MAC 337/5900 - Computação Musical
Aula 2 - 9/8/7
Singularidade da Música
- Senso comum identifica materialidade e realidade com visão e tato
- É real, eu vivi, eu até toquei!
- Mas a música é invísivel e impalpável
- Portanto a maioria das culturas associam-na à espiritualidade, à metafísica, à filosofia.
- Toda sociedade tem seus mitos primordiais de criação do mundo e na maioria deles o som ou a música está presente em destaque
- Para o hinduísmo, uma religião intrinsicamente musical, baseada em cantos (mantras), o mundo foi criado a partir da ressonância da sílaba OUM (o sopro sagrado de Atman).
- Nas sociedades pré-capitalistas orientais (chinesa, japonesa, indiana, árabe, judaica, balinesa), ocidentais (música grega antiga, canto gregoriano, as músicas dos povos da Europa) e nos povos indígenas da Áfricca, América e Oceania, a música era vivida e praticada como experiência do sagrado.
- Não se conhece uma única sociedade humana que não tenha feito música
- O instrumento musical mais antigo aque se tem notícia é uma flauta de osso de 15 mil anos atrás
- Mas, ao contrário das outras artes onde o figurativo/representacional/verbal sempre predominou, a música sempre foi eminentemente abstrata, não representacional. A música, em geral, não imita a natureza.
Introdução à Música (ref. Wisnik)
- Para fazer música, as culturas selecionaram alguns sons entre outros, alguns foram jogados fora outros foram escolhidos.
- Análogo ao arco-íris: quantas cores tem o arco-íris?
- As culturas escolheram alturas, timbres, ritmos.
- A escolha das alturas foi fundamentada intuitivamente na Série Harmônica.
- As notas da série harmônica derivam, por exemplo, da
relação entre a vibração fundamental de uma
corda (ou coluna de ar, ou haste metálica, etc.) e seus
harmônicos.

- Por exemplo, a série harmônica da nota Dó, é a seguinte:
- fundamental - Dó - fundamental
- 1o harmônico - Dó - (oitava acima, resulta da
multiplicação da freqüência por 2, ou da
divisão da corda na metade)
- 2o harmônico - Sol - (quinta acima, resulta da
multiplicação da freqüência da nota anterior
por 3/2, ou da divisão da corda correspondente a 2/3 dela)
- 3o harmônico - Dó - (quarta acima, multiplicação por 4/3, divisão de 3/4 da corda
- 4o harmônico - Mi - (terça maior acima, 5/4, 4/5)
- 5o harmônico - Sol - (terça menor acima, 6/5, 5/6)
- Os gregos estudaram estas propriedades (matemáticas) do som usando um instrumento chamado Monocórdio
- O chineses estudaram o mesmo com cordas e bambus (que usavam para fazer flautas
- Os balineses estudaram isso com matéria percutida (marimbas, gongos, sinos, etc.)
- No Ocidente, Pitágoras foi o primeiro que formalizou estas relações em termos matemáticos
Intervalos
- 2a menor = 1 semitom
- 2a maior = 1 tom
- 3a menor = 1 1/2 tom
- 3a maior = 2 tons
- 4a justa = 2 1/2 tons
- 4a aumentada ou 5a diminuta = 3 tons
- 5a justa = 3 tons e 1/2
- 6a menor = 4 tons
- 6a maior = 4 1/2 tons
- 7a menor = 5 tons
- 7a maior = 5 1/2 tons
- 8a = 6 tons
Intervalos tem caráter
- Podemos tratar um paralelo entre as relações entre
alturas (exploradas na música européia) com as
relações rítmicas (exploradas na música
africana)
- oitava (1 contra 2)
- quinta (2 contra 3)
- quartas (3 contra 4)
- A oitava é um intervalo sem grande valor
dinâmico-afetivo. Várias culturas chamam notas com
intervalos de oitava pelo mesmo nome. Esse intervalo oferece uma
moldura para as escalas (início e fim).
- A quinta é um elemento engendrador de movimento e de
diferença. Série de quintas sucessivas levam a novos
lugares.
- A quarta é o inverso da quinta e as duas juntas formam a
oitava. As quintas e quartas são o caminho mais fácil
para trocas harmônicas.
- As terças (maiores e menores) incluem (segundo uma certa
visão semântica) cores afetivas e sentimentais
(alegre/triste, luminosa/sombria).
- Os demais intervalos são numericamente mais complexos,
mais difíceis para a percepção e a
afinação.
- As sétimas, por exemplo, possuem pulsos com uma defasagem
muito grande e portanto funcionam como importantes fatores
tensionadores.
- O trítono (quinta diminuta) é baseado numa
relação numérica 32/45. Divide a oitava ao meio,
é sua própria inversão e projeto uma forte
instabilidade. Foi proibido pela Igreja na música medieval, era
conhecido como diabolus in musica.
- A segunda menor é estratégico: baseado numa
relação 15/16 está perto dos menores intervalos
diferenciáveis. Como é produto de 2 sons muito
próximos soa como um erro a ser corrigido. Por isso obtém
o papel de sensível (desliza meio tom e atinge o repouso.
- Com isso, temos uma grande quantidade de relações
com caráters próprios entre as notas que foram explorados
por algumas culturas.
- O passeio das notas pelo campo das alturas não é
neutro, eles criam movimentos, repousos, conflitos,
resoluções, suspensões.
- Estes mesmos tipos de relações e caráteres
ocorrem com o ritmo (que, como vimos na aula passada "é o mesmo"
que as alturas)
A Música Modal e a Composição das Escalas
- Dentre as infinitas freqüências possíveis, as
culturas selecionaram um conjunto de notas que chamamos de "escalas" ou
"modos" ou "gamas".
- Diferentes culturas selecionaram diferentes escalas
- Algumas culturas como os indianos e árabes possuem dezenas de escalas com centenas de variações.
- Ouvindo uma escala e passeios por suas notas, reconhecemos freqüentemente um território, uma paisagem sonora
- exemplo no piano: nordestina, japonesa, chinesa, napolitana, blues americano, etc.
- Muitas culturas (na China, Indonésia, África e América) adotaram escalas pentatônicas
- muitas vezes geradas através de 5as sucessivas encadeadas (fá-sol-la-dó-ré)
- Já os gregos, o Cantochão e a tradição ocidental se baseou na escala diatônica (de 7 notas)
- a diatônica é gerada continuando-se o ciclo de 5as com mais duas notas, e isso gera problemas
- o mi causa um encavalamento de meio tom com o fá e o si com o dó
- a escala diatônica preenche as lacunas da pentatônica mas de uma forma irregular gerando semitons
- o trítono (diabulus in musica)
- passar da pentatônica para a heptatônica gera uma série de problemas que muitas culturas preferiram evitar
- Figuras da página 84 do Wisnik
- Cada escala é chamada de um modo, e contém um certo caráter.
- Note que dado um determinado modo, ele pode começar em
qualquer nota, o que interessa é a relação
intervalar entre a nota fundamental da escala e as demais.
- Os gregos associavam os modos aos territórios e povos da Grécia Antiga.
- Dórico, sonoro e ético (mi a mi) <note a diferença entre o dórico do canto gregoriano)
- Frígio, dionisíaco (ré a ré)
- Lídio, (fá a fá)
- Mixolídio (sol a sol)
- Os compositores escolhiam o seu ethos
(caráter dado pelo modo), a nota fundamental e criavam em cima
disso. Toda a composição ou a maior parte dela se dava em
um único modo. Mudanças de fundamental e de modo em uma
mesma peça modal são raras.
- exemplo musical: suposta música grega: Orestes: Stasimon chorus
- O Cantochão (século IV aproximadamente) derivou da
música litúrgica judaica e dos cantos pagãos e se
consolidou no início do 1o milênio como a música da
liturgia cristã.
- O Canto Gregoriano, um dos tipos de Cantochão passou
a ser a música oficial da Igreja e o único tipo de
música permitida nos rituais cristãos.
- Possui regras rígidas e passou a incorporar mais modos e
tornou as composições mais elaboradas e
sofisticadas.
- Modos gregorianos:
- dórico (ré a ré)
- frígio (mi a mi)
- lídio (fá a fá)
- mixolídio (sol a sol)
- hipodórico (lá a lá) (fundamental em ré?)
- hipofrígio (si a si) (fundamental em mi?)
- hipolídio (dó a dó) (fundamental em fá?)
- hipomixolídio (ré a ré) (fundamental em sol?)
- O canto gregoriano é monofônico (toda a igreja canta em uníssono).
- exemplo musical: canto gregoriano - missa para o dia de Natal.
- Observação: compositores modernos, da virada do
século XIX para o XX, criaram novos modos "artificialmente".
Messiaen fazia exercícios combinatórios para fabricar
modos e compor peças. Debussy criou a escala de tons inteiros,
onde não há repouso, não há início
nem fim, não há semitons e há vários
trítonos. Tem-se a sensação de se estar caminhando
no deserto, sem um centro.
Árabes e Indianos
- As músicas árabes (p.ex. Iraniana) e indianas, não se baseiam em escalas tão simples assim.
- Durante décadas os musicólogos ocidentais
não conseguiam decifrar o que se passava em algumas
tradições musicais do Irã.
- Um ouvido ocidental esperando uma melodia diatônica
acompanhada por uma harmonia, ficava completamente perdido diante dos
conjuntos ritmo-timbrísticos e das escalas intrincadas e
com nuances mínimas de alturam da música árabe.
- Após muita pesquisa, os últimos estudos
identificaram um sistema escalar com 24 divisões desiguais
dentro da oitava. O único intervalo "ocidental" identificado
é a 4a.
- trecho musical: faixa 2 de O Som e o Sint: Uma voz: canto do povo de um lugar
- A música indiana é fortemente baseada na improvisação.
- Utilizam-se 72 escalas diferentes.
- A improvisação se dá em cima de uma "raga", um composto melódico que de um certo caráter.
- Ao começar a tocar os músicos procuram um ponto de
afinação em torno da família de ragas escolhidas,
associadas ao período do dia e à estação do
ano em que se está.
- Ao contrário da música ocidental de hoje,
não existe muito o conceito de peça musical de
início, meio e fim e x minutos de duração.
- Um concerto (evento, reunião, prática) de música indiana demora horas, às vezes MUITAS horas.
- exemplo musical: música indiana: Sandhya Raga e
Omkaaraaya Namaha de Ravi Shankar e Ragas in minor scale de Shankar e
Phillip Glass. Se sobrar tempo: Meetings along the Edge de Shankar e Glass.
Polifonia
- Voltando ao ocidente e ao Canto Gregoriano...
- Uníssono não funciona num coro heterogêneo.
Os homens baixo cantavam oitava abaixo. As mulheres e crianças,
oitava acima. Outros (p.ex. barítonos) quarta acima ou quinta
acima, etc.
- Aos poucos foi-se criando a polifonia: várias linhas
melódicas, separadas por oitavas, 4as e 5as, todas sempre
paralelas.
- Compositores passaram então a explorar a
independência das vozes, não mais cada pessoa precisava
cantar algo exatamente igual às demais.
- Tornou-se comum escrever peças para 4 vozes com linhas
melódicas independentes (baixo, tenor, alto, soprano). Mas
seguindo um conjunto relativamente fixo e rígido de normal: as
regras do contraponto.