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Re: [ABE-L]: Comentários sobre dois pontos do Zé



Caro Gauss, bom dia!

Obrigado pela sua resposta. Tenho certeza de que V. tem muito mais a dizer, em 
boa e franca discussão, do que o tempo e o espaço nos permitem aqui. Claro, 
minhas frases não exprimem tudo e, muitas vezes, saem meio confusas ou 
indefinidas.

Do jeito que vejo, pode-se trabalhar com teoria de filas sem ser probabilista, 
no sentido mais estreito da palavra. Por outro lado, problemas oriundos da 
prática de teoria de filas rapidamente demandam novos desenvolvimentos na 
área de probabilidades. Curiosa, mas compreensivelmente, um praticante bem 
preparado e trabalhador desenvolve uma solução, funcional para todos os 
efeitos. E, em seguida, vem um probabilista e pega a idéia e reveste-a de  
formalismo e, frequentemente, estende a aplicabilidade a... situações 
meramente teóricas. É assim, tantas vezes... (claro, nem sempre). Aliás um 
pequeno reparo à sua resposta, se me permite: há muita gente trabalhando em 
teoria de filas e não são estatísticos, em sua maioria; em geral, gente de 
matemática aplicada; mas, de novo, engenheiros em teoria de controle e 
automação; e computólogos. Quando eles estimam parâmetros de um modelo de 
fila, podem usar métodos estatísticos, embora isso não os qualifique como 
estatísticos.

Em estatística, temos o exemplo, basilar para nós, do conceito de suficiência. 
Inventado por Fisher, levou, na última metade dos anos 40, à extensão de um 
teorema, já provado, para distribuções discretas e contínuas. Isso foi 
estendido para distribuições dominadas, etc (Halmos e Savage, Lehman e 
Scheffé). Este foi um desnvolvimento em teoria de medida, propriamente. Ora, 
para amostristas e para os praticantes de planejamento de experimentos essa 
extensão somente serviu para criar um poderoso fantasma nos exames de 
qualificação para o doutorado (os "prelim"). Deve-se ver a opinião (que 
copio) do J. Wolfowitz. Cito-o, de memória, não pelo princípio da autoridade, 
mas para que ninguém da lista "brigue" comigo.

Não obstante o que disse da estatística, é claro que estatísticos 
frequentemente deparam-se com enormes problemas de matemática, incluindo 
probabilidades e computação. Porisso, aqueles, como V., preparados e 
trabalhadores, arregaçam as mangas e trabalham proficuamente nessas áreas. Há 
exemplos que ficam: (meu vício de escolha, entre tantas) o Goodnight (1978) 
arrumou o algoritmo de Gauss para cálculo de soluções de sistemas lineares, 
para tornar o cálculo de regressões eficiente. De uma só vez, resolvem-se o 
modelo e vários sub-modelos, tirando betas e variações nas somas de quadrados 
de resíduos, logo várias análises de variância. Isso divulgou e incorporou à 
prática as somas de quadrados tipos I, II, III e IV. Veja só: um 
algoritmo "batido", estabelecido... Feita a adaptação (chamada de SWEEP), 
viu-se que, do ponto de vista matemático, isso é pouca coisa; que o método já 
fôra desenvolvido, parcialmente, por diversos trabalhadores, ao longo de 100 
anos, etc, etc. Só que a adaptação mudou o cálculo de regressões (mínimos 
quadrados), na prática, desde os anos 70. O mesmo pode-se dizer do trabalho 
de Nelder & Cia. Enfim, os estatísticos não pedem licença para trabalhar em 
computação, álgebra linear (e multilinear, com tensores). Nem precisam. Os 
engenheiros e médicos e agrônomos, etc, tampouco. É  que essas fronteiras 
entre matemática, física, engenharia e tantas outros ramos de ciência ou de 
técnica inexistem.

Resumo desta arenga: teoria e cálculo de probabilidades, incluindo processos 
estocásticos, claro, é desenvolvida por profissionais de áreas diversas, 
sejam eles engenheiros, físicos, químicos, médicos, agrônomos e até por 
estatísticos. Ponha-se na lista os matemáticos, os probabilistas. Nada existe 
de especial, menos ainda exclusivo, entre a estatística e a probabilidade, 
sendo nós mais um, apenas mais um, seu cliente. Probabilistas devem estar em 
departamentos de matemática; estatísticos, como tais, não. 

Ora bolas, eu acho até que os filósofos gregos pré-Socráticos faziam física, 
em vez de filosofia. É só uma questão de tempo, a filosofia virar ciência, a 
ciência virar técnica. Que divisões são essas?

Note que não toquei na questão de um comitê de estatística no CNPq. A questão 
tem relevância política e afeta o desenvolvimento da estatística no Brasil. 
Mas não passa, nem de perto, pela existência da estatística como ramo 
separado de ciência ou, mesmo, de mera técnica. O dia em que a comunidade de 
cientistas e professores universitários de estatística tiverem poder, isso 
acontecerá. De minha observação de mais de trinta anos, não conto com esse 
comitê exclusivo enquanto estivermos sob a amigável, paternal, "proteção" da 
área de matemática.

Sobre as bolsas de pesquisadores do CNPq, elas são, e devem ser, dadas a 
pesquisadores de estatística. que não são, necessariamente, estatísticos. 
Concordo que praticantes da estatística, mesmo na Universidade, que são muito 
úteis para outras áreas, os chamados campos substantivos, como Medicina e 
Agronomia, não tem de pleitear essas bolsas. Do mesmo modo, os professores de 
estatística, os que formam estatísticos para "a vida", não tem de pleitear 
essa bolsas. Mas, sim, precisam de estímulos, pois seu trabalho é relevante 
(e quanto!). Outras bolsas, outras formas de reconhecimento... é disso que se 
precisa. 

Xiii! Isto ficou grande demais. desculpe-me. Espero encontrá-lo na RBras e que 
V. tenha um tempinho para a gente seguir na conversa. A cerveja é por minha 
conta...  ;-)

Abraços.

On Sunday 27 April 2008 22:36:44 gausscordeiro wrote:
> Caros,
>
> Ótimo saber que o meu amigo Zé Carvalho entrou na discussão. Permita-me,
> entretanto, comentar dois dos seus pontos:
>
> 1. Sua assetiva "nossos amigos engenheiros eletricistas dão de 10
> a 0 na gente, trabalhando com probabilidade.
>
> É pura verdade e concordo plenamente.
>
> 2. "Em suma: teoria de probabilidades é matemática. Estatística não é
> matemática."
>
> A segunda parte da frase está correta mas acho que a 1a parte merece um
> comentário. Probabilidade do ponto de vista puramente teórico é realmente
> uma área da matemática, como álgebra, combinatória e análise. Mas do ponto
> de vista mais amplo (e aplicado) tem imensa interseção com a estatística,
> e, nestes casos, as duas áreas são indissociáveis. Quem estuda teoria das
> filas do ponto de vista teórico para aplicar suas equações tem que estimar
> os parâmetros, realziar estudos de simulação, calcular a informação, etc.
> Os engenheiros da sua assertiva 1. desenvolvem probabilidade no sentido
> menos matematizado e com a estatística como pano de fundo.
>
> Grande parte do meu tempo em pesquisa atualmente eu dedico ao estudo de
> novas distribuições de probabilidade que fica na interseção das duas áreas.
> As primeiras seções dos meus últimos três artigos (com calaboradores) neste
> tema são de probabilidade e as últimas de estatística.
>
> Boa noite,
>
> Gauss
>
>
>
> ************************************************************
> Gauss Cordeiro
> (http://www.pgbiom.ufrpe.br/docentes/~gauss/)
> PhD em Estatística, Imperial College
> (1982), MSc em Pesquisa Operacional, UFRJ (1976), Engenheiro
> Civil, UFPE (1974) e Bacharel e Licenciado em Matemática, UNICAP (1973)