(O portal da educação no Brasil) Segunda-feira, 13 de Dezembro de 1999 |
O número de computadores pessoais existentes no Brasil já ultrapassou a
marca dos 8 milhões. As crianças e adolescentes estão se tornando os
principais usuários, trocando o futebol, as bonecas e até o namoro por
horas a fio em frente ao monitor. Quais serão as conseqüências desse
fenômeno? As novas gerações serão beneficiadas ou prejudicadas? Para responder algumas questões relacionadas, Galileu convidou dois
especialistas, com opiniões diametralmente opostas: a psicóloga Ana Maria
Nicolaci-da-Costa, do Departamento de Psicologia da PUC-Rio, autora de Na
Malha da Rede e o matemático Valdemar Waingort Setzer, do Instituto de
Matemática da USP, autor de O Uso de Computadores em Escolas. Ana Maria: É difícil falar de impactos de algum tipo de tecnologia
quando se trata de crianças. Da mesma forma que, para a maior parte dos
adultos, o rádio, o telefone ou a televisão não geraram nenhum impacto,
porque já existiam quando eles nasceram, para as crianças de hoje o
computador é somente uma das máquinas que fazem parte do seu mundo. É
"natural". Valdemar: Desastroso. Ao usar um computador, a
criança é obrigada a assumir atitudes físicas e mentais de adultos, o que
produz prejuízos psicológicos e psíquicos terríveis. Em qualquer uso, o
computador força pensamentos lógico-simbólicos e uma linguagem formal
(mesmo que icônica) que são inadequados a crianças. Em educação não pode
haver queima de etapas, sob risco de desajustes futuros. Ana Maria: Crianças bem pequenas já ficam
fascinadas com a telinha e com o mouse. Muitas das histórias infantis
podem ser encontradas em CD-ROM's. Muitos pais brincam com seus filhos
pequenos fazendo uso do computador. Não creio que exista uma idade ideal
para começar a usá-lo. Há muito que se pode fazer num computador e a
criança vai fazer aquilo que estiver ao seu alcance. Valdemar:
Óbvio, como ocorre com o automóvel. Só que este pode causar um desastre
físico, ao passo que, no caso do computador, o desastre é principalmente
mental. Considerando o tipo de raciocínio forçado pelo computador e a
evolução das crianças, chega-se a determinar que ele não deve ser usado
antes da puberdade e do ensino médio. O tremendo auto-controle que ele
exige (pesquisas recentes indicam que 6% dos usuários de Internet são
viciados nela), levou-me à idade ideal de 16-17 anos. Ana Maria: Não há a menor dúvida. A curiosidade
infantil, aliada à atração que o computador exerce sobre as crianças, pode
proporcionar incursões através de um universo inesgotável de informações.
Se os pais - e a escola também - souberem guiá-la em suas incursões, ela
poderá se beneficiar mais ainda. Acho que a pior coisa que os adultos
podem fazer é tentar coibir esse tipo de curiosidade por conta de sua
própria tecnofobia. Já existem profissionais que ajudam os adultos a lidar
com esse tipo de problema. Valdemar: Se ele der, está tudo
errado. Criança não deve educar-se a si própria, pois não tem maturidade
para isso. Além disso, o computador transmite informação, mas educar-se
não é informar-se. É amadurecer lentamente, é formar-se. A gradual
aquisição de conhecimento é essencial na formação, mas, no ensino básico,
ela deve ser sempre contextual e plena de realidade. O computador é
virtual e descontextualizado. Os programas educacionais são feitos para
alunos abstratos, não para o garoto que está lá, à frente da professora.
Eles não têm a capacidade de improvisação dela, e muito menos sua
intuição. Educar é uma arte. Ana Maria: Depende do que se
entende por processo educacional. Caso se refira à escola, à educação
formal, acho que a Internet ainda está encontrando muita resistência por
parte dos professores. Estes, sim, estão sofrendo um enorme impacto com o
ingresso da Internet em suas atividades profissionais. No mínimo, estão
tendo que abandonar a postura de onisciência e estão tendo que lidar com
alunos que muitas vezes sabem mais do que eles a respeito de computadores,
da Internet, de assuntos gerais ou específicos. A Internet está
subvertendo as hierarquias e há muito o que aprender para poder usá-la
adequadamente. Valdemar: Ficar de fora até que as crianças
tenham maturidade para decidir o que é bom para elas, e possam ter
auto-controle, isto é, aos 16-17 anos. Infelizmente crê-se que as crianças
devem tornar-se críticas o mais cedo possível. Ser crítico é uma
capacidade desejável num adulto e um desastre numa criança, pois, em lugar
de confiança e esperança na vida, leva-a a desenvolver um cinismo e uma
atitude negativa frente ao mundo. O resultado é uma juventude arrogante e
desnorteada. E a Internet só aumenta esses aspectos negativos. Ana
Maria: Eu seria mais radical. Diria que uma criança que nunca usou um
computador estará em grande desvantagem em praticamente todas as
atividades. É por essa razão que tantos estão preocupados em deixar
disponíveis conhecimentos de informática nas comunidades menos
favorecidas. Têm medo de que esteja sendo criada uma nova forma de
analfabetismo. O computador está se tornando cada vez mais indispensável e
a revolução digital é a marca desta virada de século, tal como a revolução
industrial foi a marca da passagem do século 18 para o 19. Não há
retrocesso possível. Valdemar: Essa é uma das maiores falácias
que os vendedores de software e hardware usam. Quando as crianças de hoje
forem adultas, os computadores serão muito diferentes do que são. Será
ainda muito mais fácil aprender a usá-los. As empresas darão o treinamento
rápido, se necessário. Quantos adultos que usam computadores hoje
aprenderam a usá-los quando crianças? As crianças que os usam perdem a
criatividade, adquirem rigidez mental, diminuem a sociabilidade e terão
mais dificuldade para adaptar-se e ser úteis profissionalmente. Publicado na Revista Galileu, No. 101, Dez/99, pg. 40.
Acione aqui para o original publicado na revista eletrônica Achademia.
Qual é o impacto do computador na vida da criança?
Existe uma idade ideal para se começar a utilizar o
computador?
O
computador dá maior liberdade para a criança educar-se a si
própria?
Qual é o papel da Internet
no processo educacional?
A criança que jamais usou um computador está menos
preparada para sua futura atividade profissional?
Obs.: Na
elaboração desse debate, cada participante recebeu as perguntas e elaborou
suas respostas sem conhecer as respostas do outro. Eu não sou matemático,
sou cientista da computação. VWS.