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análise da produção científica brasileira



Produção científica e qualificação das universidades

5/07/2013

Uma análise crítica da produção científica brasileira foi tema de uma mesa-redonda no Encontro de Membros Afiliados da ABC da Região Norte, integrada pelo vice-presidente da ABC para a região Norte Roberto Dall'Agnol(Instituto Tecnológico Vale/UFPA), os Acadêmicos João Batista Corrêa da Silva (UFPA), Pedro Walfir Martins e Souza Filho (Instituto Tecnológico Vale/UFPA), Marcelo Menin (UFAM) e Bruno Duarte Gomes (UFPA), tendo sido relatada pelos dois últimos. 
 
 
O relato de Menin e Gomes começou com conceitos básicos, destacando que o conhecimento gerado pela atividade científica pode surgir de objetivos previamente estabelecidos ou de forma casual. "Esse conhecimento envolve o método científico (observação, descrição, hipótese, previsões, experimentação e resultados), que permite a proposição de novas ideias, descobertas, leis e métodos. Estes são constantemente atualizados, substituídos ou usados como base para novas investigações", diz o relatório. A proposição de ideias, que levarão a formulação de hipóteses para comprová-las ou rejeitá-las, gera um ciclo constante, que deve ser estimulado e mantido em todas as suas fases. Esse ciclo de atividades acontece com o estabelecimento de erros e novas tentativas, bem como em uma intensa reflexão e acúmulo prévio de conhecimento acerca de um dado tema. 
 
A produção de ideias, segundo Menin e Gomes, requer criatividade, tempo para amadurecimento e experimentação. Por isso, as grandes descobertas que advêm da atividade científica são o produto de atividade laboriosa e que demanda tempo. Atualmente, no entanto, há indícios de que o ciclo que gera conhecimento científico de qualidade está comprometido pelo imediatismo e intolerância a erros. Esse comprometimento pode ser observado tanto na pós-graduação quanto na pesquisa em si. 
 
Ciclo de geração de conhecimento está comprometido
 
Na pós-graduação, é importante que o aluno tenha uma boa formação com embasamento teórico sólido para a formulação de questões, além de noções sobre método científico, ética na pesquisa e divulgação dos resultados. De acordo com Menin e Gomes, os palestrantes do Encontro concordaram que a redução no tempo de titulação imposta ao longo das últimas décadas pelos órgãos de fomento tem comprometido a qualidade da pós-graduação e, consequentemente, a qualidade da formação dos alunos que saem dos programas. "Os programas de pós-graduação acabam por adotar estratégias para atender às exigências estabelecidas, como a aglutinação/fusão de programas e a formação deficiente dos alunos", relatam.
 
Na pesquisa, de modo geral, o imediatismo e a necessidade da produção em quantidade induz a publicação de artigos incompletos. "As publicações são feitas como em 'linhas de montagem' com a produção de trabalhos similares pelo mesmo autor ou autores e até mesmo a produção de artigos com uma imensa quantidade de autores", destacaram os relatores. A "produtividade a qualquer custo" leva à proliferação de periódicos de baixa qualidade que atendem a demanda de grandes quantidades de artigos publicados para cumprir prazos, alimentando assim o mercado crescente da editoração de artigos científicos.  
 
De acordo com o relato de Menin e Gomes, as instituições, os alunos e os pesquisadores não obtêm vantagens nesse processo de produção em quantidade, sem levar em consideração a qualidade dos produtos publicados. "Ao contrário, há grandes desvantagens, tanto para as instituições, que criam artifícios numéricos, quanto para a comunidade científica, que sofre com o excesso de tensão, evasão/abandono da pesquisa e a produção de trabalhos incompletos e, por isso, de baixa qualidade em inovação científica", esclarecem os relatores.
 
Intolerância ao erro é contrária aos princípios do método científico
 
O "erro" necessário à pesquisa científica, que leva à formulação de novas ideias e experimentação é admissível e permite rever as hipóteses e experimentos, levando ao aprendizado. A intolerância ao erro pelos órgãos de fomento e a necessidade de se estabelecer de antemão os impactos sociais e econÃ?micos faz com que os projetos tenham que ser formulados de forma a garantir o sucesso de sua realização, assemelhando-se às instituições financeiras. "É isso que muitas vezes leva o pesquisador a pedir financiamentos para projetos que já estão sendo conduzidos", afirmam os relatores.
 
O imediatismo, junto com a intolerância a erros como políticas das agências de fomento, vem levando o país a sofrer com a menor quantidade de ideias de grande valor. A qualidade dos estudos diminui, há baixa criatividade, informações sem mérito científico são publicadas e há de modo geral uma limitação das ideias - que é a mola propulsora do método científico. "É uma política que gera artifícios e expedientes que podem ir contra a manifestação criativa do estudante e do pesquisador", ressaltaram os relatores. 
 
'É preciso deixar os cientistas mais livres em sua criatividade'
 
Considerando o conhecimento como um dos pilares da geração de riqueza e da melhoria da qualidade de vida da sociedade, se percebe que as consequências são ainda muito mais complexas. Assim, uma proposição apresentada pelos palestrantes foi a de mudar a forma de avaliação e a pressão exercida sobre os pesquisadores e pós-graduandos. 
 
É preciso deixar os cientistas mais livres em sua criatividade, sem as excessivas pressões atuais por produção em grandes números. Isso pode contribuir para a qualidade dos resultados e para um retorno eficiente à sociedade em inovação, qualidade de vida e desenvolvimento econÃ?mico, assim como de progresso acerca do conhecimento da natureza. 
 
Produção científica das instituições da AmazÃ?nia
 
Com os dados da base Scopus, os primeiros registros de produção científica na região Norte começaram na década de 60 do século passado. Desde esse período até hoje, os pesquisadores da região Norte publicaram cerca de 14.000 artigos com 9.700 autores. Isso totaliza 1,46 publicações por autor, e 0,63 produtos a cada 1.000 habitantes.
 
Nos últimos 15-20 anos, algumas instituições da região Norte apresentaram grande crescimento, mas a maioria não obteve aumento expressivo. Por outro lado, as instituições do Nordeste cresceram mais e rapidamente no mesmo período. As instituições da região Norte representam, hoje, entre 0,10 e 0,80 % da produção nacional, enquanto as instituições da região Nordeste representam entre 1 e 2%.
 
A Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) são as principais colaboradoras com a produção científica da região Norte. Nos estados, a Universidade Federal do Amazonas (UFAM), a Universidade Federal do Pará (UFPA) e o Instituto Nacional de Pesquisas da AmazÃ?nia (INPA) tem liderança na produção científica, mas não tem liderança regional, já que a colaboração científica se dá muito mais com instituições de outros estados do que entre as próprias instituições amazÃ?nicas.
 
Formação básica interfere no nível da produção científica regional
 
Menin e Gomes relataram que os palestrantes concordam com a necessidade de processos de avaliação dos pesquisadores e dos programas de pós-graduação. Mas destacaram a opinião coletiva de que os critérios utilizados, muitas vezes, não são efetivos e são excludentes. 
 
A deficiência na formação de ensino básico dos alunos que chegam à universidade é uma questão apontada com grave pelos palestrantes. O investimento nesses recursos humanos de que se abastecem as universidades e iniciações científicas deve ser uma prioridade regional, pois se refletirá diretamente na qualidade da graduação e da pós-graduação.
 
Publish or perish!
 
Em Salvador, no encontro dos afiliados da região Nordeste, foi discutida a situação da pesquisa e dos pesquisadores na região e no Brasil de modo geral. A mesa-redonda Jovens Pesquisadores enfatizou as trajetórias pessoais. Nela, os membros afiliadosGisele Olímpio da Rocha (UFBA) e Mirco Solé (UESC), entre outros convidados, expuseram perspectivas mais particulares sobre a construção da carreira científica hoje, em meio às pressões para publicação, competição por financiamentos, percalços com infraestrutura. Foi citação repetida a dificuldade com a tripla exigência que a vida universitária demanda do profissional, que precisa atuar com a mesma eficiência nas áreas de pesquisa, ensino e extensão.
 
A dificuldade de importação para equipamentos e materiais básicos é uma questão recorrente e presente em todos os discursos. A burocracia que envolve a detalhada prestação de contas é outro pesadelo. Essas são, no entanto, questões relativas apenas à pesquisa em si. Depois de realizada a pesquisa, fechadas as contas e elaborado o artigo, há ainda a preocupação com o impacto da publicação, calculado de acordo com o periódico científico no qual o artigo é publicado. A isto pode se somar a exigência quantitativa: o número de publicações necessário para estar em condições de disputar por recursos é altíssimo atualmente. Para alcançá-lo, os cientistas estão trabalhando em parceria que resultam em trabalhos de coautoria. Isto seria ótimo, não fosse o fato de alguns artigos terem dezenas de autores, inclusive em áreas nas quais isso não é habitual. aobre as publicações a expressão corrente é "publicar ou morrer!"
 
O problema hoje não é a falta de recursos, mas a competitividade em sua busca, como foi apontado pelos por Gisele Rocha e Mirco Solé. Eles argumentam que a pressão resultante da competição por recursos e empregos talvez explique - não justificando, evidentemente - o comportamento reprovável de alguns cientistas que quebram o limite da ética e forçam resultados, por exemplo.  Em última instância, com certeza a disputa por recursos através de projetos e relatórios e um excesso de burocracia está reduzindo o tempo dos pesquisadores para o que mais importa: pesquisar. "Os recursos existem, mas a forma de alcançá-los está gerando um ambiente de criatividade e inovação nas universidades e centros de pesquisa? Ou formaremos cientistas-burocratas?", perguntou Gisele Olímpio. Solé também registrou que a infraestrutura das universidades e laboratórios variam do nível mais sofisticado a quase nada, dependendo da região do país. "O jovem pesquisador que a lcança postos de trabalho nas universidades muitas vezes precisa partir do zero e com pouco apoio técnico", afirmou.
 
Pelo investimento na criação de universidades de pesquisa
 
No encontro dos afiliados do Rio de Janeiro, o diretor da ABC Antonio Carlos Campos de Carvalho manifestou-se inteiramente favorável à expansão, não das universidades, mas dos campi. Como discípulo do professor Carlos Chagas, ele acredita que na universidade realmente se ensina porque se pesquisa. "Mas nem toda universidade ou nem todo campus pode ser de pesquisa. Essa não é a realidade do mundo, gente. Nos Estados Unidos não é assim, na Europa não é assim, no Brasil não pode ser assim, certo?" 
 
Carvalho avalia que nossa sociedade não produz riqueza suficiente para que tenhamos 130 novas universidades e em todas se faça pesquisa. E acha que falta planejamento no país. Em seu ponto de vista, é importante concentrar recursos nas universidades que têm potencial para serem de excelência. "O sistema só vai avançar se forem feitas escolhas e priorizadas algumas áreas." Em termos regionais, Carvalho acha que deve ser estimulada a capacitação local nas regiões mais carentes e não priorizado o envio de doutores formados nas regiões Sudeste e Sul.
 
Além de defender a concentração de recursos, Carvalho acha que é necessário também diminuir o número de editais. "Um pesquisador hoje gasta grande parte do seu tempo que poderia ser dedicado à pesquisa escrevendo projetos e relatórios." Ele considera que o melhor seria injetar mais dinheiro em menos editais, com financiamentos de mais longo prazo.
 
O pesquisador manifestou preocupação também com a qualidade da pós-graduação no país. "Eu ousaria dizer que, apesar de nós estarmos formando 12 mil doutores por ano no Brasil, apenas uns dois mil desses doutores têm chance de efetivamente virarem líderes de pesquisa." E ele vê essa situação como decorrência de uma cadeia de problemas. "A qualidade da pós-graduação não é boa porque a graduação é ruim; a graduação é ruim porque o ensino médio é ruim; o ensino médio é ruim porque o ensino fundamental é ruim. Então, de alguma maneira, nós temos que intervir na base senão vamos estar formando daqui a pouco 25 mil doutores por ano e, provavelmente, os mesmos dois mil..."
 
Apoio para a qualificação das universidades particulares 
 
O matemático e Acadêmico Paul Schweitzer é professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Ele é natural de Nova Iorque, fez doutorado e lecionou em Princeton, fez pós-doutorado e também lecionou em Harvard. Em função disso, a instituição particular tem papel importante em sua vida. No Brasil, Schweitzer observa que a maioria das faculdades que existem visam lucro. Ele acredita que para o governo, com recursos limitados, seria mais eficiente dar incentivos institucionais para que essas muitas faculdades particulares procurassem desenvolver boa qualidade, em vez de criar novas universidades federais. "Atualmente, os incentivos nesse sentido são negativos. Impostos pesados e uma série de regras", apontou. "Então, se essa situação mudasse e o governo passasse a dar incentivos positivos para a instituição, seria uma maneira muito mais barata de conseguir ampliar o nú mero de graduandos."
 
Schweitzer perguntou ainda, se é justo que filhos de famílias ricas estudem de graça nas universidades do governo. E respondeu: "Eu acho que não. Deve haver recursos para apoiar financeiramente qualquer aluno que consiga entrar na universidade e que precise desse apoio. Mas aqueles que podem pagar deviam pagar." Ele destaca que no Brasil essa situação é invertida e, por isso mesmo, controvertida. "Os ricos e a classe média alta enviam os filhos para os colégios particulares, então evidentemente eles se saem muito bem nos vestibulares das universidades do governo e estudam de graça; enquanto isso, os pobres, que tiveram um ensino básico deficiente nos colégios públicos, não conseguem estudar de graça, têm que pagar universidades que nem sempre dão uma formação de boa qualidade."
 
O matemático concorda com a grande contribuição da iniciação científica, que considera uma iniciativa excelente promovida no Brasil. Mas destaca que em função do país ter uma situação de limitação de recursos para educação, é extremamente importante usar os recursos da maneira mais eficaz possível. "Enviar os alunos de graduação para o exterior é uma coisa interessante. Mas, na minha lista de prioridades, está bem embaixo, porque temos muitos cursos bons e o valor de estudar no exterior é muito maior quando se dá no nível de pesquisa."
 
Com relação ao sistema de cotas, Schweitzer não se manifestou nem a favor nem contra. "O que eu acho é que o sistema de cotas isolado, sem considerar vários outros aspectos que precisam ser contemplados, poderia ser negativo." Para o Acadêmico, é terrível colocar um jovem em uma situação em que ele não tem preparo para conseguir ser aprovado. Então, é fundamental ter apoio extra em termos de ensino, de recuperação, um sistema de tutoria, assim como uma base financeira. Nesse sentido, ele deu o exemplo da PUC, onde trabalha. Schweitzer relata que foi criado, há alguns anos, um Fundo Emergencial de Solidariedade com os Pobres (FESP), para o qual, inclusive, vários professores contribuem.  Este programa faz com que aproximadamente 5% dos alunos da PUC tenham não só bolsa integral como ainda recebem uma quantia mensal para condução, uma refeição diária e recursos para livros e xerox. "Sem isso, é muito difícil um aluno realmente pobre cursar a univ ersidade."
 

(Elisa Oswaldo-Cruz para Notícias da ABC)