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João Batista Araujo e Oliveira: um currículo nacional para a educação





João Batista Araujo e Oliveira: um currículo nacional para a educação

A idéia de que o Brasil precisa de um currículo nacional bem definido para suas escolas vem ganhando força, no lugar da antiga noção de que, em nome da liberdade, criatividade e respeito às diferenças, cada um poderia ensinar (e sobretudo não ensinar) o que achasse melhor. Mas, como fazer um bom currículo, que separe o que é essencial do acessório e não caia nos modismos do momento?
 O artigo abaixo de João Batista de Araujo e Oliveira, do Instituto  
Alfa e Beto, mostra o que é necessário para isto, a partir da  
experiência internacional.

Currículo, a Constituição da educação

Pubicado em O Estado de São Paulo, 02 de janeiro de 2012

O Ministério da Educação (MEC) anunciou, com atraso considerável, que vai apresentar sua proposta de currículo. A Constituição de 1988 promoveu avanços notáveis em várias áreas, apesar de inúmeras disfunções criadas. Mas faltou uma visão de futuro mais clara e pragmática. Resta assegurar que, da mesma forma, a iniciativa atual não aumente ainda mais o nosso atraso.
A última decisão nessa área resultou nos desastrados ?parâmetros  
curriculares nacionais?. A maioria das iniciativas do MEC que envolvem  
questões de mérito tem sido sistematicamente cativa de mecanismos e  
critérios corporativistas e de duvidosos consensos forjados em  
espúrios mecanismos de mobilização. Tradicionais aliados do  
ministério, inclusive internamente, têm aversão à ideia de currículo e  
mais ainda de um currículo nacional. Documentos desse tipo, produzidos  
por alguns Estados e municípios em anos recentes, continuam vítimas do  
pedagogismo. Isso é o melhor que temos.
O assunto é sério demais para ser deixado apenas para os educadores e  
especialistas. Nem pode ser apropriado pelo debate eleitoral. O Brasil  
? especialmente suas elites ? precisa estar preparado para discutir  
abertamente a questão. Aqui esboçamos os contornos desse debate.
O que é um currículo? Um documento que diz o que o professor deve  
ensinar, o que o aluno deve aprender e quando isso deve ocorrer. Em  
outras palavras, conteúdo, objetivos (o termo da vez é expectativas de  
aprendizagem), estrutura e sequência. Para que serve um currículo?  
Primeiro, para assegurar direitos: o currículo especifica o que o  
aluno deve aprender. É um instrumento de cidadania fundamental para  
garantir equidade e os direitos das famílias. Segundo, para  
estabelecer padrões, ou seja, os níveis de aprendizagem para cada  
etapa do ensino: atingir esses níveis é o dever, que cabe ao aluno.  
Terceiro, para balizar outros instrumentos da política educativa, como  
avaliações, formação docente e produção de livros didáticos,  
instrumentos essenciais em qualquer sistema escolar. Os currículos,  
sozinhos, não mudam a educação.
Por que ser de âmbito nacional? A experiência dos países mais  
avançados em educação, sejam federativos ou não, indica a importância  
de uma convergência. Depois do advento do Pisa, mesmo países  
extremamente descentralizados, como Suíça, Alemanha ou EUA, têm  
promovido importantes convergências em seus programas de ensino, até  
em caráter de adesão. Num município, um currículo básico permitirá que  
alunos transitem por diferentes escolas sem que se instaure o caos a  
que hoje submetemos nossas crianças e seus professores.
Como saber se um currículo é bom? A condição é que seja claro. Se o  
cidadão médio ler e não entender, não serve. Deve ser parecido com  
edital de concursos: você lê, sabe o que cai no exame e sabe como  
precisa se preparar. O currículo não é exercício parnasiano ou  
malabarismo verbal.
Deve também levar em conta os benchmarks, as experiências dos países  
que, usando currículos robustos, avançaram na educação. É preciso  
cuidado para não confundir os currículos que os países adotam hoje,  
depois de atingido o nível atual, com os currículos que os levaram a  
esse patamar.
A proposta deve ser dinâmica e corresponder às condições gerais de um  
sistema. O currículo não pode ser avaliado isoladamente de outras  
políticas, em especial da condição dos professores. Hoje a Finlândia,  
com os professores que tem, pode ter currículos mais genéricos do que  
há 15 ou 20 anos. A análise dos benchmarks sugere quatro outros  
critérios para avaliar um currículo: foco, consistência, rigor e  
referentes externos.
Um currículo deve ter foco, concentrar-se no primordial e só em  
disciplinas essenciais, cuidando de poucos temas a cada ano,  
sedimentando a base disciplinar e evitando repetições. William  
Schmidt, que esteve recentemente no Brasil, desenvolveu escalas  
comparativas que permitem avaliar o grau de focalização de currículos  
de Matemática e Ciências.
Deve ter consistência, isto é, respeitar a estrutura de cada  
disciplina. Isso se refere tanto aos conceitos essenciais que devem  
permear um currículo quanto à organização do que deve ser ensinado em  
cada etapa ou série. Por exemplo, um currículo de Língua Portuguesa  
considerará as dimensões da leitura, escrita e expressão oral, levando  
em conta o equilíbrio entre a estrutura e as funções da linguagem e  
contemplando o estudo dos componentes da língua (ortografia,  
semântica, sintaxe, pragmática).
Um currículo deve ter rigor, ser organizado numa sequência que evite  
repetições e promova avanços a cada ano letivo. Esses avanços devem  
observar a relação entre disciplinas e a capacidade do aluno de  
estabelecer conexões entre elas. Interdisciplinaridade e contexto não  
são matérias de currículo, são consequência deste.
Um currículo deve ter referentes externos claros. Um currículo de  
pré-escola deve especificar tudo o que a criança precisa para  
enfrentar com sucesso os desafios posteriores do ensino fundamental.  
Isso não significa tornar o pré uma escola antes da escola: currículo  
não é proposta pedagógica.
Já o ensino fundamental deve preparar o indivíduo para operar numa  
sociedade urbana pós-industrial. O Pisa não é um currículo, mas contém  
sinalizações que sugerem o que é necessário para a formação básica do  
cidadão do século 21. É uma boa baliza para o ensino fundamental. Os  
currículos do ensino médio, por sua vez, devem ser diversificados,  
contemplando diferentes opções profissionais e acadêmicas. Pelo menos  
é assim que funciona no resto do mundo que cuida bem da educação e se  
preocupa com o futuro de sua juventude.
Finalmente, o que um currículo não deve ser? Um exercício de virtuose  
verbal, um manual de didática, a advocacia de teorias, métodos e  
técnicas de ensino, uma vingança dos excluídos e muito menos um  
panfleto ideológico ou uma camisa de força. Muito menos deve ser o  
resultado de consensos espúrios.
O currículo definirá se queremos cidadãos voltados para a periferia ou  
o centro, para o particular ou para o universal.