Um manifesto assinado por mais de 180 cientistas, alunos e professores
de pequenas instituições de ensino e pesquisa do País acusa o Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) de
funcionar como uma "oligarquia", ignorando as necessidades de
pesquisadores fora da "elite" acadêmica das grandes universidades. A
carta foi enviada no início do mês a várias lideranças políticas do
setor em Brasília, incluindo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O
Estado procurou o CNPq durante mais de uma semana para a reportagem,
mas o presidente do conselho, Marco Antônio Zago, não estava disponível
para entrevistas.
No manifesto, os autores pedem uma revisão das
regras para concessão de bolsas e financiamento de projetos - normas
que, segundo eles, não dão chances aos pesquisadores de pequenas
instituições. O CNPq, órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia, é a
principal agência de fomento à ciência e à formação de pesquisadores no
País.
A principal crítica é em relação ao uso do número de
trabalhos publicados como principal (e às vezes único) critério de
avaliação de mérito do cientista. "O que o CNPq faz é uma comparação
quantitativa dos pesquisadores, com base no número de publicações", diz
o matemático e engenheiro de computação Otávio Carpinteiro, da
Universidade Federal de Itajubá (Unifei), em Minas Gerais, que ajudou a
organizar o manifesto. "Ora, para fazer uma comparação quantitativa é
preciso que haja condições iguais. Não dá para comparar um corredor de
pista com alguém que corre na areia."
O documento chama a
atenção para o fato de que as condições de trabalho não são iguais
entre as instituições e que, portanto, os critérios de avaliação
deveriam ser diferenciados. As grandes universidades, por exemplo, já
possuem grupos de pesquisa bem consolidados, apoiados em programas de
mestrado e doutorado com décadas de experiência, o que permite aos
pesquisadores desenvolver projetos e publicar trabalhos com mais
agilidade.
"Nos pequenos centros (...) os pesquisadores não só
não possuem estas condições como ainda têm de dedicar grande parte de
seu tempo à criação destas condições", diz o manifesto. "É, portanto,
incorreto julgar, por um critério igual, pesquisadores que possuem
condições de pesquisa desiguais. Esta prática amplifica as
desigualdades e é injusta, pois não premia necessariamente os melhores
pesquisadores, mas sim os que têm as melhores condições de pesquisa."
Cria-se
um círculo vicioso: o pesquisador de uma pequena instituição tem mais
dificuldade para publicar trabalhos, por isso consegue menos recursos,
o que dificulta ainda mais a publicação de novos trabalhos e assim por
diante. Carpinteiro, que fez pós-graduação na Inglaterra e na Alemanha,
conta que passou nos concursos da Universidade Federal do Rio de
Janeiro e da Unifei, mas preferiu Itajubá por causa da qualidade de
vida e por sentir que seu trabalho era "mais necessário" por lá.
"Muitos amigos disseram que eu era louco, mas não me arrependo", conta.
São
poucos, porém, os que aceitam esse desafio: segundo Carpinteiro, é
difícil atrair professores e recém-doutores para a instituição. "O CNPq
está destruindo a sobrevivência desses pequenos centros", diz.
BOLSASO
manifesto pede também a extinção da Bolsa de Produtividade em Pesquisa,
uma categoria que premia os cientistas que publicam mais trabalhos - e
que é tida como símbolo de "status" na comunidade. "Este critério de
produtividade e a existência da categoria de Bolsista de Produtividade
em Pesquisa, com bolsas concedidas como premiação a poucos,
introduziram no CNPq um regime oligárquico constituído por uma bem
questionável elite", diz o documento. "Como em toda oligarquia, só esta
elite (a minoria) tem opinião, voto e representação nos órgãos de
consulta e julgamento do CNPq. Assim, é natural que as políticas do
CNPq sejam voltadas para o benefício de sua oligarquia e não para o bem
comum."
"Sou contra essa bolsa e abriria mão dela numa boa se
fosse para melhorar a ciência no País", diz a pesquisadora Eliana
Cancello, do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, que também
ajudou a organizar o manifesto. Segundo ela, os conceitos de
produtividade do CNPq ignoram o valor de outras atividades essenciais
da academia, como o ensino, a divulgação e até as funções
administrativas. Isso fica evidente dentro de um museu (mesmo um museu
da USP), onde a curadoria de coleções e a organização de exposições são
atividades cruciais, mas que não resultam em publicações. "Fala-se
muito no tripé das universidades - ensino, pesquisa e extensão -, mas a
única coisa que é valorizada é a publicação", afirma Eliana.