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Editorial do Estadão



O ESTADO DE SÃO PAULO, Quarta-Feira, 05 de Novembro de 2008 | Versão Impressa

O que retarda a pesquisa

Não é por falta de recursos que a pesquisa científica não avança mais depressa no Brasil. Há dinheiro em volume adequado para atender às necessidades do País, reconhecem os pesquisadores. Mas, por causa da burocracia, parte dele demora para chegar até o destino e outra parte fica sem utilização, aguardando a apresentação de bons projetos.

No encerramento da 60ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, em julho, o presidente da entidade, Marco Antonio Raupp, afirmou que "nunca tivemos uma capacidade maior de investimentos" e garantiu que "quem tem um bom projeto consegue o dinheiro". Os pesquisadores concordam com essa avaliação, como mostrou reportagem de Herton Escobar publicada domingo no Estado, embora ressalvem que "não há dinheiro sobrando" e que a maioria dos projetos financiados está nos Estados do Sudeste e do Sul, que abrigam as melhores instituições de ensino e pesquisa do País.

Estatística do Ministério da Ciência e Tecnologia mostra que o total de investimentos em pesquisa e desenvolvimento no País, incluindo fontes federais, estaduais e privadas, passou de R$ 11 bilhões em 2000 para R$ 23,7 bilhões em 2006. A verba destinada pelo Orçamento da União para o Ministério da Ciência e Tecnologia passou de R$ 1,6 bilhão em 2006 para R$ 5,5 bilhões em 2008 e pode chegar a R$ 6 bilhões em 2009. Já o orçamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) - principal fonte de financiamento de pesquisas no País - saltou de R$ 350 milhões em 2002 para R$ 2 bilhões neste ano.

No entanto, os órgãos públicos encarregados de administrar esses recursos e fazê-los chegar aos centros de pesquisa continuam com a mesma estrutura e seu pessoal não foi preparado para lidar com um volume maior de projetos. O resultado, como reconheceu o ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, é o atraso na liberação dos recursos. "O sistema está engarrafado, porque a quantidade de dinheiro aumentou muito, mas os caminhos que ele precisa percorrer para chegar aos pesquisadores não foram desobstruídos", disse Rezende.

É preciso reorganizar o sistema, recomenda o cientista Marcos Buckeridge, do Instituto de Biociências da USP e um dos coordenadores de um grande projeto de pesquisas em bioenergia (Bioen). Sem uma mudança estrutural e operacional no sistema de financiamento da pesquisa, o Brasil não será competitivo na área de ciência e tecnologia. Nos EUA, diz Buckeridge, o dinheiro chega depressa ao pesquisador; no Brasil, "quando conseguimos começar a pesquisa, já estamos atrasados e corremos o risco de chegar a resultados que já serão obsoletos".

O excesso de burocracia é um dos lados do problema. O outro é a falta de pesquisadores qualificados em áreas como biocombustíveis, bioinformática e fisiologia vegetal, diz Buckeridge, que prevê a necessidade de contratação de estrangeiros para o projeto Bioen.

Houve grande avanço na formação de doutores no Brasil. Entre 2000 e 2008, o número de doutores graduados por ano passou de pouco mais de 5 mil para quase 10 mil. O Brasil está entre os dez países que mais formam doutores no mundo. A quantidade de trabalhos publicados em revistas internacionais por pesquisadores brasileiros, por outro lado, passou de 9.500 para 19.400, o que representa 2% do total publicado. Mas isso não é suficiente. Quando se compara o número de doutores formados por ano com a população, o Brasil fica na 27ª posição entre 34 países.

É possível que a capacidade do sistema universitário brasileiro de formar doutores já esteja próxima do esgotamento, o que torna difícil o cumprimento da meta do Plano Nacional de Pós-Graduação de formar 16 mil doutores por ano a partir de 2010. Além disso, o sistema de pós-graduação precisa formar mais doutores em áreas aplicadas, como a engenharia, como fizeram países asiáticos de rápido crescimento, como a Coréia e a China. Isso exigirá um salto qualitativo notável do sistema, que até agora tem concentrado seus esforços na formação de doutores para a própria universidade, sem ênfase na formação de especialistas voltados para a inovação tecnológica, a pesquisa de ponta e a engenharia.

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Francisco Cribari-Neto, cribari@gmail.com, http://sites.google.com/site/cribari