Dicas para Brasileiros Sobre Escrita de Artigos de Ciência da Computação na Língua de Mark Twain

Pessoas cuja língua mãe é uma língua latina, e em especial brasileiros, cometem muitas vezes alguns erros recorrentes quando escrevem textos técnicos em inglês. O objetivo desta página é minimizar esses erros nos textos dos meus orientandos mas todos os leitores estão convidados a enviar sugestões.

A minha ênfase aqui será a escrita de artigos técnicos de Ciência da Computação utilizando o inglês americano, que é o padrão na comunidade internacional de Ciência da Computação. Não quero entrar aqui na discussão se o inglês americano deveria ou não ser o padrão (os britânicos não gostam nem um pouco disso), meu objetivo é fazer com que os artigos que o nosso grupo submete para conferências internacionais tenha a menor resistência possível por causa do estilo do inglês. Dicas:

  1. Voz passiva. Ao contrário das línguas latinas onde o uso da voz passiva é muito bem vindo e considerado elegante, o uso da voz passiva em textos técnicos em inglês americano é altamente não recomendável. Editores de revistas da IEEE, por exemplo, fazem questão que todos os artigos publicados em suas revistas nunca utilizem a voz passiva.

    Assim, não escreva "The file is saved", escreva "The system saves the file". Não escreva "The component is loaded by the virtual machine", escreva "The virtual machine loads the component".

    Em particular, não tenha medo de usar a primeira pessoa do plural, como por exemplo em "We developed a novel model". Isso é muito melhor do que "A novel model was developed". Infelizmente, ainda há, em alguns contextos, uma ideia errada de que não se deve usar a primeira pessoa em artigos científicos (isso era uma ideia comum até a década de 1960, quando se dizia que a ciência deveria ser impessoal, mas que foi derrubada com o trabalho do filósofo Thomas Khun que mostrou que ciência nunca é, na verdade, impessoal). Portanto, sempre é melhor escrever na forma direta (sem voz passiva) que é menos ambigua e mais fácil de ser entendida pelo leitor.

  2. Línguas latinas tendem a utilizar frases longas. Em inglês técnico deve-se usar frases curtas. Em geral, uma frase de 3 ou 4 linhas é considerada uma aberração.

  3. Em se tratando de títulos de artigos, um erro comum é escrever algo como "Resource Management in Distributed Environment". Na verdade, esse é mais um erro de pessoas cuja primeira língua é o japonês ou chinês. O correto seria "Resource Management in Distributed Environments" se o trabalho é sobre qualquer tipo de ambiente distribuído, ou então "Resource Management in a Distributed Environment" se o trabalho é sobre um ambiente distribuído específico.

  4. Ainda nos títulos dos artigos, todas as iniciais devem vir em maiúsculas. A exceção são os artigos e preposições que devem vir com iniciais minúsculas (a partir da segunda palavra do título).

  5. Uso da vírgula em enumerações. A língua inglesa tem uma coisa excelente que infelizmente não temos em português: a opção de colocarmos uma vírgula antes do "and" em uma enumeração. Essa vírgula pode evitar ambiguidades em alguns casos e, portanto, recomenda-se que ela seja sempre utilizada quando a enumeração tem três ou mais elementos.

    Assim, escreva "I like chocolate, waffles, and onions". Meus alunos: por favor, não esqueçam dessa última vírgula!

  6. Você deve também colocar vírgula logo após um elemento que aparece deslocado de sua ordem natural na frase. Por exemplo, se a frase se inicia com um advérbio, devemos colocar a vírgula logo após esse adverbio: "In the 1990s, researchers investigated the construction of customizable operating systems."

    Em particular, se você tem alguma dúvida sobre quando usar e quando não usar vírgulas, dê uma olhada nesta página.

  7. Tenha no seu arsenal uma boa coleção de conectivos e escolha muito bem qual você deve usar em cada ocasião. Aqui vão alguns: Nevertheless, Nonetheless, Thus, Therefore, Hence, However, In addition, Moreover, Yet, Although. Mas não exagere! Se toda frase do texto contém um conectivo, a coisa fica estranha, a leitura não flui bem.

    Outras expressões úteis: not only [...] but also; either [...] or.

  8. Esse é um erro que eu cometia muito: o correto é "On the one hand, [...]. On the other hand, [...]". Eu não colocava esse primeiro "the".

  9. Um erro que eu cometo até hoje é traduzir "veja abaixo" por "see bellow" com dois eles. O correto é "below" com um ele só.

  10. Plural de expressões compostas. Diferentemente do português, o plural de expressões compostas por várias palavras é formado colocando-se apenas a última palavra no plural. Por exemplo, a tradução correta de "Mecanismos de distribuição de múltiplas componentes" é "Multiple component distribution mechanisms". Note a diferença entre as duas línguas.

  11. Em textos formais, nunca use contrações, ou seja, não escreva "we're developing", "It's important to note". Escreva "we are developing" e "It is important to note". Deixe as contrações para comunicação informal como correio eletrônico e comentários em código-fonte.

  12. Longas cadeias de "of the" é uma construção aportuguesada. Ao invés de escrever "The agent controls the update of the components of the system" escreva "The agent controls the update of system components" ou "The agent is responsible for controlling system component updates".

  13. Em textos formais, nunca termine uma oração com uma preposição. Assim, não escreva "The system loads the components it depends on". Escreva "The system loads the components on which it depends". Na verdade, alguns especialistas são contra essa proibição. Mas, dado que não somos faladores de inglês de nascença, vale a pena seguirmos essa regra também. Veja esse texto engraçado sobre essa questão. Mas, tudo bem, se você realmente acha que uma determinada frase fica muito melhor se terminada com uma preposição, pode escrevê-la dessa forma e, quando a primeira reclamação chegar, remeta o reclamante para esse artigo.

  14. Inversão de ordem de substantivos e modificadores do substantivo. É errado escrever "it installs the component requested"; o correto seria "it installs the requested component". Já os advérbios de modo vem no final como, por exemplo, em "it installs the requested components efficiently".

  15. Item questionável: Never split an infinitive. Quando um verbo aparece no infinitivo (p.ex., "to eat is a marvelous joy") nada pode ser acrescentado entre o "to" e o verbo. "To dynamically load the class" é errado. O correto é "To load the class dynamically". "Remember to never split an infinitive" é errado :-), o correto seria "Remember never to split an infinitive".

    Atualização: parece que na verdade essa regra não tem muito embasamento. Faça uma busca no Google e veja os primeiros links. Minha sugestão, então, é: se for fácil evitar o split infinitive, evite-o, se a frase for ficar estranha, então pode usá-lo.

  16. Não use apóstrofo para formar plural. Não escreva LRM's, mas sim LRMs.

  17. Evite o uso do possessivo com 's quando o sujeito é uma coisa e não uma pessoa ou entidade viva. Assim, escreva "Nica's dream" mas não escreva "InteGrade's Resource Management Service"; nesse último caso "the InteGrade Resource Management Service" é mais apropriado. A exceção é quando você quer dar um caráter ativo a um ser inanimado, por exemplo, "The train's arrival was impressive".

  18. Lembre-se que "a/an" é diferente de "one". Em português, tanto o artigo indefinido quanto o numeral são "um". Assim, não escreva "one important problem is X", escreva "an important problem is X".

  19. Um ponto difícil para brasileiros é saber a preposição a usar depois de certos verbos pois a tradução do português nem sempre funciona. Preste especial atenção nos seguintes. Use associate with e não associate to, use composed of e não composed by, use responsible for e não responsible by. Use consists of. Use related to e não related with.

  20. Algumas expressões em inglês, por exemplo frases no modo subjuntivo, demandam o uso da base form of the verb, ou seja, o verbo não é flexionado independentemente de o sujeito ser singular ou plural. Isso é uma coisa que é raríssimo os brasileiros acertarem :-) Assim, escreva "It is essential the overhead go unnoticed" e não "It is essential the overhead goes unnoticed". Escreva "the system had better go through a complete refactoring" e não "the system had better goes through a complete refactoring".

    Se estiver na dúvida se deve usar a forma básica do verbo, substitua o verbo em dúvida pelo "to be" e veja o que soa melhor "be" ou "is". Quase sempre a dúvida é dissipada. Por exemplo, "it is mandatory the system be repaired" é com certeza muito melhor do que "it is mandatory the system is repaired".

  21. Inglês é uma língua concisa, sempre opte por expressões mais curtas; evite palavras à toa que não acrescentam significado. Por exemplo, brasileiros adoram escrever "In order to" quando um bom escritor americano escreveria simplesmente "To". Em particular, recomendo abolir o "in order to" e usar simplesmente o "to".

  22. Muita gente usa like para dar exemplos, o que não é certo; like serve para coisas que se parecem com algo. Para listar exemplos, use such as. Exemplos: escreva "you may use a system like Unix"; escreva "the system uses libraries such as lucene, OpenGL, and iText".

  23. Ao se referir a uma figura, tabela, capítulo, seção, ou subseção pelo número, deve-se usar inicial maiúscula, como se fosse um nome próprio. Portanto, escreva "In Section 3, we describe....Figure 4 depicts...". Por outro lado, quando não temos o número, escrevemos em minúsculas, como em "in the next section.... all the figures in this text...".

  24. Não use referência bibliográfica como substantivo na frase. As referências bibliográficas não devem ter função sintática. Por exemplo, não escreva [FT92] presents a new algorithm to solve this problem efficiently. Escreva Feineman and Tanenbaum presented a new algorithm to solve this problem efficiently [FT92].

    Da mesma forma, não escreva In [FT92], the authors presented a new algorithm. Escreva Feineman and Tanenbaum [FT92] presented a new algorithm.

  25. Acerte o registro da língua. Num artigo científico, relatório formal ou tese, você não deve usar termos coloquiais, gíria ou uma linguagem informal demais. Evite termos como "a lot of", "huge", "famous", "excellent", "stuff", etc. Obviamente, cada caso é um caso e deve-se ter ciência do contexto para saber o que é apropriado e o que não é. Um problema das gerações atuais é que o maior contato que se tem com o inglês é através da Internet, em emails, blogs, etc., onde o registro da língua é dos mais informais e coloquiais possível; esse tipo de linguagem não é apropriada para um texto "sério". Para adquirir um bom vocabulário e se acostumar com o registro correto, é fundamental ler artigos de grandes pesquisadores internacionais, artigos de revistas como Communications of the ACM ou IEEE Software e também livros de literatura de alto nível em inglês.

  26. Between vs. Among. Between deve ser usado quando você está comparando 2 coisas ou pessoas. Among deve ser usado quando você está comparando 3 ou mais. Por exemplo, the interaction between the client and the server is faster than the interaction among the other components in the system.

  27. Não coloque plural em palavras incontáveis. Software, research, music, information, advice, news, power são substantivos incontáveis. Não existem as palavras softwares e researches. Essas palavras devem ser sempre no singlular pois são incontáveis.

Uma ferramenta legal de se utilizar é um dicionário de sinônimos (thesaurus). Ele nos permite localizar palavras mais elegantes e, assim, construir frases mais bonitas e claras. Eu tenho um bom em papel. Um online que eu uso bastante é o www.dictionary.com (selecione a opção thesaurus).

Ponteiros legais com informações sobre escrita em inglês:



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