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Mundo Digital Software Barato não. É gratis mesmo Alguns dos melhores programas de computador do mundo não custam nada e começam a ser cada vez mais usados em empresas Por Helio Gurovitz De graça, até injeção na testa e ônibus errado. Por que não software? Considere o caso do Apache, o servidor de Web mais usado no planeta, que hoje envia para os navegadores as páginas de 44% dos sites da Internet. O Apache foi desenvolvido em cima de programas do Centro Nacional para Aplicações em Supercomputadores (NCSA) da Universidade de Illinois, em Urbana-Champaign, o antigo lar de Marc Andreesen. Quando An-dreesen saiu de lá para fundar a Netcaspe, levou junto o autor do servidor do NCSA. O programa ficou abandonado. Um grupo internacional de especialistas, que ficou conhecido como grupo Apache, começou a elaborar remendos (patches) e consertar problemas do software. Em 1995, tudo foi posto de graça na Internet. Nascia o servidor Apache (trocadilho em inglês com “a patchy server”, ou “servidor remendado”). Apesar do nome despretensioso, a qualidade do software é indiscutível. O Apache foi escolhido pela IBM para transmitir on-line as partidas de xadrez entre Garry Kasparov e o computador Deep Blue. É usado por empresas como Digital, UUNet, Reebok, CBS e Yahoo! (um dos mais populares sites de busca da Internet). Somados, servidores gratuitos como o Apache e o NCSA original dominam mais da metade dos sites da Web. No Brasil, chegam a estar em 62% deles, segundo os dados mais recentes da pesquisa periódica realizada pela em-presa britânica Netcraft. Programas equivalentes da Microsoft têm apenas 16% do mercado global. Os da Netscape, 12%. Qual o segredo do triunfo do Apache sobre essas corporações? Por incrível que pareça, não é apenas o fato de esse tipo de software estar disponível de graça na Internet (eles podem também ser comprados em CDs ou disquetes, a preços bem in-feriores aos dos softwares convencionais). A diferença crucial é que eles vêm acompanhados do código original, ou código-fonte. Fonte é o programa que pode ser entendido e modificado por seres humanos. Para funcionar, o fonte precisa ser traduzido para a linguagem da máquina. Programas costumam ser vendidos apenas na versão que a máquina entende. Ou seja: podem funcionar, mas não podem ser modificados em sua essência. O Apache, não. Por vir com o fonte, é muito mais maleável. “Sentimo-nos absolutamente seguros com o software pelo domínio que temos dos fon-tes”, diz Marcelo Lacerda, diretor da Nutec, empresa que provê acesso à Internet a 46 000 as-sinantes em 33 cidades do Brasil e implanta intranets. A Nutec comprou o código-fonte do servidor NCSA por 10 000 dólares ainda em 1994, antes que ele fosse transformado em Apache e posto de graça na rede para uso comercial. Incorporou alterações ao programa e hoje usa um Apache sabor Nutec. Apenas em duas das 33 cidades a Nutec não usa esse servidor. “Temos clientes corporativos rodando programas que executam tarefas críticas com ele”, afir-ma Lacerda. O Apache é um representante típico da nova geração de programas que atingiram a maioridade com a Internet e começam aos poucos a invadir o mundo corporativo. São os cha-mados softwares livres. Além de gratuitos, eles são distribuídos com duas vantagens sobre os softwares convencionais: 1) todos os códigos-fontes; e 2) uma licença autorizando que o pro-grama seja copiado livremente, e os fontes, alterados e redistribuídos à vontade. Sim. É isso mesmo. Nenhuma preocupação com piratas ou propriedade intelectual. A idéia, à primeira vista insana, de abrir mão da cobrança de direitos autorais pelo software foi lançada em 1985 por Richard Stallman, uma espécie de ciberguru e pai de todos os hackers. Nos anos 70, Stallman era um menino prodígio com computadores no laboratório de inteligên-cia artificial do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Depois ganhou a bolsa concedi-da a gênios pela Fundação McArthur e, na década de 80, criou a Free Software Foundation. Mas como as empresas sobreviveriam fazendo software livre? Segundo Stallman, ven-dendo tudo o que não é software: manutenção, suporte, livros, manuais ou CDs com as distribuições. Surgiram nos Estados Unidos algumas empresas especializadas em desenvolver e dar suporte a software livre. A Cygnus, da Califórnia, costuma ser citada como exemplo clássico. Fundada em 1989, ela cresce 65% ao ano há cinco anos e tem sido lucrativa todo ano. Tem escritórios no Japão e na Europa e clientes como Toshiba, Hitachi, Cisco, Sega e Ericsson. Em 1993, foi escolhida pela revista Fortune como uma das empresas mais quentes dos Estados Unidos. O que parecia um delírio acadêmico que só poderia ganhar adeptos no ambiente experimental do Vale do Silício começou a prosperar com a explosão da Internet. A rede mundial tirou as rédeas do software livre das mãos de Stallman. Em 1991, o jovem finlandês Linus Torvalds, então um aluno da Universidade de Helsinque com pouco mais de 20 anos, começou a enviar para grupos de discussão mensagens sobre um sistema baseado no Unix, cri-ado pela AT&T, que ele desenvolvia como hobby e distribuía livremente. O resultado foi, nas palavras do colunista da PC Week Bill Machrone, um fenômeno inédito na história da compu-tação. Com o auxílio de colaboradores espalhados pelo mundo, surgiu um sólido sistema para PCs: o Linux. Para desespero do guru Stallman, o que deu impulso ao Linux não foram ideais de li-berdade, mas fatores puramente econômicos. O sistema começou ser aprimorado por centenas de programadores se comunicando via Internet. Como o código-fonte era conhecido, as versões ficavam cada vez mais estáveis e confiáveis. O erro que um não via, outro podia enxergar. E ninguém perdia tempo trabalhando sobre as mesmas alterações no software. Quem ganhava com isso era o usuário. Linus Torvalds sempre centralizava o lançamento de novas versões, para evitar anarquia. CRESCIMENTO — Em 1994, foi lançada a primeira versão completa e estável do Li-nux, pronta para ser ligada à Internet. Torvalds tinha desenvolvido menos da metade dela. No final daquele ano, o Linux já tinha 500 000 usuários, a maioria em instituições de pesquisa. No fim de 1995, eram 1,5 milhão. Começou, então, a implementação do Linux em outros tipos de computador, além do PC. A Apple levou apenas dois meses para lançar uma versão funcionan-do no PowerMac, uma vez que os códigos-fontes eram todos abertos. Hoje já há versões que rodam em estações Digital, Sun e Amiga, todas absolutamente compatíveis entre si. No início de 1997, o número de máquinas rodando Linux passava de 4 milhões. Se o ritmo de crescimen-to for mantido, em dois anos o Linux pode ser mais comum que o Macintosh, da Apple. Detalhe: a Apple levou mais de 10 anos para atingir a base de usuários que o Linux pode con-quistar em cinco. Mas, se ninguém ganhou dinheiro fazendo o Linux — tudo o que Torvalds recebeu fo-ram algumas doações —, o que toda essa história fantástica tem a ver com o mundo dos negócios? Tudo. Por dois motivos. Primeiro, porque os softwares livres estão entre os melhores e mais confiáveis progra-mas do mundo. Tanto o Apache quanto a versão 2.0 do Linux foram premiados no ano passado pela revista Byte. A InfoWorld também escolheu uma versão do Linux como o melhor sistema operacional. “É um sistema muito, muito bom. Hoje, tem 90% das características das versões comerciais de Unix. Mas não tenho dúvida de que ele vai ter 100% no futuro”, diz Jon Hall, pesquisador da Digital e diretor executivo da Linux International. Devido à qualidade e ao custo praticamente zero, softwares livres já começaram a ser usados por empresas: • O Universo Online, joint venture do grupo Abril com o grupo Folha para a Internet, usa sistemas diferentes para não ficar preso a um único fornecedor. Inclusive Linux e Apache. “Usamos o Linux numa aplicação que não existe no sistema da Sun”, diz Daniel Amaral, diretor de tecnologia do UOL. • O provedor de acesso à Internet Esquadro, do Rio de Janeiro, com 450 usuários, tem todos os seus sistemas funcionando à base de software livre. Os investimentos em hardware e linhas de comunicação foram de 35 000 dólares. Se a empresa fosse pagar pelo software, gas-taria mais 12 000. • A tecelagem Filobel, de Santa Catarina, optou por softwares livres para integrar seus bancos de dados com a Internet. • A fábrica de plásticos Akros, também de Santa Catarina, optou pelo Linux para montar sua intranet. “Eles foram atraídos pelo preço, mas acabaram impressionados com a qualidade”, afirma José Carlos Benfati, sócio da ZZP Serviços de Informática, empresa funda-da há três meses para dar suporte a softwares livres. • A filial do banco de investimentos Merryll Lynch em São Paulo ficou cerca de 15 dias atrás de um software comercial que oferecesse aos usuários de Windows a possibilidade de acessar sistemas que rodavam em Unix. A opção final foi o Samba, um software livre. • O correio dos Estados Unidos escolheu o Linux para elaborar um sistema de reco-nhecimento de caracteres que roda em 4 000 máquinas. “Se eles tivessem de gastar 500 dólares de software em cada máquina, só as licenças sairiam 2 milhões”, diz Jon Hall. Mas isso não é tudo. O segundo motivo pelo qual o software livre interessa ao mundo dos negócios é o mer-cado criado em torno do Linux. O software é distribuído de graça na Internet, mas há empresas que se especializaram em vender versões mais envenenadas, com discos, manuais e programas extras. Um exemplo é a Caldera, empresa fundada em Utah por Ray Noorda, ex-presidente da Novell. Além de oferecer implementação e suporte ao Linux, a empresa vende aplicativos como editor de texto, planilha e um programa com o qual o Linux pode executar softwares feitos para Windows. Outro exemplo é a Red Hat, que desenvolveu o melhor sistema de instalação para Linux. “Com o Red Hat, é mais fácil instalar Linux que Windows 95”, diz Fre-derico Neves, da consultoria Excon, de São Paulo. MANUTENÇÃO — Mas ainda há um porém: não existe um sistema disseminado de suporte a software livre. Só agora começam a surgir no Brasil empresas do ramo. “Se o computador fica parado, ninguém se compromete a colocá-lo em funcionamento”, diz Luís Ba-nhara, gerente de marketing da Microsoft do Brasil. Se os softwares livres fossem carros, fal-tariam mecânicos no mercado para dar conta de toda a manutenção. Com atenuantes. A principal é a própria Internet: encontrado qualquer problema num software popular como Li-nux ou Apache, correções costumam ser colocadas na rede em questão de horas. Respostas para problemas simples podem ser obtidas em minutos nos grupos de discussão. “É reconfor-tante saber que, se você tem um problema, haverá milhares de pessoas com o mesmo problema e alguém pode resolvê-lo para você”, diz Rasmus Lerdorf, do grupo Apache. Mesmo assim, é preciso ter dentro da empresa alguém capaz de fazer as correções e manter os computadores funcionando. A mera existência do Apache levou Bill Gates a distribuir de graça seu servidor de Web junto com o sistema Windows NT. Mas vários softwares livres estão sendo lançados para NT, como o próprio Apache. A abundância de softwares livres ou apenas de programas gratuitos parece ser sintoma de uma nova transformação que a indústria de informática deve atravessar. No início, as máquinas eram caras, e a IBM fez fortuna. Depois, o computador tornou-se uma commodity, e o software passou a ser o produto de maior valor agregado. Foi a vez de Bill Gates ganhar muito dinheiro. O que parece estar acontecendo é o barateamento cada vez maior dos programas. Os produtos mais valorizados passarão a ser os serviços. Será que isso é uma ameaça concreta ao império de Bill Gates? A resposta, por enquanto, é um não enfático. “Aprendemos muito quando tivemos que correr atrás da Netscape na Internet”, diz Banhara, da Microsoft. Mas a existência do Linux pode vir a alterar a estratégia da empresa de Redmond. Segundo a Red Hat, 56% dos com-pradores da sua distribuição de Linux nunca haviam usado Unix antes. É esse o mercado que a Microsoft está disputando com seu sistema Windows NT. Até o momento, com bastante sucesso. Embora o Unix ainda domine mais de 75% do mercado, as vendas de NT cresceram 242% em um ano, segundo a Dataquest. “A próxima versão do NT será muito mais adaptada aos usuários de Unix”, diz Banhara. A Microsoft já provou que não descarta distribuir software de graça quando se trata de conquistar mercado, mas ainda coloca fora de questão liberar os códigos-fontes de seus programas. Isso equivaleria, grosso modo, à abertura dos portos. A empresa perderia o quase monopólio que detém sobre os softwares que comandam os PCs. Mas veja o que diz Jon Hall: “Se a Microsoft liberasse o código do NT, a demanda pelo Linux desapareceria. Aí poderia surgir um Linus Torvalds do NT”. Torvalds, por sinal, mudou-se no início do ano da Finlândia para o Vale do Silício, onde trabalha num misterioso projeto numa empresa chamada Transmeta. Um nome a guardar. Copyright 1997 EXAME - Editora Abril - Todos os direitos reservados
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