O conceito de Anel de Grupo é relativamente antigo. Aparece implicitamente no mesmo artigo de A. Cayley [ 8] que é considerado o primero trabalho na teoria abstrata de grupos [8] e foi introduzido explicitamente por T. Molien em 1897, mas veio a adquirir grande importância, por causa de suas aplicações à teoria de representações de grupos, a partir dos trabalhos de E. Noether, R. Brauer e I. Schur (veja, por exemplo, [5], [ 6 ] e [49]).
Em 1940 G. Higman [34] publicou o primeiro trabalho diretamente relacionado com o chamado problema do isomorfismo que, em toda sua generalidade, permanece aberto até hoje. A partir da década de sessenta o assunto passou a despertar grande interesse dos pesquisadores, particularmente depois da inclusão de questões sobre anéis de grupo na famosa lista de problemas em teoria de anéis de I. Kaplansky [37], [ 38]. Os anéis de grupo passaram então a ser pesquisados também como objetos de interesse da Teoria de Anéis. A área recebeu considerável estímulo da publicação de um primeiro artigo nessa direção de I.G. Connell [ 13] e da inclusão de capítulos sobre anéis de grupo nos livros de teoria de anéis de J. Lambeck [ 41] e P. Ribemboim [60]. A publicação de dois grandes textos sobre o assunto, em forma quase simultánea (veja [62] e [ 52 ]) com muito pouco material em comum, torna claro o quanto o assunto tinha se desenvolvido já a meados de década de setenta.
A teoria dos anéis de grupo é um local de encontro de múltiples teorias algébricas. Por seu papel central no desenvolvimento da teoria de representações de grupos, fica claro o quanto esta última está relacionada com ela. Também são obvias as conexões diretas do assunto tanto com a teoria dos grupos quanto com a teoria de anéis, uma vez que todos os resultados em anéis de grupo estão intimamente conectados com fatos provenientes de ambas teorias. Como os anéis de grupo sobre os inteiros constituem um dos focos de particular atenção para os pesquisadores da área, a teoria algébrica de números também desempenha um papel fundamental no desenvolvimento do assunto. Finalmente, cabe observar que eles têm também um papel importante em outros ramos da matemática, como a álgebra homológica, a topologia algébrica e a K-teoria e que, nestes últimos anos, os anéis de grupo vêm sendo aplicados na teoria dos códigos corretores de erros, que são amplamente usados em transmissões digitais, permitindo a criação de novos códigos, ao mesmo tempo eficientes e confiáveis.
Para se ter uma idéia da importância dos anéis de grupo na pesquisa em álgebra, basta observar que alguns dos grandes algebristas da nossa época trabalharam em algum momento na área e deixaram nela contribuições fundamentais. Entre eles, podemos citar: S.A. Amitsur, H. Bass, E. Formanek, N.D. Gupta, I.N. Herstein, G. Higman, A.V. Jategaonkar, I. Kaplansky, W. May, K.W. Roggenkamp, W. Rudin e H.J. Zassenhaus. A estes nomes deve-se adicionar os de D.S. Passman e S.K. Sehgal que fizeram uma enorme contribuição para a área e são hoje os pesquisadores melhor conhecidos entre os especialistas do assunto. Também na ex União Soviética houve grande interesse pela área e pesquisadores de renome se interessaram por ela, como S.D. Berman, A.A. Bovdi, A.E. Zalesskii e A.V. Mikhalev.
Hoje em dia, as pesquisas na área são muito intensas. Uma consulta ao Mathematical Reviews, por exemplo, mostra que praticamente todos os meses são publicados diversos artigos nessas direções. Além disso, ela ocupa lugar importante nas diversas reuniões internacionais de teoria de grupos e de teoria de anéis. No ano passado, por exemplo, os anéis de grupo tiveram especial destaque nas reuniões sobre ``Group rings and representation theory'' em fevereiro, em Kananaskis, Canadá e quase a metade das palestras da conferência sobre ``Methods in representation theory'', realizada em maio de 1998 em Trento, Itália, foram dedicadas ao assunto. Algo semelhante aconteceu este ano, na reunião sobre ``Group rings and Hopf algebras'' realizada em abril em St. John's, Canadá. Também podemos mencionar a tradicional conferência sobre ``Groups and Group Rings'' organizada anualmente ne Europa Oriental (principalmente em Polônia) desde 1993.
No Instituto de Matemática da USP já foram organizados dois workshops internacionas sobre ``Group rings and related topics'', um em julho de 1995 e outro em fevereiro de 1998.
Sejam
um anel com unidade e
um grupo qualquer. Definimos
como o conjunto de todas as combinações lineares formais
do tipo
Note que a definição implica que dois elementos são iguais se e somente se .
Define-se a soma de elementos de por:
Também, dados dois elementos podemos definir seu produto por:
É fácil verificar que, com as operações acima, é um anel, que é chamado do anel de grupo de sobre .
Tembém podemos definir um produto de elementos de por elementos de da seguinte forma:
Novamente é fácil verificar que é um -modulo. Mais ainda, se é comutativo, segue que é uma álgebra sobre . Por causa disso, também é freqüente chamar de álgebra de grupo de sobre , neste caso.
A aplicação dada por é um homomorfismo de anéis chamado de função de aumento de e desempenha um papel central na teoria.
Fundamentalmente por causa da conexão com a teoria das representações, é muito natural se perguntar até que ponto o conhecimento da estrutura e propriedades de um dado anel de grupo pode determinar a estrutura do grupo inicial. Mais formalmente, podemos nos colocar a seguinte pergunta:
Dados dois grupos
e
e um anel
, será que a existência de um isomorfismo
implica que
?
É facil demonstrar, por exemplo, que grupos abelianos finitos da mesma ordem, mesmo não sendo isomorfos, tem álgebras de grupo isomorfas sobre o corpo dos números complexos. Porém, em 1950 S. Perlis e C. Walker [ 53 ] provaram que grupos abelianos finitos estão de fato determinados pelo seu anel de grupo sobre o corpo dos números racionais. Pouco depois, em 1956, W.E. Deskins [ 15] demonstrou que p-grupos abelianos finitos estavam determinados pelos seus anéis de grupo sobre quaisquer corpos de característica . Houve também alguns resultados parciais sobre grupos não comutativos devidos a D.B. Coleman [ 11] e D.S. Passman [ 50] e [51 ].
Isto parecia sugerir que, para famílias específicas de grupos poder-se-ia determinar algum corpo adequado onde a resposta a questão tivesse sempre uma resposta positiva. Porém, em 1972, E. Dade [ 14 ] publicou um exemplo de dois grupos (que têm uma estrutura razoavelmente simples, já que são grupos metabelianos) não isomorfos, mas que têm anéis de grupo isomorfos sobre qualquer corpo !
Isto levou a centralizar as atenções sobre os anéis de grupo sobre os inteiros, formulando-se a seguinte conjectura para grupos finitos quaisquer:
(ISO)
Uma razão fundamental para voltar as atenções
para esta questão é que pode-se demonstrar facilmente que
se para dois grupos
e
tem-se que
, então também tem-se que
para todo outro anel
, com unidade. Resulta assim que esta hipótese é a mais
forte que se pode formular, neste contexto.
Em apoio a esta conjectura sabia-se que em 1940, Graham Higman [ 34 ] tinha demonstrado que ela é verdadeira no caso dos grupos abelianos finitos e também no caso dos 2-grupos que são Hamiltonianos (isto é, quando todo subgrupo é normal). Até agora a conjectura, em toda sua generalidade, não está completamente resolvida, mas ela já foi demonstrada numa série de casos particulares.
Lembramos que um isomorfismo diz-se um isomorfismo normalizado se, para todo elemento tem-se que (ou, equivalentemente, se para todo elemento tem-se que ).
É fácil mostrar que se existe algum isomorfismo então também existe um isomorfismo normalizado entre estes anéis.
Seja então um isomorfismo normalizado. Note que se , para todo elemento , então o próprio dá, por restrição, um isomorfismo entre os grupos e . Aliás, esta foi justamente a técnica empregada por Higman para demonstrar seus resultados que mencionamos na seção anterior. A grande dificuldade consiste precisamente em que, em geral, não temos maiores informações sobre os elementos da forma , . Podemos, porém, afirmar algumas coisas. Note que, como , temos que para todo e, como é um morfismo, segue que também . Isto significa que , , é sempre um elemento inversível, de ordem finita em .
Seja
um grupo finito. Definimos então:
O primeiro conjunto é chamado de grupo das unidades de e o segundo, que é um subgrupo normal do primeiro, de grupo das unidades normalizadas de .
É natural se perguntar então que informações podemos obter sobre o grupo das unidades normalizadas de uma vez que um conhecimento adequado deste grupo poderia nos levar a soluções do problema do isomorfismo.
No início da década de setenta, H.J. Zassenhaus formulou diversas conjecturas sobre as unidades e os isomorfismos normalizados de um anel de grupo. Nós as listamos a seguir, junto com o nome com que elas são conhecidas na atualidade.
Como existem contraexemplos para (ZC2) é natural procurar
versões mais fracas desta conjectura. A seguinte versão foi
introduzida em [16
].
Esta conjectura afirma, em particular, que todo
-subgrupo de Sylow de
é racionalmente conjugado a um
-subgrupo de
, o que significaria que vale um resultado do estilo do Teorema de Sylow
para
.
Podem-se mencionar ainda outras questões importantes neste contexto. Uma pergunta natural é determinar como se localiza um dado grupo dentro do grupo de unidades de ; mais precisamente, determinar o normalizador de em . Obviamente, o centro e o próprio normalizam . A chamada conjectura do normalizador afirma que eles determinariam todo o normalizador. Mais precisamente:
A pesquisa, desde a década de setenta, tem mostrado que o grupo
das unidades de um anel de grupo, tem uma estrutura muito complicada. Isto
se deve, entre outras coisas, ao fato de que, em muitos casos, êle
contém um subgrupo livre de pôsto 2. Uma questão ainda
em aberto é decidir completamente a questão da existência
de subgrupos livres e determinar geradores concretos para estes subgrupos.
Existem diversas generalizações do conceito de anel de
grupo, algumas das quais já foram amplamente estudadas num passado
recente, como os anéis ``skew'' de grupo, os produtos cruzados, os
anéis de semigrupo, as extensões centralizantes, os anéis
de Frobenius e quase-Frobenius e as álgebras de Hopf.
Uma generalização interessante é o conceito de
anel de loop que é o equivalente não associativo dos
anéis de grupo. Este conceito foi introduzido por H. Bruck em 1944
[ 7 ] como uma
forma de se construir exemplos de anéis não associativos e o
assunto ganhou força quando E.G. Goodaire iniciou, em 1983 [
28 ] o estudo de uma classe que satisfaz identidades importantes:
as leis alternativas. A pesquisa em anéis de loops alternativos
e também uma área ativa, na atualidade; a referência
básica na área é [
29].
Também gostariamos de mencionar que recentemente, motivado por
questões relativas a C
-álgebras, R. Exel [
18] e J.C. Quigg e I. Raeburn [
59 ] introduziram independentemente representações
parciais de grupo e, naturalmente relacionados com estas, os anéis
de grupo parciais, que apresentam propriedades interessantes, particularmente
no que diz respeito ao problema do isomorfismo. Em particular, ele observou
que o grupo abeliano de ordem 4 é determinado a menos de isomorfismos
pela sua álgebra de grupo parcial sobre os complexos.
Finalmente, deve-se observar que, no caso mais simples, de um anel de
grupo de um grupo finito sobre um corpo cuja característica não
divide a ordem do grupo dado, é bem sabido que a álgebra
de grupo é isomorfa a uma soma direta de anéis de matrizes
com coeficientes em anéis com divisão. Por causa disso, a
resolução de muitos problemas na área começa
pelo estudo do problema em apreço, no contexto dos anéis com
divisão.
Por exemplo, a questão da existência de subgrupos livres
no grupo das unidades de um anel de grupo motivou uma conjectura análoga
para anéis com divisão, devida a A.Lichtman [
43].
(G) O grupo multiplicativo de um anel com divisão não
comutativo contém um subgrupo livre de pôsto 2.
Existe uma conjectura semelhante, devida a L. Makar-Limanov [
47].
(A) Um anel com divisão, finitamente gerado, de dimensão
infinita sobre seu centro
, contém uma
-álgebra livre de pôsto 2.
Ambas as conjecturas podem se combinar, de forma mais ambiciosa, na seguinte:
(AG) Um anel com divisão, finitamente gerado, de dimensão infinita sobre seu centro , contém a -álgebra de grupo de um grupo livre de pôsto 2.
Inicialmente, vamos considerar a conjectura do isomorfismo. Há pouco mais de um ano foi anunciada a existência de um contraexemplo para esta conjectura, devido a Hertweck (veja [ 39 ]) mas ela não foi ainda publicada. Mesmo que este anuncio seja confirmado, fica ainda, como problema relevante, a questão de decidir para que famílias de grupos a conjectura é verdadeira. Ela já foi provada nos seguintes casos.
As conjecturas de Zassenhaus foram objeto de atenção a partir da própria época de sua formulação e a pesquisa nessa direção tem sido intensa.
Damos, a seguir, uma lista dos grupos para os quais vale (ZC1) .
Já a validade da conjectura (ZC3) foi estabelecida para os seguintes grupos.
Por outro lado, até a presente data, a conjectura (p-ZC) foi estabelecida para as seguintes famílias de grupos.
Os primeiros três resultados foram estabelecidos por M. Dokuchaev
e S.O. Juriaans [16
] e o último por M. Dokuchaev, S.O. Juriaans e C. Polcino Milies
[ 17].
Em relação à conjectura do normalizador, ela foi
provada em 1964 por D.B. Coleman [
12 ] para p-grupos finitos. Depois, S. Jackowski e Z. Marciniak mostraram,
em 1987, que ela vale para grupos cujo 2-subgrupo de Sylow é normal
(e, em particular, para grupos de ordem ímpar) [
23 ]. Muito recentemente houve um novo progresso; Y. Li, M.M. Parmenter
e S.K. Sehgal mostraram que ela vale também para grupos tais que
a intersecçào dos seus subgrupos não normais é
não trivial [42
].
A existência de subgrupos livres no grupo das unidades de um anel de grupo finito, foi estabelecida por B. Hartley e P.F. Pickel [ 33] sobre os inteiros e por J.Z. Gonçalves sobre corpos em [ 21] e [ 22]. Recentemente, Z. Marciniak e S.K. Sehgal [ 48], J.Z. Gonçalves e D.S. Passman [ 25] e J.Z. Gonçalves, A. Mandel e M. Shirvani [ 24] mostraram como gerar grupos livres, a partir de unidades razoavelmente bem conhecidas, [48 ].
No que diz respeito aos anéis de loop alternativos, muitos resultados
importantes foram obtidos na última década, como a descrição
dos RA loops, i.e., dos loops cujas álgebras de loops sobre qualquer
anel de caracterstica diferente de 2 é alternativa (O. Chein e E.G.
Goodaire [9], a
validade do problema do isomorfismo sobre os inteiros e a conjectura (Aut)
(E.G. Goodaire e C. Polcino Milies [
30], a validade das conjecturas de Zassenhaus (E.G. Goodaire e C.
Polcino Milies [31
], [ 32]), a classificação
dos AR loops finitos indecomponíveis (E. Jespers, G. Leal e C. Polcino
Milies [ 36
]), etc.
Recentemente, foi publicado um livro [
29] que contém uma exposição sistemática
do estado atual dos conhecimentos na área.
Em relação à conjectura mais ambiciosa sobre anéis com divisão, a conjectura (AG), resultados positivos recentes de L.M.V. Figueiredo, J.Z. Gonçalves e M. Shirvani [ 20] e de J.Z. Gonçalves e M. Shirvani [ 26] e [27] permitem abrigar esperanças quanto a sua validade.
O grupo de professores do IMEUSP que trabalha nesta área vem realizando pesquisas em conjunto, entre si e com colaboradores do exterior, há muito tempo e pretende continuar este trabalho em diversas direções.