IME-USP

Pesquisador polivalente, matemático costurava colaborações e encantava colegas e alunos

Sérgio Muniz Oliva Filho era diretor do Instituto de Matemática e Estatística e articulador internacional da USP

Gabriel Alves São Paulo

(originalmente publicado em Folha de São Paulo)



A decisão de se tornar um matemático não espantou a família de Sérgio Muniz Oliva Filho graças ao caminho previamente trilhado pelo tio, Waldyr Muniz Oliva, 94, que chegou a ser reitor da USP. Sérgio dizia que a paixão do tio pela disciplina certamente o influenciara.

Sérgio foi contratado como professor do IME ainda no começo do mestrado, em 1987, sendo responsável por aulas para alunos da Escola Politécnica, a Poli-USP, tendo quase a mesma idade dos estudantes.

O doutorado, com sistemas de reação-difusão (que explicam, entre outras coisas, o surgimento de padrões, como as manchas na pele de animais, como na onça-pintada), foi cursado nos EUA, no Instituto de Tecnologia da Georgia, sob orientação de Jack Hale, um amigo de seu tio.

Mesmo com o trabalho duro intrínseco a essa etapa de formação acadêmica, já nessa época mostrava seu interesse por colaborações. Ajudou um engenheiro que investigava por que rotores de helicópteros apresentavam o problema conhecido como “rotating stall”, que fazia a turbina parar de funcionar. O piloto, então, aumentava a potência: a turbina funcionava menos ainda, aquecia e explodia. Como resultado da parceria, surgiu um modelo matemático que ajudava a descrever e explorar o problema. “Não tinha nada a ver com a minha tese, mas foi divertido”, segundo relatou.

Além disso, Sérgio modelou matematicamente a dinâmica de inflamação de feridas diabéticas, estudou a dinâmica de imunização de uma vacina contra a dengue e seu impacto na população, além de propor ajustes na estratégia no uso de mosquitos contaminados com Wolbachia, capazes de reduzir a transmissão da doença.

Também auxiliou a Associação Brasileira de Jurimetria como conselheiro técnico, colaborando para o desenvolvimento e aplicação de métodos quantitativos no direito “Seu vasto conhecimento auxiliou a construção da jurimetria no país”, afirmou a entidade em nota.

Sérgio demonstrava prazer em colaborar, em conhecer e interagir com pessoas. Certa vez disse: “Tem gente que faz pesquisa só pensando no artigo, mesmo sem gostar das pessoas com quem trabalha. Eu não consigo. Gosto de sentar, discutir um problema com alguém e construir algo. Isso é divertido, é o que me atrai, independentemente de ser na matemática ou em outra área. A academia permite essas uniões, que não servem para ganhar dinheiro, mas para produzir algo em conjunto.”

Fora da vida acadêmica, era chefe escoteiro, papel que lhe rendeu até um casamento, de 16 anos, com Mariana Resnik, sua segunda esposa. “Ele sempre soube ouvir e dar o que cada um precisava, fosse palavra, abraço, mão ou silêncio. Era ótimo ouvinte”, ela conta. Entre as atividades favoritas do casal estavam cozinhar, comer com os amigos e fazer caminhadas. Fizeram até o Caminho do Sol, no qual caminhavam mais de 20 km por dia entre as cidades de Santana de Parnaíba e Águas de São Pedro, totalizando 241 km.

“Ele foi um pai incrível, afetuoso, também para os meus filhos. Era um casamento equilibrado, harmonioso, respeitoso, com espaços para cada um com suas questões profissionais, de amizades, de crenças ideológicas. Mas havia um meio de campo aí de troca muito intensa. E fomos assim, incrivelmente felizes. A gente gostava de coisas muito simples, éramos felizes saindo de mão dada para comprar pão.”

Na USP, lembra o amigo Cláudio Possani, muitas realizações tiveram participação direta de Sérgio, como a criação de um bacharelado noturno de matemática aplicada e computacional, a expansão dos ônibus circulares, que atendem a Cidade Universitária da USP (o que envolveu um trabalho acadêmico de estatística) e a coordenação de relações com instituições estrangeiras. Sergio, além de diretor do Instituto de Matemática e Estatística, ocupava a posição de diretor-adjunto de relações internacionais da Agência USP.

“Ele tinha habilidade de conversar, explicar, aparar arestas e evitar conflitos.  Era aquele cara otimista, para quem que você levava uma ideia e ele não só falava ‘poxa, que legal’, mas arregaçava as mangas e fazia acontecer. Era um grande líder e um grande membro de equipe — o que exige qualidades diferentes”, diz Possani.

Sérgio também era conhecido pela capacidade de acolher e de transformar a vida de seus alunos. “Serginho não dava apenas conselhos, ele se importava de verdade. E essa diferença salvou minha vida” lembra Stephanie Blum, ex-orientanda e amiga de Sérgio, que saiu de uma depressão e de um relacionamento abusivo com o auxílio do professor.

“Ele também acompanhava meus desafios no trabalho, os altos e baixos da vida, e tinha sempre uma palavra de força. Foi ele quem escreveu minhas cartas de recomendação para o mestrado e nunca duvidou de que eu seria aceita. Ele celebrou comigo minhas vitórias como se fossem dele”, diz Blum.

Sérgio morreu no último dia 12 de março, aos 59 anos, durante o tratamento de uma leucemia. Institutos da própria USP e de outras instituições, além de entidades como a SBM (Sociedade Brasileira de Matemática) e a SBMAC (Sociedade Brasileira de Matemática Aplicada e Computacional) renderam homenagens a Sergio. Ele deixa a esposa, Mariana, as filhas, Rebeca e Isabel, os enteados, Giovanna, Moreno e Antonio, os irmãos, Victor e Ricardo, e os pais, Sérgio e Tereza, além de inúmeros amigos, alunos, e admiradores nas mais diversas áreas do conhecimento.

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