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Re: Homem-máquina
- Subject: Re: Homem-máquina
- From: David Machado <dmsf@linux.ime.usp.br>
- Date: Tue, 11 Sep 2001 22:54:38 -0300
Em Qui 06 Set 2001 01:32, você escreveu:
> <html><div style='background-color:'><DIV>
> <P><BR>Olá :-)</P>
> <P>Esse assunto é muito interessante, pois entraríamos inevitavelmente no
> problema da consciência - mas não no sentido de consciência moral. </P>
> <P>Acho que no fim, esse sempre será o ponto diferencial entre máquina e
> homem: o fenômeno - ainda inexplicado da consciência. Não há uma definição
> que esgote esse termo. Na psicologia ele tem um sentido, que é diferente na
> neurociência, que é diferente na neurolingüística, que é totalmente
> diferente no sentido moral.</P>
Me parece que, nesta discussão, não está muito claro em que sentido está
sendo usada a palavra "consciência". Por isto vou tentar definir qual o
significado que estou atribuindo à esta palavra, antes de comentar sobre
ela.
Pois bem, pelas mensagens enviadas parece que se está falando de
consciência como a "sensação de existência" de uma criatura. Vejam bem que
ela não é uma condição necessária para a sobrevivência: um animal poderia
perfeitamente viver e reagir a estímulos do ambiente sem precisar "saber" que
ele próprio existe. Uma ameba tem consiência? Não posso afirmar com certeza,
mas eu chutaria que não. Pelo menos não no sentido dado acima, uma vez que
ela nem mesmo tem um sistema nervoso para poder "sentir" sua própria
existência. Ela apenas reage cegamente a estímulos químicos e/ou mecânicos do
ambiente em volta dela. Vista desta forma, não parece estranha a idéia de uma
máquina ser capaz de "emular" muito bem o comportamento de uma ameba.
Vamos agora acompanhar a escala evolutiva: esponjas têm consciência?
medusas e anêmonas do mar têm? e os peixes? anfíbios e répteis
"sabem" que existem? todas as aves e mamíferos têm consiência também? Notem
que é muito difícil fazer qualquer afirmação, pois não estamos "na pele"
dessas criaturas para saber se elas pensam e se, ao pensar, elas desenvolvem
consciência.
<P>Mas acho que a aproximação
> hardware/corpo e software/máquina serve a um propósito ideológico um tanto
> espúrio. Essa redução positivista pode tanto ser depreciativa do caráter
> digamos "poético", como a Evelyn quis ressaltar, quanto do caráter mais
> social, como disse o Paulo. Será difícil realmente separar as diferenças,
> porque embora a máquina dificilmente venha conseguir a imitar uma
> consciência humana, para todos os efeitos práticos pode ser que ela venha a
> exibir um "comportamento" tão parecido que diferença será não só
> imperceptível como até <U>irrelevante</U>.
Aqui é que vem o ponto que quero discutir! Fala-se da consciência como se
ela fosse algo imutável, que existe o tempo todo durante a vida de um ser
humano. Mas talvez ela seja apenas uma sensação, da mesma forma que a
sensação de frio, fome, raiva, simpatia, etc... Esta impressão de que
podemos observar o funcionamento de nosso organismo como se tivéssemos uma
existencia independente dele talvez não passe exatamente disto: uma
impressão!
Para raciocinar sobre fatos e objetos que observamos à nossa volta, nosso
cérebro normalmente cria representações mentais destes objetos para poder
manipulá-los. Por exemplo, ao observarmos um cão correndo atrás de um gato,
vários modelos mentais são criados e relacionados internamente: a idéia de
"cão", a idéia que representa "gato", a idéia da ação "correr" associando as
idéias "cão" e "gato", etc. Tratam-se de representações que o cérebro
necessariamente precisa criar para compreender os fatos que ele observa,
captados pelos órgãos dos sentidos.
Algumas vezes, para compreender determinados fatos, o cérebro precisa
criar uma representação do próprio organismo no qual ele funciona. Seria
esta representação mental aquilo que estamos chamando de "consciência"? Se
for este o caso, de forma alguma podemos considerá-la única, constante e
imutável durante toda a vida de uma pessoa: sempre que precisasse, seria
criada uma representação nova. Poderia, isto sim, se basear em lembranças
para reconstruir a nova representação do "eu" mais rapidamente, e raciocinar
fatos novos sobre esta representação.
Pela linha de raciocínio acima, a consciência deixa de ser uma "coisa" que
existe o tempo todo e passa a ser apenas uma consequência do funcionamento
do sistema nervoso. Então o que somos nós? O que faz eu saber que sou eu e
não você? (xiii, esta frase ficou bem no estilo Patropi... :-D ) Bom,
diria que o que caracteriza unicamente cada pessoa são suas memórias, nada
mais.
Se fosse possível copiar integralmente as memórias de alguém para algum
outro suporte (uma máquina, ou até outro organismo mesmo) e se fosse
adicionada alguma forma eficiente de processá-las (raciocinar sobre estas
memórias), me parece correto afirmar que este alguém foi copiado para algum
outro suporte, e que é capaz de continuar "existindo" nele. Não seria
necessário copiar também a "consciência" de uma pessoa para a máquina ou
para o novo organismo: a consciência surgiria ao se raciocinar sobre as
memórias da pessoa. De certa forma, isto ocorreria espontaneamente mesmo!
Comentei uma vez com um amigo que não seria necessário programar uma
máquina para pensar, a fim de que ela pudesse imitar o comportamento de um
ser humano. Deveríamos fazer exatamente o contrário: no dia em que
conseguirmos programar uma máquina para imitar com exatidão o comportamento
de um ser-humano, ela já estaria pensando. Só precisaríamos nos preocupar
com a relação da máquina com o mundo externo, pois o "pensamento" da máquina
surgiria espontaneamente quando ela fosse capaz de imitar um ser humano de
forma convicente. :-) Quem sabe neste exato momento ela se tornaria
"consciente" de sua existência...
Talvez a consciência sejam apenas momentos de estabilidade que surgem, vez
ou outra, dentro do caos que é o sistema complexo adaptativo formado pelos
nossos neurônios... :-)
> Moralmente isso tudo seria um
> grande problema.</P> <P>Sobre a questão da consciência, há um bom autor,
> John R. Searle, nome importante num campo da filosofia muito presente nas
> discussões de filosofia atuais, a Filosofia da Mente.</P> <P>Alguns de seus
> trabalhos mais importantes são "Speech Acts", "Intencionalidade" e "Mente,
> Linguagem e Sociedade". E podemos talvez dar "mais corda" nos aspectos
> morais da discussão da comparação entre homem e máquina, a que propósito
> ideológico tal comparação serve, se essa comparação é mais que uma mera
> figura de linguagem, se ela já é uma mentalidade corrente que opera de modo
> excludente.</P> <P>Fica aíi a deixa pra mais discussão :-)</P>
> <P>[ ]'s</P>
> <P>Vinicius</P></DIV>
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