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Outubro de 2009; texto revisto
e ligeiramente ampliado em 27/5/11
www.ime.usp.br/~vwsetzer
“Deixe as crianças serem infantis: não lhes permita
o acesso a TV, jogos eletrônicos, computadores e Internet”, Valdemar
Setzer
Por Marcus Tavares
O que ele diz é polêmico, pois está na contramão de tudo o que muitas propostas pedagógicas defendem: o uso integrado da mídia à educação. Professor titular aposentado do Departamento de Ciência da Computação, do Instituto de Matemática e Estatística da USP, Valdemar Setzer é um crítico feroz da mídia, em especial da televisão. Desde 1995, ele mantém um site onde publica seus artigos e ensaios sobre os malefícios da mídia no dia a dia da audiência infanto-juvenil. “Deixe as crianças serem infantis: não lhes permita o acesso a TV, jogos eletrônicos, computadores e Internet”, é a mensagem que abre o seu site.
A revistapontocom ouviu o professor que tem pontos de vista bastante radicais para os parâmetros do cotidiano familiar e escolar do início do século XXI. Ao publicar suas ideias, a revista cumpre o papel de provocar o debate sobre questões que dizem respeito à educação com ênfase na comunicação, questões que dizem respeito à interface midiaeducação.
Acompanhe:
revistapontocom - Em sua avaliação, as
crianças não deveriam ter acesso aos meios de
comunicação eletrônicos. Por quê?
Valdemar Setzer - Uma das principais razões é que
os meios eletrônicos produzem um desenvolvimento intelectual e emotivo
indevido. Com isso, crianças e adolescentes perdem uma parte essencial
da sua infância e juventude. Metade da humanidade é diariamente
colocada em estado de sonolência e é bestificada pelo aparelho
de tevê e pelos programas transmitidos. Assim, parece-me que a TV
foi a maior tragédia que já ocorreu para a humanidade. Todas
as pessoas podem ser contra armas e guerras, pois veem a destruição
e sofrimentos que elas causam. No entanto, pouquíssima gente está
vendo os problemas de saúde e sociais, bem como a destruição
da vontade, dos sentimentos e do pensamento, que a TV provoca, pois os resultados
não são imediatos, e muitos são psicológicos
ou psíquicos, invisíveis fisicamente. Existe um verdadeiro
ataque da TV no sentido de destruir a humanidade. Esse ataque vai ser cada
vez pior. Veja a introdução recente de canais transmitindo
conteúdo específico para bebês entre zero e dois anos,
como é o caso do horroroso canal Baby TV. Assisti a um vídeo
contendo programas desse canal. Fiquei chocadíssimo com o que vi.
Como sempre, figuras grotescas, nada artísticas, balbuciando em lugar
de falar, como eu tinha ouvido dizer do programa Teletubies. Bebês
devem ouvir muito a fala correta, para a desenvolverem; pais jamais deveriam
imitar a fala dos bebês com seus filhos bem pequenos – não
é isso que eles devem imitar e aprender. Não bastava o ataque
da TV às crianças, aos adolescentes e adultos, até
os bebês estão agora sendo atacados. O que é preciso
fazer para conscientizar os pais que eles estão cometendo um verdadeiro
crime com seus bebês ao colocarem-nos para assistir a tais programas?
revistapontocom - Em que o senhor se fundamenta para defender
esta questão?
Valdemar Setzer
- Estudos e observações e, principalmente, na
conceituação e na prática
da Pedagogia Waldorf, existente com sucesso desde 1919. Uma das
consequências dos meios eletrônicos, e em particular da TV,
é uma
aceleração do desenvolvimento, principalmente mental.
Infelizmente,
muitas pessoas acham que essa aceleração é
desejável, quando ela é, na
verdade, altamente prejudicial. O problema geral da
aceleração precoce
deve-se ao fato de que o ser humano é um todo, é um ser
holístico.
Qualquer desenvolvimento unilateral significa a produção
de um
desequilíbrio. Em educação, há idade para
tudo. E é esse um dos
princípios fundamentais da Pedagogia Waldorf, que é uma
das principais
fontes de seu sucesso. Nela há um cuidado extremo em não
acelerar o
desenvolvimento das crianças e jovens, com especial ênfase
ao cuidado
de não haver um desenvolvimento intelectual precoce. Por isso,
nessa
pedagogia, as crianças só aprendem a ler, e muito
vagarosamente, a
partir dos seis anos e meio ou sete anos de idade. Visite um jardim de
infância Waldorf (prefiro essa linda e tradicional
denominação em lugar
de Educação Infantil) para entender o que quero dizer com
a preservação
da infantilidade. Estou para encontrar uma única pessoa que
não se
entusiasme com o que é feito nesses jardins e que não
reconheça que,
sob esta pedagogia, as crianças são muito mais felizes e
infantis.
revistapontocom - O senhor não está sendo
muito radical com relação à mídia?
Valdemar Setzer - A educação sempre foi radical, evitando
qualquer coisa que faça mal às crianças. Não existe
meio termo: se algo é prejudicial ou perigoso às crianças
ou adolescentes, deve ser evitado, e isso sempre foi feito na educação.
Quero ver quais são os pais que deixam suas crianças brincarem
na rua numa cidade como São Paulo; isso é ser radical! A grande
diferença entre eu e a quase totalidade de pais e educadores é
que estou ciente dos males causados pelos meios de comunicação,
em especial a TV, principalmente com crianças e adolescentes.
Não estou totalmente sozinho, se bem que muitas vezes me sinto clamando
no deserto. Há outros autores e muitas pesquisas científicas
que comprovam o que estou afirmando.
revistapontocom - Por exemplo, quais seriam os males da
televisão?
Valdemar Setzer - Há uma lista de questões: excesso
de peso e obesidade; riscos de doenças; problemas de atenção
e hiperatividade; agressividade e comportamento antissocial; medo e depressão;
intimidação a colegas (bullying); indução
de atitude machista; dessensibilização dos sentimentos; indução
de mentalidade de que o mundo é violento e violência não
gera castigo; prejuízo para a leitura; diminuição do
rendimento escolar; prejuízo para a cognição; confusão
de fantasia com realidade; isolamento social; problemas de relacionamento;
aceleração do desenvolvimento; prejuízo para a criatividade;
autismo; vício; indução ao consumismo; condicionamento
e não informação; paralisia mental; indução
de mentalidade de competição; destruição da
vida familiar; falta de ritmo e sono saudável; massificação;
indução de impulsividade e negatividade; indução
de admiração pelas máquinas; e indução
de mentalidade materialista. Todos esses pontos estão justificados,
com citações de pesquisas científicas que os comprovam,
em meus artigos "A
TV antieducativa" e "Efeitos
negativos dos meios eletrônicos em crianças e adolescentes".
revistapontocom - No mundo tecnológico, como evitar
que as crianças assistam à TV?
Valdemar Setzer - O mais fácil é não ter o
aparelho. Com isso, corta-se o mal pela raiz, evitando problemas de controle
de uso e, no caso de adultos, a luta interior para resistir à tentação
de vê-la. Isso é especialmente benéfico para as crianças,
pois elas não conseguem entender por que alguns programas fazem mal,
ou mesmo que ver TV é um mal em si, como mostro em meus artigos.
O problema com elas ainda se agrava quando os pais assistem TV e dizem que
elas não devem assisti-la. Em alguns casos, alguém da família
acha absolutamente necessário ter um aparelho, para assistir a algo
específico. Nesses casos, o aparelho de TV não deve estar
disponível, como na sala de estar. Não instalar o aparelho
de TV no espaço onde são feitas as refeições
também é importante. As pessoas também não deveriam
instalar, de modo algum, um aparelho de TV no quarto das crianças.
Relatório da Associação Americana de Pediatria sobre
crianças, adolescentes e televisão recomenda, explicitamente,
a remoção das televisões dos dormitórios das
crianças. Defendo também a não instalação
de TV a cabo, pois as tentações serão ainda maiores.
É comum o argumento de que restringir o uso da TV, entre crianças
e adolescentes, é introduzir a censura dentro de casa. Acontece que
não se deve confundir censura para adultos com censura para crianças
e adolescentes. Esta sempre existiu e deverá existir.
revistapontocom - E o uso da TV na escola? Como o senhor
analisa esta interface?
Valdemar Setzer - Qualquer uso da TV na escola antes dos 13 ou
14 anos deve ser evitada. Em particular, fico extremamente chocado ver várias
creches mantendo tevês ligadas o tempo todo. Os responsáveis
certamente não estão cientes do crime que estão cometendo
com as crianças. A partir dos 13, 14 anos, se um professor achar
importante mostrar ilustrações do que está sendo ensinando,
por exemplo em Geografia, usando um DVD, o trabalho será muito mais
rico do que simplesmente projetar diapositivos ou mostrar livros. Só
que é necessário levar em conta as características
do aparelho de TV e o estado normal de sonolência do telespectador.
Assim, o vídeo deve ser mostrado em períodos de tempo muito
curtos, de poucos minutos. Após esse período, deve ser desligado
e o professor deve discutir com os alunos o que eles viram, em seguida repetir
o trecho visto. Assim evita-se o pior efeito da TV: induzir um estado de
sonolência, semi-hipnótico, no telespectador. Podemos ir além
da questão da TV. Hoje muitas escolas disponibilizam, para seus alunos,
computadores e internet. Professores estão pedindo para seus alunos
fazerem trabalhos usando a internet. Eles estão cometendo um crime
educacional. Em particular, a internet é extremamente perigosa para
crianças e adolescentes, pois eles são todos ingênuos,
como bem salientou Gregory Smith em seu livro Como Proteger seus Filhos
na Internet, cuja edição brasileira foi lançada
pela editora Novo Conceito, baseada em parecer meu muito favorável.
Crianças e adolescentes só querem brincar com os meios eletrônicos,
não os usam para coisas sérias. Numa pesquisa do Datafolha,
constatou-se que, de três mil usuários, apenas 1% usava a internet
para estudo. Se forem contabilizados somente crianças e adolescentes,
essa porcentagem seria muitíssimo menor. O que quer fazer uma criança
ou adolescente com um computador ou a Internet? Brincar e se divertir, obviamente,
como é normal para suas idade. Sem controle, elas jamais vão
usá-los para coisas úteis ou para os estudos. Pesquisas já
mostraram que quanto mais o computador é usado, pior é o rendimento
escolar dos alunos.
revistapontocom - Então as experiências entre
mídia e escola não podem ser benéficas para a
constituição dos alunos?
Valdemar Setzer - Os prejuízos são infinitamente
maiores do que os benefícios.
revistapontocom - Qual é o papel da escola neste
mundo midiático?
Valdemar Setzer
- Alertar os pais e alunos para que não usem os meios
eletrônicos. O
problema é que os professores ignoram os males que eles
produzem, e
embarcam na onda de alta tecnologia, como se ela fosse educacionalmente
benéfica, quando a realidade é a contrária.
revistapontocom - Qual é o papel dos pais (na educação
de seus filhos) neste mundo midiático, neste mundo de nativos digitais?
Valdemar Setzer - Estudar e observar
os males que os meios eletrônicos fazem e, chegando às mesmas
conclusões que eu, evitar que seus filhos crianças e adolescentes
os usem, como eu fiz com meus filhos e minhas três filhas estão
fazendo com meus seis netos.