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Atendendo ao pedido do professor, coloco no fim deste mail um artigo do
Contardo Calligaris, q tem uma visão diferente da minha sobre o assunto do
meu mail q faço reply aqui, q foi enviado no dia 13/09/2001 às 21:30. Embora
acredite q ele tenha atirado no alvo errado, ele tem muito mais autoridade q
eu pra falar do assunto. Passo o artigo pra vcs por alívio de consciência.

Mas antes gostaria de dizer q tb acredito q estejamos caminhando em direção
à 3ª Guerra Mundial e tenho de dizer q a opção de guerra é apenas um
paliativo. Como um tratamento à base de antibióticos, surgirão seres
resistentes e ainda piores. A guerra deveria ser contra as causas do ódio e
não a aquele q odeiam. Se o cara não tem motivo pra se matar (miséria x
fartura), não se explode com o WTC como fez.

Ainda sobre artigos, fiz o upload do excelente artigo do Gore Vidal q saiu
hoje na folha na cibersoc.

[]s, Michel

----- Original Message -----
From: "Michel Vale Ferreira" <michelvf@uol.com.br>



> Vou mais além ainda q o Coelho: Tendo em vista isso, só posso concluir q
nós
> (cultura ocidental), por dentro, somos muito mais parecidos com os
> fundamentalistas islâmicos do q gostaríamos q fôssemos. Nós temos uma
visão
> maniqueísta das coisas, especialmente os americanos, onde somos do bem e
> eles do mal, porém os árabes tb têm essa mesma visão trocando-se os papéis
> do mocinho e do bandido. Olhamos para o árabe fundamentalista e vemos um
> reflexo sujo e podre de nós mesmos. Essa nossa revolta toda em relação à
> comemoração deles é uma tentativa de exorcizar esse lado primata q todos
> ainda temos dentro de nós, ocidentais e arábes (humanos) e cabe a todos
nós
> aceitar as diferenças entre culturas se quisermos viver sobre o mesmo chão
e
> não isolados cada um no seu canto por pura inabilidade de convivência
> pacífica.

___


PATRIOTISMO

Há complacência com o terror no sentimento de que os cidadãos do país
mereciam punição

A face oculta do antiamericanismo
Os terroristas podiam apostar que, em vários lugares do mundo -e não só
entre seus companheiros de loucura-, seriam esboçados pequenos sorrisos

CONTARDO CALLIGARIS
COLUNISTA DA FOLHA

Qual era a expectativa dos terroristas que, na terça-feira passada, surgiram
no céu americano e nas telas de TV do mundo inteiro? Qual poderia ser o alvo
da operação? Certo, queriam destruir. Mas a morte e a demolição eram apenas
um meio. O ganho que eles procuravam era simbólico: o ataque aconteceu no
território americano (na capital e em Nova York, a cidade-vitrine do
Ocidente) e contra edifícios que fazem parte do imaginário mundial: as
torres gêmeas e o Pentágono. O show era para quem?
Para produzir o júbilo de seus adeptos, não precisava de tanto. Agora, se o
público alvo eram os próprios americanos (na esperança de enfraquecê-los), o
fracasso foi total. Duvido que os terroristas tivessem a ingenuidade de
pensar que seu gesto encontraria os favores de alguma oposição interna
americana ou que a tragédia semearia a discórdia. Mas, caso contassem com
isso, a decepção deve ter sido completa. O ataque parece ter aplainado as
arestas da sociedade americana.
Os dois grandes partidos -Democrata e Republicano - entraram em regime de
cooperação bipartidária. O Partido Libertário, em seu comunicado de 12 de
setembro, execra o ataque terrorista, encoraja solidariedade, doações de
sangue e de dinheiro para as vítimas e para a reconstrução.
As pessoas próximas do movimento das milícias, com todo seu ódio pelo
governo federal, são inevitavelmente nacionalistas e patriotas. Que
simpatizantes desse movimento, como Timothy McVeigh e Terry Nichols, tenham
sido capazes do atentado de Oklahoma City não implica nenhuma cumplicidade
possível com o ataque de terça-feira.
As milícias têm devoção pela defesa do território - quer seja a nação ou o
terreno ao redor de casa, ambos são santuários.
No site The Patriot, há uma sondagem sobre a questão: os EUA devem ou não
responder militarmente à agressão? As respostas positivas superam de longe a
média nacional.
As margens do leque político dos EUA são quase todas manifestações de um
individualismo radical inspirado pelos valores fundamentais da Revolução e
da Constituição americanas. É difícil imaginar posições mais antinômicas a
um fundamentalismo tradicionalista.
Os terroristas islâmicos poderiam esperar ter mais chances com seus supostos
correligionários. É concebível que a Nação do Islã, uma margem extrema,
muçulmana e anti-semita do movimento negro, visse no fundamentalismo
islâmico um aliado internacional. Aliás, a escolha do Islã como catalisador
de uma organização negra foi, desde o começo, uma provocação ao
"establishment" ocidental e americano.
Mas os dias de Malcolm X e da conversão de Cassius Clay em Mohammed Ali
passaram há tempo: o movimento está em forte regressão. De qualquer forma, a
aliança com o fundamentalismo islâmico no exterior, se é que existiu, não
tem como se manter quando o país é agredido.
Louis Farrakhan, chefe atual da Nação do Islã, anunciou um pronunciamento
sobre o ataque ao país para o dia 16 de setembro, na mesquita Maryam, em
Chicago, convidando "todos os cidadãos de Chicago, seja qual for sua raça,
sua fé ou sua cor". O caráter excepcionalmente aberto desse convite
manifesta a adesão ao clima de união nacional. Já está dito que a declaração
será sobre "a horrenda agressão contra os Estados Unidos da América".
Enfim, mais importante: a escolha do World Trade Center como alvo
transformou esse centro financeiro num lugar de sofrimento. A figura
impessoal (e eventualmente pouco simpática) do homem de negócios é
substituída hoje pela humanidade dos corpos desmembrados.
De repente, está colmatada a fratura, que certamente divide a América
contemporânea, entre Wall Street e o "heartland", o coração da terra -o país
dos americanos médios, trabalhadores rurais e manuais. "O bombeiro salvando
os homens de Wall Street" poderia ser uma capa de Norman Rockwell que,
descrevendo o heroísmo do resgate em curso, simbolizaria o reencontro
solidário de americanos que talvez estivessem afastados indevidamente. Isso,
sob a bandeira comum: nos últimos três dias a venda de bandeiras nos EUA
explodiu. Na frente das casas dos subúrbios, assim como nas janelas dos
apartamentos urbanos, os americanos desdobram bandeiras. É uma maneira de
dizer a confiança na persistência do país.
Há outros efeitos paradoxais da destruição -certamente não desejados pelos
terroristas. Considere-se, por exemplo, a geração atual de adolescentes
americanos, para quem o Vietnã é um filme de Kubrick, a Guerra do Golfo é um
videogame e o mundo é tutelado pelo letreiro dos índices Dow Jones e Nasdaq,
ao som repetitivo da música tecno. Esses jovens são acusados de serem
gananciosos e sem ideais. Na terça-feira passada, eles foram acordados
brutalmente: terão de inventar uma maneira nova de dar sentido a suas vidas,
uma maneira em que escolher valores é relevante.
Algo parecido acontece com os adultos. Na internet, num bate-papo de
psicólogos sobre o ataque, alguém sugere: "É ótimo que as vítimas e suas
familiares disponham de aconselhamento. Mas não devemos facilitar o luto de
todos. Não devemos querer rapidamente voltar ao bem-estar. Devemos nos
lembrar". Todos concordam. Fazia tempo que, numa discussão americana, não
encontrava-se um consenso contra a exigência imediata de bem-estar.
Nesse quadro, é estranho ouvir ou ler comentários sobre uma suposta nova
fragilidade dos americanos que não se veriam mais como invencíveis. Claro, o
território foi violado, mas, longe de sentirem-se diminuídos ou humilhados
por isso, os americanos parecem sentir-se enfim justificados. O ataque
autoriza uma adesão ao interesse e aos valores nacionais sem reservas e sem
pudores.
Surge uma nova boa consciência americana, que aparece, por exemplo, na
intolerância declarada para com o antiamericanismo. Os americanos não são
mais masoquistas. O presidente Bush assinalou esse estado de espírito ao
anunciar que os pêsames não serão suficientes: daqui por diante quem não
está com a América, está contra ela. Lance Morrow, num artigo na Time.com,
escreveu: "Quem não odeia os que fizeram essas coisas e as pessoas que os
incitam e festejam é filosófico demais para ser uma companhia decente". A
palavra "filosófico" é uma clara alusão à moda antiamericana que se tornou
quase marca obrigatória de (pretensa) inteligência crítica.
Não é difícil entender a razão dessa mudança de tom. Voltemos a perguntar
quem é o público alvo do show de horror montado pelos terroristas. Não são
os adeptos e não são os americanos. Mas os assassinos suicidas podiam
apostar que, em vários lugares do mundo -e não só entre seus companheiros de
loucura-, seriam esboçados pequenos sorrisos mal escondidos, no estilo: "Que
pena, mas estavam pedindo, não é?"
É razoável pensar que o público estrategicamente mais importante para os
terroristas sejam todos aqueles que, embora lamentando a perda das vidas, se
felicitariam de ver atingidos os símbolos da potência americana. Nestes
dias, circulam na internet listas dos "malfeitos" dos EUA, como para lembrar
boas razões para ser antiamericano. Também circulam listas de tributo aos
EUA, lembrando os empréstimos e as doações de dinheiro, sangue e energia que
os EUA fizeram pelo mundo.
Estava comparando as listas, quando me ocorreu que, em grande parte, o
antiamericanismo ocidental talvez seja fruto de uma divisão que está dentro
de nós.
Foi assim. Uma amiga americana me telefonou aos prantos no dia 13. Ela
acabava de conversar com uma amiga comum brasileira, a qual, preocupada,
ligara para ter notícias. A amiga americana percebeu que, atrás dos pêsames,
havia uma espécie de complacência moralizante com o terror, tipo: chegou a
justa punição do materialismo sem coração. A amiga americana, embora capaz
de crítica de seu próprio país, desta vez não aguentou: "Materialismo de
quem?", indignou-se. "Cada vez que você vem para Nova York, usa a cidade
como um shopping center ou um parque de diversões. E na hora de chorar por
Nova York, me faz a moral?" A amiga americana tinha razão. Ela descobria (e
me fazia descobrir) assim um mecanismo crucial do antiamericanismo ocidental
banal.
Os EUA nos aparecem como o sonho realizado da modernidade; graças a isso,
podemos lhes atribuir todas as caraterísticas de nossa cultura.
Naturalmente, atribuímos aos EUA as caraterísticas que menos gostamos de
reconhecer em nós mesmos. Assim, por exemplo, não sei se os americanos são
mais consumistas do que nós. Provavelmente não. Mas os EUA são designados
por nós como pátria do consumismo. Eles são sem dúvida a pátria de nosso
consumismo. Graças a esse artifício, podemos frequentá-los dando livre curso
a nossos desejos de consumir sem considerar que esses desejos sejam nossos.
Ao contrário, pretendemos que seja um mal da cultura americana.
Quando algo em nossa cultura nos envergonha, uma boa saída consiste em
"descobrir" que esse algo é especificamente americano. O antiamericanismo,
em suma, alivia nossas culpas. Melhor, suprime-as, pois elas, de repente,
são sempre só americanas. Explica-se assim um mistério sociológico. Na
última década, os EUA tornaram-se o objeto da maior vontade migratória e da
maior adesão cultural da história da modernidade. A adoção de traços do
estilo de vida americano constitui quase uma tentativa de migração por
mimetismo. Como é possível que eles sejam, ao mesmo tempo, o objeto de
sentimentos suficientemente hostis para que, nas circunstâncias de hoje,
apareça, no canto dos lábios de alguns, o ricto de um "bem feito"?
Não seria mal se conseguíssemos interpretar e resolver o antiamericanismo.
Isso permitiria que enxergássemos os EUA como um país real e não como um
lugar de nossa psique. Também, num momento em que um conflito entre culturas
ameaça o novo século, seria útil que pudéssemos encarar o que somos -parando
de atribuir ao Tio Sam o que menos gostamos em nós mesmos.