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de caimmy para amado



Caros redistas:
As vezes andamos amargurados sem saber o porque. Mas nossos amigos mais experientes olham a gente e já sabem de tudo. Um deles me presenteou com essa mensagem supimpa.
Foi ótimo saber como somos bobos.
Carlinhos


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Que beleza de sentimentos. Dá para sentir, quase ver os dois passeando, de tão perfeita e cheia de detalhes o contar dessa saudade.
Boa leitura



As obrigações de Caymmi e outras artes



Parecia que só sabia passar o dia deitado na rede, esperando a inspiração chegar, mas a Caymmi faltava mesmo era tempo. Se o tivesse, poderia ter ficado rico de tanto pintar quadro. Coisa fina, de dar inveja a Carybé. Mas não. A verdade é que suas obrigações o consumiam: visitar Dona Menininha, saudar Xangô, conversar com os amigos, andar nas ruas, olhar o mar, não fazer nada. E aí, cadê tempo?
Caymmi transmitiu esse assoberbamento a Jorge Amado, que andava em  
Londres. A carta está numa exposição em homenagem ao centenário do  
escritor, no Museu da Língua Portuguesa. Fiquei muitos minutos parada  
só olhando para ela, lendo, relendo, para tentar entender quando foi  
mesmo que, com essa pressa compulsiva por eficiência, a gente  
desaprendeu a viver.


?Jorge meu irmão, são onze e trinta da manhã e terminei de compor uma linda canção para Yemanjá pois o reflexo do sol desenha seu manto em nosso mar, aqui na Pedra da Sereia. Quantas canções compus para Janaína, nem eu mesmo sei, é minha mãe, dela nasci. Talvez Stela saiba, ela sabe tudo, que mulher, duas iguais não existem, que foi que eu fiz de bom para merecê-la? Ela te manda um beijo, outro para Zélia e eu morro de saudade de vocês. Quando vierem, me tragam um pano africano para eu fazer uma túnica e ficar irresistível.
Ontem saí com Carybé, fomos buscar Camafeu na Rampa do Mercado,  
andamos  por aí trocando pernas, sentindo os cheiros, tantos, um  
perfume de vida ao sol, vendo as cores, só de azuis contamos mais de  
quinze e havia um ocre na parede de  uma casa, nem te digo. Então ao  
voltar, pintei um quadro, tão bonito, irmão, de causar inveja a  
Graciano. De inveja, Carybé quase morreu e Jenner, imagine!, se fartou  
de elogiar, te juro. Um quadro simples: uma baiana, o tabuleiro com  
abarás e acarajés e gente em volta. Se eu tivesse tempo, ia ser  
pintor, ganhava uma fortuna.  O que me falta é tempo para pintar,  
compor vou compondo devagar e sempre, tu sabes como é, música com  
pressa é aquela droga que tem às pampas sobrando por aí. O tempo que  
tenho mal chega para viver: visitar Dona Menininha, saudar Xangô,  
conversar com Mirabeau, me aconselhar com Celestino sobre como  
investir o dinheiro que não tenho e nunca terei, graças a Deus, ouvir  
Carybé mentir, andar nas ruas, olhar o mar, não fazer nada e tantas  
outras obrigações que me ocupam o dia inteiro.  Cadê tempo pra pintar?
Quero te dizer uma coisa que já te disse uma vez, há mais de vinte  
anos quando te deu de viver na Europa e nunca mais voltavas: a Bahia  
está viva, ainda lá, cada dia mais bonita, o firmamento azul, esse mar  
tão verde e o povaréu. Por falar nisso, Stela de Oxóssi é a nova  
iyalorixá do Axé e, na festa da consagração, ikedes e iaôs, todos na  
roça perguntavam onde anda Obá Arolu que não veio ver sua irmã subir  
ao trono de rainha? Pois ontem, às quatro da tarde, um  pouco mais ou  
menos, saí com Carybé e Camafeu a te procurar e não te encontrando,  
indagamos: que faz ele que não está aqui se aqui é seu lugar? A lua de  
Londres,  já dizia um poeta lusitano que li numa antologia de meu  
tempo de menino, é merencória. A daqui é aquela lua. Por que foi ele  
para a Inglaterra? Não é inglês, nem  nada, que faz em Londres? é o  
que ele é, nosso irmãozinho.
Sabes que vendi a casa da Pedra da Sereia? Pois vendi. Fizeram um  
edifício medonho bem em cima dela e anunciaram nos jornais: venha ser  
vizinho de Dorival Caymmi. Então fiquei retado e vendi a casa, comprei  
um apartamento na Pituba, vou ser vizinho de James  e de João Ubaldo,  
daquelas duas ?línguas viperinas, veja que irresponsabilidade a minha.
Mas hoje, antes de me mudar, fiz essa canção para Yemanjá que fala em  
peixe  e em vento, em saveiro e no mestre do saveiro, no mar da Bahia.  
Nunca soube falar de outras coisas. Dessas e de mulher. Dora, Marina,  
Adalgisa, Anália, Rosa morena,  como vais morena Rosa, quantas outras  
e todas, como sabes, são a minha Stela com quem um dia me casei te  
tendo de padrinho. A bênção, meu padrinho, Oxóssi te proteja nessas  
inglaterras, um beijo para Zélia, não esqueçam de trazer meu pano  
africano, volte logo, tua casa é aqui e eu sou teu irmão Caymmi?.
Tatiana Mendonça escreve às sextas


Carlos Alberto de Braganca Pereira <cpereira@ime.usp.br>