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Re: [ABE-L]: entrevista com com o Simon Schwartzman



Colegas:

Essa entrevista é sensacional. Estão nela diagnóstico e proposta de mudanças 
que, se efetivadas, tornariam a Universidade (maiúscula de propósito) muito 
mais efetiva.

Só não creio que algo venha a mudar. Não enquanto, em nome da "democracia", 
executarmos políticas que só servem para aumentar a entropia do sistema.

Obrigado, Cribari.

Zé C.

On Sunday 04 May 2008 07:26:44 Francisco Cribari wrote:
> VEJA
> Edição 2059
> 7 de maio de 2008
>
> Entrevista: Simon Schwartzman
>
> É preciso ir à luta
>
>
> O ex-presidente do IBGE diz que a universidade integralmente financiada
> por dinheiro público acaba acomodada
>
>
> Marcelo Bortoloti
>
>
> O sociólogo Simon Schwartzman, 68 anos, ex-presidente do IBGE, é dono de
> uma vasta produção acadêmica, na qual o tema da educação ocupa lugar de
> destaque. Seu mais recente trabalho é uma análise comparativa de
> dezesseis centros de pesquisa universitários do Brasil, da Argentina, do
> México e do Chile, com foco na aplicação efetiva da produção científica
> ali desenvolvida. Nele são esquadrinhadas experiências em geral
> positivas: centros de excelência integrados ao mercado e afinados com as
> necessidades de cada país. Uma realidade bem distante da que se constata
> na maior parte das universidades brasileiras. Nesta entrevista,
> concedida em sua sala no Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade
> (Iets), Schwartzman defende a maior integração entre universidade e
> empresas e a valorização dos centros de excelência. Ele também faz um
> alerta. O Brasil está ficando cada dia mais distante dos países
> desenvolvidos no que se refere a investimento em pesquisa. "Estamos
> perdendo o bonde."
>
> Veja – As pesquisas feitas nas universidades brasileiras contribuem para
> o desenvolvimento do país?
> Schwartzman – Não como deveriam. Em geral, elas ficam restritas ao
> âmbito acadêmico e não se transformam em produtos ou serviços úteis à
> sociedade. Não há transferência de conhecimento, nem mesmo quando se
> trata de uma pesquisa aplicada.
>
> Veja – Por que isso acontece?
> Schwartzman – Há vários fatores envolvidos. Um deles é que a
> universidade pública, onde se realiza boa parte da pesquisa acadêmica no
> país, não é estimulada a atender às demandas da sociedade e do setor
> empresarial, porque é integralmente financiada pelo dinheiro do governo.
> A experiência mostra que uma instituição só se volta para fora quando
> precisa buscar recursos. Uma universidade integralmente financiada pelo
> dinheiro público tem uma tendência à acomodação. Não precisa buscar
> parceiros e aliados externos. Ao mesmo tempo, a indústria brasileira,
> tradicionalmente, não tem demanda por tecnologia. Você não pode dizer
> que a responsabilidade é apenas das universidades se do outro lado não
> há procura.
>
> Veja – O melhor caminho é necessariamente a associação entre
> universidade e empresa?
> Schwartzman – Na maioria das vezes, sim. Mesmo pesquisas importantes
> para a sociedade não são devidamente aproveitadas fora da academia
> quando não existe parceria com empresas. O pesquisador pode criar uma
> cura para determinada doença, mas transformar isso em um produto
> farmacêutico requer um investimento enorme e muitos anos de trabalho na
> etapa de desenvolvimento. Só o custo para registrar uma patente pode
> chegar a centenas de milhares de dólares. Não basta inscrevê-la num
> único escritório, a patente tem de ser registrada na Ásia, nos Estados
> Unidos e na Europa, que são os principais mercados. Isso muitas vezes só
> é possível com a ajuda de um parceiro privado.
>
> Veja – Qual a responsabilidade dos órgãos oficiais de financiamento à
> pesquisa nessa situação?
> Schwartzman – O sistema de avaliação dos centros de pesquisa e
> pós-graduação utilizado pela Capes tem mais de trinta anos. E foi muito
> importante para o Brasil. Graças a ele, o país tem hoje uma
> pós-graduação que é de longe a melhor da América Latina. Mas já está
> ultrapassado. Ele dá muita ênfase aos trabalhos acadêmicos e desestimula
> qualquer iniciativa prática. Os critérios de qualidade levam em conta o
> número de artigos publicados, o número de doutores formados e a
> participação em congressos internacionais. A aplicação da pesquisa não é
> valorizada. Com isso, os pesquisadores só querem publicar artigos em
> revistas internacionais e, assim, contar pontos
> para seu departamento. Depois de o artigo ter sido publicado, eles não
> se interessam em procurar uma empresa para desenvolver o produto.
> Consideram mais vantajoso à carreira iniciar outra pesquisa, para
> publicar um novo artigo.
>
> Veja – O que o Brasil perde com isso?
> Schwartzman – Há dois tipos de perda. O setor privado perde uma
> excelente oportunidade de evoluir tecnologicamente. E o governo também
> perde, pois não usa o saber acadêmico para auxiliá-lo na formulação de
> políticas públicas. Há uma série de demandas por pesquisa em diversas
> áreas. Em saúde, por exemplo, para controlar a dengue. Na formulação de
> políticas de segurança, na administração de complexos urbanos. São
> linhas de estudo que o governo deveria estimular – e usar. O Brasil
> precisa do melhor conhecimento para lidar com suas questões econômicas e
> sociais, e não pode abrir mão dos centros de excelência das
> universidades. Veja só a área da educação, em que o país vive uma
> tragédia. Temos um sistema educacional que não ensina. As crianças
> entram na escola e saem semi-analfabetas com 13 ou 14 anos de idade.
> Faltam estudos para entender o que está acontecendo, quais as saídas, o
> que funciona e o que não funciona. A área do meio ambiente é pior ainda.
> Eu nunca vi um estudo sério e competente sobre a transposição do Rio São
> Francisco.
>
> Veja – Como mudar esse quadro?
> Schwartzman – Por um lado, o governo precisa ser melhor usuário de
> pesquisas. Embora ele tenha institutos próprios, como o Instituto
> Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa), a Empresa Brasileira de
> Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e o Instituto Nacional de Estudos e
> Pesquisas Educacionais (Inep), há sempre um risco quando o pesquisador
> recebe seu salário diretamente do ministério. E se o ministro não gostar
> da pesquisa? Outro papel do governo é estimular as empresas privadas a
> investir em inovação. Ele tem de compartilhar o risco desse
> investimento. No que diz respeito à universidade, há duas maneiras de
> pensar uma mudança: de cima para baixo e de baixo para cima. No primeiro
> sentido seria criando normas para regular o funcionamento das
> instituições. Isso já foi tentado no Brasil com a criação da Lei de
> Inovação, que facilita a ligação da universidade com a indústria. Mas
> nunca funcionou muito bem. Acho que o melhor caminho é de baixo para
> cima. Ou seja, dando mais autonomia às universidades e estimulando para
> que elas não fiquem restritas ao meio acadêmico.
>
> Veja – De que forma é possível fazer isso?
> Schwartzman – As universidades públicas seguem a lógica do serviço
> público. Não têm flexibilidade para pagar melhor determinado pesquisador
> nem para tratar de forma diferenciada um departamento que tem potencial
> para produzir mais. Elas precisam poder ser mais flexíveis na sua
> administração. Esse é um ponto. De outro lado, as instituições têm de
> ser motivadas a buscar parceria com as empresas. Precisam ganhar alguma
> coisa com isso, mas também têm de perder se não o fizerem. Vou dar uma
> sugestão. Se cada departamento da universidade recebesse apenas 50% do
> seu orçamento e tivesse de levantar os outros 50%, já seria um grande
> estímulo. Poderia ser estipulado que o pesquisador receberá seu salário
> em dobro se o departamento conseguir mais dinheiro, mas receberá a
> metade se não conseguir nada. Isso os tiraria da inércia. Quando eu
> estudava na Universidade da Califórnia, em Berkeley, nos Estados Unidos,
> fecharam o departamento de biologia porque estava obsoleto. E é uma
> universidade pública. O departamento era antigo, tinha pesquisadores
> experientes e famosos, mas considerados ultrapassados. Depois de
> fechá-lo, a universidade foi ao mercado buscar uma nova geração de
> pesquisadores para substituir a antiga. E por que fizeram isso? Porque
> sabiam que se tivessem um departamento forte e atualizado conseguiriam
> dinheiro com mais facilidade junto ao governo e às empresas privadas.
>
> Veja – Que critérios uma universidade brasileira segue para definir suas
> linhas de pesquisa?
> Schwartzman – As decisões são individuais. A lógica é a que está na
> cabeça de cada pesquisador. Isso pode ser bom para a carreira dele, mas
> não é interessante para o país porque não há uma linha coerente. O
> pesquisador morre de medo de alguém dizer a ele o que deve pesquisar. E
> às vezes tem boas razões para isso. Concordo que o governo não pode
> definir o que deve ser pesquisado no país. Mas acho que cada instituição
> tem de eleger prioridades estratégicas, voltadas para as demandas da
> sociedade. Não tem sentido, por exemplo, o Brasil fortalecer sua
> pesquisa em física de partículas. Tivemos aqui pesquisadores importantes
> na década de 40, como Mario Schenberg e Cesar Lattes, que fizeram
> pesquisa de fronteira e publicaram artigos preciosos. Mas acabou aí.
> Depois disso ninguém fez mais nada. A física de partículas é hoje uma
> área bilionária. Depende de investimentos que nenhum país faz sozinho. O
> Brasil vai participar desse jogo para quê? E vai botar quanto dinheiro
> nisso?
>
> Veja – O governo distribui corretamente seus investimentos em pesquisa?
> Schwartzman – Esse é outro problema. O governo pulveriza muito os
> recursos. E os projetos contemplados não conseguem crescer. O CNPq
> (responsável pelo financiamento de pesquisas universitárias) criou o
> Instituto do Milênio, cuja idéia inicial era fortalecer alguns centros.
> Mas isso foi sendo pulverizado. Em vez de concentrar o dinheiro em
> centros de excelência, a estratégia foi diluir. É um critério
> democrático, mas com isso você não cria densidade. Dessa forma é
> impossível dar um salto de qualidade. A atividade científica é cara e
> concentrada. Não é para qualquer grupo. Hoje, a legislação brasileira
> exige que todas as universidades façam pesquisa. Isso só estimula uma
> mimetização. O professor participa de um congresso qualquer ou publica
> um artigo numa revista que ninguém lê. É algo que tem aparência de
> pesquisa, mas não produz conhecimento. Fazer pesquisa significa
> participar de um grupo seleto e muito exigente de pessoas que estão
> produzindo conhecimento de fronteira. É uma atividade que pouca gente
> faz. Por isso o investimento deveria ser concentrado, como acontece em
> países desenvolvidos.
>
> Veja – Sua pesquisa analisou universidades que conseguem associar
> ciência de excelência à relevância social ou econômica. Elas têm algum
> ponto em comum?
> Schwartzman – O principal fator é o humano. Em todos os casos que
> estudamos, havia um pesquisador com mentalidade empresarial, que liderou
> o processo de integração com o mercado. Mesmo nas universidades
> públicas, o líder de um departamento, além de ser bom na sua área, deve
> ter um perfil empreendedor. Precisa estar o tempo todo antenado com o
> que acontece fora da universidade para saber quais temas de pesquisa
> estão surgindo, quais as linhas mais promissoras e onde estão as
> oportunidades. Ele tem de saber convencer os outros da importância do
> seu trabalho. Isso cria uma dinâmica. Foi o que aconteceu no Instituto
> Tecnológico de Aeronáutica, que virou padrão internacional na área de
> engenharia. Por que o Exército ou a Marinha não conseguiram fazer nada
> parecido? Não foi por questão política. Foi porque colocaram gente de
> talento lá dentro. É preciso dar mais liberdade para que líderes de
> departamento com capacidade empreendedora possam agir.
>
> Veja – Como isso acontece nos países desenvolvidos?
> Schwartzman – Na Inglaterra, todas as universidades são públicas, mas
> são administradas como se fossem do setor privado. Elas têm agilidade
> para buscar recursos, identificar prioridades, contratar ou demitir
> gente e, principalmente, pagar de forma diferente profissionais
> diferentes. Um grande médico ou um grande químico não podem ganhar o
> mesmo que um professor de história, como acontece nos universidades
> públicas brasileiras. Nada contra os historiadores, mas esses
> profissionais são pagos de forma diferente no mercado. Se a universidade
> não fizer o mesmo, os mais qualificados irão atrás de oportunidades
> melhores na iniciativa privada. Nos Estados Unidos, as universidades
> trabalham com todo tipo de convênio e de parceria. Evidentemente
> produzem muito mais.
>
> Veja – O mau uso de verbas públicas por fundações ligadas a
> universidades originou um escândalo que resultou no afastamento do
> reitor da Universidade de Brasília. No Brasil, essa liberdade não pode
> dar margem a abusos?
> Schwartzman – Não há respostas óbvias para isso. Tudo precisa ser
> regulado. O caso das fundações é bastante interessante. Elas foram
> criadas para contornar a rigidez na administração das universidades
> públicas. Claro que há possibilidade de abusos, como aconteceu em
> Brasília. Mas fechá-las seria um desastre. Acho muito importante manter
> as fundações, sobretudo enquanto as universidades públicas estiverem
> submetidas à camisa-de-força do serviço público. Precisamos ver caso a
> caso se as irregularidades são de fato ações desonestas ou o exercício
> efetivo da flexibilidade para o qual elas foram criadas. Fundações estão
> submetidas à legislação própria de responsabilidade e transparência no
> uso de recursos, e, se há irregularidades, a solução não é fechá-las,
> mas aplicar as regras que existem.
>
> Veja – A economia brasileira está vivendo um período notável. A pesquisa
> acadêmica não tem se beneficiado disso?
> Schwartzman – Não o bastante. O Brasil está perdendo o bonde. O volume
> de investimento em pesquisa tem crescido a uma velocidade bem maior nos
> países desenvolvidos do que aqui. A distância está aumentando muito. O
> país não tem capacidade para atrair um investimento de qualidade porque
> não tem massa crítica. O atual governo fala muito sobre a questão da
> inclusão. Seu tema principal é o acesso à universidade. Acho isso um
> equívoco. Você não tem tanta gente para colocar na universidade porque o
> ensino médio está muito ruim. Essa política dá acesso a gente que não
> vai conseguir muita coisa. Não acho que o problema da desigualdade
> social passe pela inclusão na universidade. Seria melhor oferecer uma
> educação básica de qualidade. A função da universidade é produzir
> competência, gente bem formada e pesquisa de qualidade. A universidade
> tem de ter liberdade e estímulo para eleger prioridades. Hoje ela não
> tem nem uma coisa nem outra. O que devemos discutir é se essa
> universidade tem bons engenheiros, bons cientistas e se tem capacidade
> para oferecer serviços. O resto é secundário.
>
> --
> Francisco Cribari-Neto                           voice: +55-81-21267425
> Departamento de Estatística                 fax:       +55-81-21268422
> Universidade Federal de Pernambuco   e-mail: cribari@de.ufpe.br
> Recife/PE, 50740-540, Brazil         web: www.de.ufpe.br/~cribari/
>
>  "...but plagiarize, plagiarize, plagiarize, only be sure to always
>          call it please -- research"  (Tom Lehrer: Lobachevsky)