
O uso da WWW: desafios para a universidade
Nicolau Reinhard
A World Wide Web, também conhecida simplesmente como "teia", é fenômeno social único
na assim denominada "revolução informática". Criada inicialmente apenas como um inovador
recurso computacional para armazenagem e recuperação de informações, tornou-se, em poucos anos, o
serviço mais visível da Internet, com usos que ultrapassaram de longe a proposta inicial.
A teia ainda viabilizou uma forma muito econômica de comércio eletrônico e de distribuição
de informações de entretenimento, que popularizaram a Internet e provocaram mudanças
significativas em setores econômicos inteiros como, por exemplo, a produção e distribuição de livros e revistas,
já que muitas livrarias tradicionais foram substituídas pelas livrarias virtuais que vendem pela teia.
Assim, também a estrutura de distribuição de conhecimento das universidades pode ser
questionada, havendo previsões de mudanças significativas na estrutura de todo o sistema. É importante
notar que a simples disponibilidade de tecnologia não provoca essas mudanças, o que seria
determinismo tecnológico, mas a sua adoção em cada setor é uma escolha social dos agentes, de modo que a
velocidade e o alcance das mudanças dependam de situações específicas de cada caso.
A velocidade de criação de novos usos da teia e de negócios baseados nesta tecnologia é muito
maior do que a velocidade com que as empresas e universidades conseguem criar as soluções exigidas.
Isso cria situações muito estimulantes em que as etapas de criação de tecnologia e dos processos de
oferecimento dos serviços e de aprendizagem do uso se superpõem, num ambiente de
experimentação contínua e, por vezes, altamente instável. Criou-se toda uma estrutura de desenvolvimento de
produtos e de tecnologia paralela à informática tradicional, com forte motivação econômica.
Os benefícios do uso dessa tecnologia são elevados e imediatamente perceptíveis pela
comunidade, o que explica, em parte, a grande velocidade de sua adoção. A teia tem evoluído em termos de
servidores de Internet, crescendo a uma taxa de 30% ao ano. Um crescimento exponencial que tem se mantido
ao longo dos últimos anos. As interfaces e outros conceitos da teia foram aceitos com tal intensidade
que se tornaram padrão de fato para uma série de serviços, levando os produtos a se moldarem a ela. É
o caso, por exemplo, das Intranets, redes locais baseadas nestes padrões.
O uso da teia cresce com maior velocidade no segmento comercial, responsável por mais
da metade dos servidores. Com isso a teia tomou rumos bastante diferentes do seu modelo
acadêmico inicial. É importante ressaltar os impactos dessas tecnologias, com uma série de efeitos
colaterais, particularmente relevantes para países em desenvolvimento como o Brasil.
Primeiro, deve-se ter em consideração que o uso intensivo da tecnologia pode, por um lado,
levar a um aumento das desigualdades, acentuando o distanciamento entre os que têm acesso a ela e
os excluídos. Ao lado do provável aumento da eficiência, surge a ameaça do desemprego tecnológico.
Em termos econômicos, a globalização da oferta proporcionada pela rede pode afetar o espaço de
atuação de empresas nacionais. Na área da comunicação, a pulverização de fontes de dados deve acarretar
uma reestruturação desse setor. É possível prever ainda o surgimento de novos fornecedores e novos
canais de distribuição com impactos imprevisíveis sobre os negócios das empresas. As políticas públicas e
as estratégias das organizações devem responder a esses desafios.
É igualmente importante traçar linhas para o desenvolvimento dessa tecnologia e seu uso dentro
e fora das universidades, com a finalidade de identificar oportunidades, problemas e estratégias.
Essas tecnologias terão um impacto muito grande sobre o comércio, bem como sobre as atividades de
geração e distribuição de conhecimento e informação, em particular e especialmente sobre o ambiente
acadêmico e as universidades.
O que se pode observar, por exemplo, em termos de tendências da demanda por ensino superior
e treinamento profissional, é a crescente valorização de produtos mais personalizados, visando
atender necessidades mais específicas dos usuários e clientes. Essa demanda tem como característica,
ainda, a validação de uma abordagem mais
just-in-time ao invés do enfoque
just-in-case, atualmente predominante. A oferta do ensino superior e de treinamento profissional deve estar voltada para
atender novas demandas a todo tempo e em todo lugar.
Será crescente o espaço ocupado pela educação continuada, com a preocupação de que o
aprendizado complemente a prática, numa valorização da concepção do "apreender fazendo". A busca
pela competência, em detrimento ao título, e pela informação em múltiplas fontes completa o perfil
das tendências da demanda por ensino superior e treinamento profissional.
Essas tendências permitem a reflexão quanto à oferta do ensino e dos serviços de treinamento
pela universidade, que revela a defasagem em relação ao perfil da demanda. A tecnologia vai permitir
que o público e o mercado recebam as informações de distintas formas e com novos prestadores de
serviço competindo com a universidade.
Atualmente, as atividades realizadas pela universidade se estendem desde a geração até a
distribuição do conhecimento para os alunos e para a comunidade externa. Existem outras entidades
empenhadas nessa tarefa, como centros de pesquisa e consultoria, empresas de treinamento, sociedades
científicas, órgãos de governo e entidades de classe, mas ainda permanece a proeminência da universidade.
O cenário permite visualizar novos autores agindo nesse contexto e pulverizando esse mercado
(*). Os autores, ou seja, aqueles que produzem conhecimentos ou material institucional, terão um
papel muito mais importante porque poderão distribuir esse conhecimento à revelia das universidades.
Pode-se prever que eles serão aceitos no mercado com bastante facilidade, inclusive em razão da
crescente demanda e da facilidade da distribuição.
Devem surgir empresas integradoras que reconhecerão uma necessidade do mercado e que
irão buscar, nos repositórios de informações e de material institucional, aquilo que atenda essa
demanda. Deverão integrar e distribuir a produção dos autores, concorrendo de maneira direta com as
universidades e com uma velocidade de reação muito maior.
A segmentação fará surgir empresas ou entidades para assumirem as funções de controle
de qualidade desse novo processo de oferta de ensino e treinamento profissional. Elas responderão
por tarefas como avaliação e certificação de alunos e cursos.
Como se adaptar e fazer frente a essas concorrências são questões que devem fomentar o
debate entre os integrantes da comunidade acadêmica, a universidade e a sociedade como um todo.
* Cabe considerar o artigo de M. Hämäläinen, A. B. Whinston e Z. Vishik: "Eletronic Market
for Learning: Education Brokerages on the Internet", in
Comunications of the ACM, vol. 36,
no 6, Nova York, junho/1996.
Nicolau Reinhard é vice-presidente da Comissão Central de Informática da USP e
professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP.
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