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Para conhecer a Amazônia
Nilson Moulin
No que concerne à Amazônia, também no âmbito editorial temos sido bastante predatórios:
em geral, oscilamos entre abordagens superficiais, colagem de lugares-comuns, textos
espetaculares-catastrofistas e coffee table
books tão apreciados pelos decoradores.
O mais recente livro do professor Aziz Ab'Sáber,
Amazônia: do Discurso à
Práxis, constitui uma espécie de divisor de águas. Aqui se resgata um patrimônio precioso e pouco divulgado, à
semelhança do que já fizera a Biblioteca Nacional, em 1992, ao publicar
Amazônia Redescoberta no Século
XVIII, de Alexandre Rodrigues Ferreira.
Excetuando-se o lento e irregular trabalho de nosso decano neste domínio, o Museu
Paraense Emílio Goeldi, as contribuições recentes do INPA/Manaus e do nosso caçula, o Instituto
Socioambiental/SP, e ainda raras outras iniciativas, a bibliografia brasileira sobre a Amazônia apresenta lacunas
que conduzem estudiosos e diletantes ao desespero. Contudo, nos últimos anos, a editoria universitária
tem produzido obras que nos permitem vislumbrar tempos melhores.
Até agora, o predomínio de publicações no campo da antropologia cultural (sem negar toda a
sua imensa importância!) tem contribuído para deixar em segundo plano uma série de temas que vão
da eco-história até as nossas tentativas espasmódicas de pôr em prática a
Agenda 21.
Em 1989, a tradução do livro de Warren Dean,
A Luta pela Borracha no Brasil: um Estudo de História
Ecológica (Nobel), registrou uma clivagem na bibliografia
De Amazoniae. Ali, vários anos de pesquisa
in loco e em diferentes arquivos desembocaram nessa importante releitura de uma
história mal contada por nós próprios. E em seu
magnífico legado, A Ferro e Fogo: a História e a
Devastação da Mata Atlântica
Brasileira (Companhia das Letras, 1996), o mesmo autor reiterou as
ameaças ciclópicas que continuam a pesar sobre a Amazônia.
Por tudo isso, é tão bem-vinda a publicação deste
Amazônia: do Discurso à
Práxis. Para sorte nossa, não obstante tenha um sólido embasamento em geo-hidromorfologia, Aziz Ab'Sáber não fala
apenas geo-hidromorfologuês: ademais de suas notórias qualidades enquanto pesquisador e docente, o
autor se revela também um hábil narrador.
O livro, de caráter antológico, documenta intervenções efetuadas ao longo de meio século
de trabalhos. Um aspecto notável do conjunto selecionado é a cabal demonstração de que
posições políticas bem definidas não interferem na lucidez com que o pesquisador disseca temas
polêmicos. Sofisticadamente multidisciplinar, é constituído pelos seguintes capítulos:
"Zoneamento Ecológico e Econômico da Amazônia", "Problemas Geomorfológicos da Amazônia Brasileira", "Paleoclima
e Paleogeografia da Amazônia Brasileira", "Geomorfologia do Corredor Carajás-São Luís",
"Impactos Ambientais na Faixa Carajás-São Luís", "Gênese de uma Nova Região Siderúrgica",
"Amazônia: Proteção Ecológica e Desenvolvimento com o Máximo da Floresta-em-pé", "Carauari:
Vicissitudes de uma Comunidade Beiradeira no Médio Juruá", "A Cidade de Manaus", "Documentos de Crítica
e Contestação", "Da Serra Pelada à Serra dos Carajás" e "O Petróleo na
Amazônia". Sem desmerecer nenhum dos ensaios, destacaria como emblemáticos o primeiro, o décimo e o último ensaios
que adquirem novas dimensões nestes tempos de
modernização conservadora capitaneada pelo
governo federal.
Este elenco temático já enuncia por si só a amplitude da obra e o decidido empenho para
tentar alguma sistematização num âmbito tão complexo e pleno de contradições de toda ordem. O que
daí emerge, como dado provocador e gratificante da leitura, talvez seja seu mérito maior: além dos
habituais diagnósticos e críticas encontrados em textos similares, há uma série de proposições que
apontam para ulteriores estudos mas principalmente para intervenções concretas, sugerindo até mesmo a
superação de certos impasses de nossas retóricas políticas públicas. Após a leitura, ouso imaginar que
num futuro próximo poderemos realmente atualizar o desafio contido no título, passando enfim a uma
práxis não-deletéria. E quem sabe consigamos mobilizar todas as forças necessárias para construir
uma Política Ambiental Brasileira de modo efetivamente democrático.
Hoje, neste período sombrio de concessões para explorar madeira em Florestas Nacionais (Flonas),sem que os órgãos públicos tenham a capacidade requerida para uma fiscalização eficiente e
sistemática, faz-se imperiosa a publicação de outras obras como esta sólida edição da
Edusp. Os parcos fragmentos disseminados pela mídia nacional e a autoclausura dos especialistas não permitem
um posicionamento seguro sobre, por exemplo, o acesso de empresas de rapina multinacionais à
Floresta Nacional de Bom Futuro (RO), à Flona de Caxiaunã (PA), à Flona de Jamari (RO), à Flona de
Tapajós (PA), à Flona de Tefé (AM)
Por fim, retomemos o questionamento inicial sobre a bibliografia
made in Brazil. Considerando o número e a qualidade das indicações feitas pelo professor Aziz (pp. 297-319), poderíamos
relativizar a afirmação que abre esta resenha? Em termos quantitativos sim, porém, se analisarmos a listagem
mais detidamente, havemos de constatar que boa parte dela é constituída por artigos ainda pouco
acessíveis aos não-especialistas ou detentores do "mapa da mina". Se já temos textos como o da Editora
Pini, sobre as habitações da vila dos mineiros na Serra do Navio, faltam-nos reflexões sobre as
favelas rurais do tipo Laranjal do Jari (Amapá) e o acelerado processo de urbanização da
Amazônia. Onde estão os registros da geógrafa Regina Sader
sobre as lutas pela posse da terra na região do "Bico do
Papagaio"? Carecemos de obras que aprofundem vários outros temas aflorados, por exemplo, no filme
No Rio das Amazonas (1995) de Ricardo Dias e Paulo Vanzolini.
Necessitamos
urgentemente de análises sobre o projeto de desenvolvimento sustentável do
atual governo do Amapá, experiência pioneira no Brasil.
Necessitamos
urgentemente de algumas antologias contendo textos importantes e pouco
divulgados como A Botânica e a Política Imperial: Introdução e Adaptação de Plantas no Brasil Colonial
e Imperial (IEA/USP, 1992, Documentos), de W. Dean, para melhor discutir a problemática atual da
Amazônia à luz de um processo histórico que nos é, em última instância, pouco familiar.
Outro brasilianista, Philip Fearnside, este já aclimatado ao INPA de Manaus, escreveu para poucos
eleitos: A Hidrelétrica de Balbina: o Faraonismo Irreversível Versus o Meio Ambiente na
Amazônia (Iamá, 1990). E tantos artigos de pesquisadores brasileiros, de inúmeras áreas que abarcamos entre as
Ciências Ambientais, publicados
por Ciência Hoje/SBPC na
última década, mereceriam sair da
"clandestinidade editorial" em que se encontram. Que tal mais uma bela co-edição Edusp/Studio
Nobel, na linha de Grafismo Indígena: Estudos de Antropologia
Estética (org. Lux Vidal), desta vez com
temas socioambientais? Da urgência de múltiplos zoneamentos ecológico-econômicos sem
pressões eleitoreiras, passando pelas cooperativas extrativistas até as especificidades da urbanização
dos amazônidas, temos excesso de matéria-prima, só falta agregar valor editorial
NILSON MOULIN é ensaísta e tradutor.
Amazônia: do Discurso à
Práxis, de Aziz Ab'Sáber, São Paulo, Edusp, 1996.
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