Celso Lafer
"Conhecimento é poder", afirmou Francis Bacon (1561-1626). Esta
afirmação tem um realce próprio no século 21, dada a velocidade com que
a cultura científica e tecnológica amplia os horizontes do
conhecimento, transpõe barreiras antes tidas como naturais e
inalteráveis (como é o caso da clonagem e da pesquisa espacial) e
altera as condições de vida de todos. Uma indicação da aceleração do
conhecimento no plano mundial é o crescimento da produção científica
indexada. Este crescimento foi da ordem de 22,7% entre 2002 e 2006
(832.048 publicações em 2002, 1.020.533 em 2006). O impacto do processo
de aceleração do conhecimento tem alcance planetário no mundo
globalizado em que estamos inseridos.
Por isso a capacitação
científica e tecnológica é uma variável crítica para uma sociedade
poder ter um papel de controle do seu próprio destino e encaminhar
problemas que desafiam a vida nacional - da saúde à agricultura, da
sustentabilidade ambiental à competitividade das empresas. Daí ser a
capacitação ingrediente fundamental na definição de um país no mundo e
do seu potencial de presença no sistema internacional.
Um dos
elementos explicativos da primazia dos EUA no mundo é a sua
participação na produção do conhecimento científico-tecnológico. De
2002 a 2006 ela ficou muito acima dos demais países, tendo sido de
cerca de 31,3%, seguida do Reino Unido (8,7%), Japão (8,1%), Alemanha
(7,8%), China (6,3%) e França (5,6%).
No período 2002-2006 a
contribuição do Brasil para as publicações científicas foi de 1,72%,
das quais 0,88% teve origem no Estado de São Paulo. A relevante
presença paulista na produção do conhecimento no País deve-se à
infraestrutura da geração e transmissão do conhecimento em nosso Estado
- em especial às universidades públicas e aos institutos de pesquisa, o
que, por sua vez, é o resultado do pioneirismo paulista. A Politécnica
foi criada em 1893; a Luiz de Queiroz, em 1901; a Faculdade de Medicina
data de 1913; a USP, de 1934.
O papel do Estado de São Paulo na
produção do conhecimento no Brasil vem sendo, no correr dos anos,
alavancado de maneira pioneira e decisiva pela Fapesp, que tem a sua
origem em documento de 1947 elaborado por pesquisadores da USP e das
instituições de pesquisa paulistas. O documento, respaldado pelos
deputados estaduais constituintes Caio Prado Jr. e Lincoln Feliciano,
levou, na Constituição do Estado de São Paulo de 1947, ao artigo 123,
que previu a criação de uma fundação de amparo à pesquisa, que teria
como renda de sua privativa administração quantia não inferior a 0,5%
do total da sua receita ordinária. A implementação do dispositivo da
Constituição paulista se deu com a Lei 5.918, de 1960, e o Decreto
40.132, de 1962, que instituiu a Fapesp na clarividente gestão do
governador Carvalho Pinto.
A Constituição paulista de 1989
(artigo 271) ampliou para 1% da receita tributária do Estado a renda de
privativa administração da Fapesp, incluindo, no escopo de sua
aplicação, não apenas o desenvolvimento científico, mas também o
tecnológico. O dispositivo da Constituição paulista está em consonância
com a Constituição federal de 1988, que trata, no artigo 218, da
Ciência e Tecnologia, e faculta (§ 5º) aos Estados "vincular parcela da
sua receita orçamentária a entidades públicas de fomento ao ensino e à
pesquisa científica e tecnológica". Para a aprovação deste parágrafo 5º
muito contribuiu o então constituinte José Serra, que se valeu dos
subsídios da Fapesp encaminhados pelo professor Alberto Carvalho da
Silva.
Não há pesquisa, em qualquer campo do conhecimento, sem
pesquisadores qualificados. É por este motivo que a Fapesp tem um
empenho todo especial na formação de recursos humanos em nosso país.
Isto se traduz na concessão de bolsas de formação acadêmica, da
iniciação científica ao pós-doutorado, a pesquisadores ligados a
instituições de ensino superior e pesquisa no Estado de São Paulo -
públicas e privadas, federais, estaduais e municipais. O desembolso com
bolsas em 2008 foi da ordem de R$ 224 milhões e corresponde a 35,11%
dos recursos investidos pela Fapesp.
É missão da Fapesp criar,
com os recursos do contribuinte paulista que lhe cabem, as
oportunidades para que a boa pesquisa, em todas as suas formas,
encontre apoio no Estado de São Paulo. O desembolso total da Fapesp com
pesquisa, em 2008, foi da ordem de R$ 638 milhões. Isto inclui apoio,
em todas as áreas do conhecimento, a projetos de pesquisa básica,
fundamentais para o avanço da fronteira do conhecimento, e pesquisa com
vista à aplicação.
Destaco, entre os muitos projetos apoiados
pela Fapesp, os vinculados aos estudos do genoma humano (tão relevantes
para lidar com as bases moleculares dos distúrbios genéticos humanos);
o Programa Biota, que, voltado para o estudo da biodiversidade
paulista, levou, no ano passado, ao mapa para o zoneamento ambiental do
Estado e ao mapa para o zoneamento da cana-de-açúcar em São Paulo. São
importantes iniciativas da Fapesp de 2008 os Programas de Pesquisa em
Bioenergia (BioEn) e em Mudanças Climáticas Globais.
A
capacitação científico-tecnológica que singulariza São Paulo no
contexto brasileiro muito deve à atuação da Fapesp. A produção do
conhecimento em nosso Estado é a maior da América Latina. Supera a do
Chile, da Argentina e do México. A chave do sucesso da Fapesp - que
como seu presidente me cabe realçar ao término do primeiro ano completo
da minha gestão - está alicerçada nos seguintes fatores: a autonomia; o
repasse regular e pontual de recursos pelo Executivo paulista; a
interação constante e em rede da Fundação com a comunidade acadêmica,
que garante a qualidade do processo decisório desde a origem da
instituição; e, por fim, a limitação legal e estatutária das despesas
com a administração, inclusive salários, em 5% do orçamento.
Celso
Lafer, professor titular da Faculdade de Direito da USP, membro da
Academia Brasileira de Ciências e da Academia Brasileira e Letras, foi
ministro das Relações Exteriores no governo FHC