[Prévia] [Próxima] [Prévia por assunto] [Próxima por assunto]
[Índice cronológico]
[Índice de assunto]
indignação
Vejam o artigo do RD no estadão.
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,eu-nao-aceito!--,993679,0.htm
Carlinhos
Eu não aceito!
06 de fevereiro de 2013 | 2h 14
Roberto DaMatta - O Estado de S.Paulo
Quando o hígido Michel Temer vira poeta e Renan Calheiros - acusado
pela Procuradoria Geral da República de peculato, falsidade ideológica
e uso de documento falso - é apossado (com voto secreto - o voto da
covardia) na Presidência do Senado Federal no posto número 3 da
sucessão republicana e entra no papel dando uma aula de ética e com
apoio do PSDB, um lado meu pergunta ao outro se não estaria na hora de
sumir do Brasil.
Se não seria o momento de pegar o meu chapéu e deixar de escrever,
abandonar o ensino das antropologias, desistir do trabalho honesto,
beber fel, tornar-me um descrente, aloprar-me, abandonar a academia
(de ginástica, é claro), deixar-me tomar pela depressão, desistir de
sonhar, aniquilar-me, andar de joelhos, dar um tiro no pé, filiar-me a
uma seita de suicidas, mijar sentado, avagabundar-me, virar puxa-saco,
fazer da mentira a minha voz; e - eis o sentimento mais triste -
deixar de amar, de imaginar, de ambicionar e de acreditar.
Abandonar-me a esse apavorante cinismo profissional que toma conta do
País - esse inimigo da inocência -, porque minha cota de ingenuidade
tem sido destroçada por esses eventos. Eu não posso aceitar viver num
país que legaliza a ilegalidade, tornando-a um valor. Eu não posso
aceitar um conluio de engravatados que vivem como barões à custa do
meu árduo trabalho.
"A ética não é um objetivo em si mesmo. O objetivo em si mesmo é o
Brasil, é o interesse nacional. A ética é obrigação de todos nós e é
dever deste Senado", professa Renan Calheiros, na sua preleção de
po(s)se.
Para ele, a ética, o Brasil, o dever, o interesse e as obrigações são
coisas externas. Algo como a gravata italiana que chega de fora para
dentro e pode ou não ser usada. Façamos uma lei que torne todo mundo
ético e, pronto!, resolvemos o problema da cena política brasileira -
esse teatro de calhordices.
A ética não é a lei. A lei está escrita no bronze ou no papel, mas a
ética está inscrita na consciência ou no coração - quando há
coração... Por isso, ela não precisa de denúncias de jornais, nem de
sermões, nem de demagogia, nem da polícia! A lei precisa da polícia, o
moralismo religioso carece dos santarrões e as normas, de fiscais. A
ética, porém, requer o senso de limites que obriga à mais dura das
coragens: a de dizer não a si mesmo e, no caso deste Brasil impaludado
de lulopetisto, a de negar o favor absurdo ou criminoso à namorada, ao
compadre, ao companheiro, ao irmão, ao amigo.
"O Zé é meu amigo, mexeu com ele, mexeu comigo!", eis a cínica palavra
de ordem de um sistema totalmente aparelhado e dominado pelo poder
feito para enriquecer a quem o usa, sem compostura, o toma lá dá cá
com tonalidades pseudoideológicas, emporcalhando a ideologia.
Quem é que pode acreditar na possibilidade de construir um mundo mais
justo e igualitário no qual a esfera pública, tocada com honestidade,
é um ideal, com tais atores? Justiça social, honestidade, retidão de
propósito são valores que formam parte da minha ideologia; são
desígnios que acredito e quero para o Brasil. Ver essa agenda ser
destruída em nome dos que tentaram comprar apoio político e hoje se
dizem vítimas de um complô fascista, embrulha o meu estômago. Isso
reduz a pó qualquer agenda democrática para o Brasil.
O cínico - responde meu outro lado - precisa (e muito) de polícia; o
ético tem dentro de si o sentido da suficiência moral. Ela ou ele
sabem que em certas situações somente o sujeito pode dizer sim (ou
não!) a si mesmo. Isso eu não faço, isso eu não aceito, nisso eu não
entro. É simples assim. A camaradagem fica fora da ética, cujo centro
é o povo como figura central da democracia.
O que vemos está longe disso. Um eleito condenado pelo STF é empossado
deputado, Maluf - de volta ao proscênio - sorri altaneiro para os
fotógrafos, um outro companheiro com um passado desabonado por
acusações vai ser eleito presidente da Câmara; a presidente age como a
rainha Vitória. E o Direito: o correto e o honesto viram "direita".
Entrementes, a "esquerda" tenta desmoralizar a Justiça porque não
aceita limites nem admite abdicar de sua onipotência. Articula-se
objetivamente, com uma desfaçatez alarmante, uma crise entre poderes
exatamente pela mais absoluta falta de ética, esse espírito de limite
ausente dos donos do poder neste Brasil de conchavos vergonhosos e
inaceitáveis. Você, leitor pode aceitar e até considerar normal. Eu
não aceito!
Carlos Alberto de Braganca Pereira <cpereira@ime.usp.br>