redistas:
Lendo o estadão de ontem fiquei muito incomodado, talvez indignado,
com o teor do seguinte artigo. Será que entendi mal ou é mesmo uma
reflexão preconceituosa?
Vejam abaixo
Carlinhos
http://blogs.estadao.com.br/radar-global/12121/
VISÃO GLOBAL: A irresponsável meritocracia
Usando a inteligência para o próprio bem, a elite é responsável por
levar-nos para o abismo nos últimos anos
Por Ross Douthat ? New York Times*
Esta é uma história sobre a promessa da América. Um menino cresce na
zona rural de Illinois, neto de um agricultor que perdeu tudo na
Grande Depressão. Ele frequenta a escola secundária da pequena cidade,
depois cursa a universidade do Estado, onde é honrado com o título de
membro Phi Beta Kappa (sociedade americana que congrega estudantes
universitários que atingiram o mais alto nível nos estudos).
Ele cumpre seu serviço militar, obtém seu MBA e depois vai trabalhar
num dos bancos regionais do Meio Oeste. Numa era diferente, ele talvez
permanecesse ali durante todo o restante de sua carreira. Mas o jovem
teve a sorte de viver nas décadas de 60 e 70, exatamente quando a
elite branca, protestante e anglo-saxã estava se dissipando e as
grandes instituições da Costa Leste abriam suas portas para pessoas
lutadoras de todos os lugares. Assim, nosso menino de uma fazenda de
Illinois prossegue ascendendo na carreira.
Ele muda para New Jersey e vai trabalhar no banco Goldman Sachs.
Progride na carreira e se torna CEO da instituição e muitas vezes
milionário. Entra na política, conquista um mandato no Senado e é
eleito governador de New Jersey. Quando perde a disputa para sua
reeleição como governador, retorna a Wall Street como diretor de uma
empresa de serviços financeiros.
Neste momento você pode ter percebido que estou falando de Jon
Corzine. Neste caso, provavelmente sabe também que esta história
inspiradora teve um final infeliz ? para New Jersey, que se deparou
com um enorme desastre orçamentário quando Corzine deixou o cargo;
para sua empresa de Wall Street, MF Global, que na semana passada
pediu falência depois de perder US$ 600 milhões de clientes; e para o
antigo menino da fazenda de Illinois, que renunciou na sexta-feira
completamente desacreditado.
Mas essa súbita queda não torna a história de vida de Jon Corzine
menos emblemática da nossa era da meritocracia. De fato, sua ascensão,
irresponsabilidade e ruína são uma coisa só. Há décadas os EUA vêm
abrindo caminho no sentido de privilegiar seus jovens mais brilhantes
e determinados, selecionando os melhores e mais brilhantes jovens de
Illinois, Mississippi e Montana e colocando-os em funções de poder em
Manhattan e Washington. Ao promover os filhos de agricultores e
porteiros, como também advogados e corretores de bolsas, criamos o que
parecia ser a elite mais trabalhadora e capaz, com um alto QI de toda
a história da humanidade.
Interesses. Mas nos últimos dez anos o que vimos foi esta mesma elite
nos levar para o abismo ? principalmente por usar sua inteligência
para seu próprio bem. Nas aristocracias hereditárias, as debacles
costumam surgir com a estupidez e a obstinação. Nas meritocracias,
contudo, é a própria inteligência de nossos líderes que cria os piores
desastres. Convencidos de que suas capacidades pessoais conseguem
fazer frente a qualquer tarefa ou desafio, os meritocratas assumem
riscos que as elites menos brilhantes jamais contemplariam.
Inevitavelmente, quanto maior o orgulho, maior o tombo. Robert
McNamara e os meninos gênios da era do Vietnã achavam que conseguiram
reduzir a guerra a uma ciência exata. Alan Greenspan e Robert Rubin
pensavam ter feito o mesmo no tocante à economia global.
Para os arquitetos da Guerra do Iraque, o Exército americano
libertaria o Oriente Médio das ciladas da História; os artífices da
União Europeia acreditavam que uma moeda comum faria o mesmo no caso
da Europa. E para Jon Corzine sua sagacidade o capacitava a
transformar uma corretora de segundo escalão numa próxima Goldman
Sachs, investindo muito, apostando muito e esperando pelas recompensas.
No lugar de meritocratas irresponsáveis, não precisamos de ignorantes
incapazes, mas de líderes inteligentes que conhecem os próprios
limites, pessoas experientes cujas vidas as ensinou o que é a
prudência. Ainda necessitamos dos melhores e mais brilhantes, mas é
preciso que eles, de alguma maneira, tenham aprendido ao longo da vida
a ser mais humildes.
*É COLUNISTA
TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
Carlos Alberto de Braganca Pereira <cpereira@ime.usp.br>