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Falácias e ciência



Caros Redistas,

Constatei no meu exame de admissão em 1961 que para seguir
em frente nos estudos havia de transpor exames sérios,
onde os valores de competência e rigor científico
seriam soberanos. Dos 62 alunos que tentaram esse exame no
Colégio Marista em janeiro de 1981, 45 passaram e o restante
foi reprovado. Nada mais natural em um processo acadêmico!
No vestibular, os alunos que não conseguem aprovação nas
universidades públicas ? que usualmente são as melhores -,
procuram abrigo nas particulares.

Quando saí de Recife em 1975 para fazer mestrado em pesquisa
operacional, escolhi o melhor programa de mestrado nesta
área: a COPPE da UFRJ. Quando saí do Rio para fazer meu
doutorado no exterior, escolhi (em 1978) um dos melhores
programas de pós-graduação em estatística da Inglaterra,
que era o Imperial College (IC). À época, contava com
estatísticos de renome como David Cox,
John Nelder e Frank Yates, só para citar os três mais
importantes. Lá o ambiente era super-competitivo e arredio
aos "overseas" e não consegui fazer um único amigo. Entretanto,
saí de cabeça erguida e minha tese de doutorado foi aprovada por
Maurice Bartlett e David Cox. Antes de mim, vários latinos
(alguns até excelentes estatísticos hoje) passaram pelo IC e
desistiram no caminho, preferindo lugares mais amenos.

Criei em 1984 - com muito esforço-, e contra inúmeros professores
da física e computação daqui, o mestrado em estatística da UFPE, 
que hoje ocupa posição de destaque no cenário nacional contando
no seu corpo docente com vários pesquisadores de peso.
Quando estava hospedado na casa do Francisco Cribari
nos EUA, em fevereiro de 1996, recebi um email do Francisco
Louzada, então doutorando em Oxford. Ele me enviava um artigo
publicado no Canadian Journal of Statistics de 1995,
onde a UFPE aparecia no cenário mundial como a 4ª mais
produtiva per capita do mundo, contabilizando os 16
periódicos top de estatística. Era um mero indicador per
capita, mas isso aflorou a nossa alma pernambucana.
Depois eu enviei (com cumprimentos) cópias do artigo a todos
os professores que foram contra a abertura do mestrado
numa reunião do nosso conselho departamental. Antes
dos anos 80, a comunidade estatística daqui, pensava que a
gente só exportava bonecos de barro do Mestre Vitalino e
bolo de rolo. Agora estávamos exportando uma estatística
de qualidade!

Nos dias de hoje, extremamente desanimado com a academia
provinciana, constato que por pressão da CAPES, muitos
programas de pós-graduação só observam indicadores de
quantidade: número de dissertações defendidas, tempo médio
de titulação, mortalidade do alunado mas a qualidade
das dissertações não é levada em consideração. "Qualidade
zero e quantidade infinita" objetivam apenas esses
programas. Nesses termos, ocorre um verdadeiro oba-oba
em alguns cursos de pós-graduação do país, sem as condições
mínimas de meritocracia acadêmica. Alunos fazem até seus
cursos à distância com o conchavo de outros alunos e
professores locais. Muitas dissertações não seriam aprovadas
como projetos de final de curso de graduação de uma boa
universidade. Portanto, muitos mestres e doutores são
formados sem preparo algum para fazer ciência e essas
pessoas só almejam mesmo um diploma.

Eu imaginava que os valores "do toma lá dá cá e dos
conchavos e enganações" eram primazias do convívio
dos nossos políticos. Ledo engano! As falácias convivem
naturalmente com a ciência e estão muito presentes como
um verdadeiro flagelo na academia brasileira.
Pobre Brasil!


Bom final de semana para todos,

Gauss Cordeiro


"Amar é encontrar na felicidade de
outrem a própria felicidade."
(Gottfried Leibniz)