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Professores de Ética



Caros Redistas,

Como algumas não encontraram o artigo "Professores de Ética"
do grande escritor Frei Beto, publicado na Folha de São Paulo
do dia 27 de maio, segue abaixo.

Pessoas como José Gomes da Costa, Francisco Basílio Cavalcante,
Clélia Machado, Sebastião Breta e Fagner Tamborim, entre tantos
outros, nos deixam orgulhosos de sermos brasileiros, apesar dos
demandos e faz-de-conta no País que vão desde o congresso
nacional aos orgãos do executivo e judiciário, passando pelo
meio acadêmico.

Cordiais Saudações,

Gauss Cordeiro



                        Professores de Ética


                                          Frei Beto


A corrupção decorre da falta de caráter. Esta se manifesta, de modo
especial, quando a pessoa se vê investida de uma função de poder.

É TAUTOLÓGICO falar em falta de ética no Congresso Nacional. Os
escândalos se sucedem, do deputado que está "se lixando" para a
opinião pública aos funcionários do Senado que, a exemplo de notórios
senadores, ostentam um padrão de vida muito superior a seus
vencimentos e à renda declarada.

Felizmente, há exceções. Lástima que a indignação e o protesto de
congressistas íntegros tenham pouca ressonância nas ruas. Em geral,
noticiam-se a farra de passagens aéreas, os castelos mirabolantes, as
mansões paradisíacas. Poucos tomam conhecimento da coerência de
congressistas incorruptíveis. A corrupção decorre da falta de caráter.
Esta se manifesta, de modo especial, quando a pessoa se vê investida
de uma função de poder, do prefeito que se apropria dos recursos da
merenda escolar a congressistas que se julgam no direito de pagar, com
dinheiro público, o salário de sua empregada doméstica.

Como dar um basta em tanta maracutaia? Difícil. O ser humano padece de
duas limitações insuperáveis: defeito de fabricação e prazo de
validade. É o que a Bíblia chama de "pecado original". Sempre haverá
homens e mulheres desprovidos de caráter, de princípios éticos,
dispostos a não perder a primeira oportunidade de enriquecimento
ilícito. A solução é criar, via profunda reforma política,
instituições que inibam os corruptos e mecanismos de controle popular.
Em suma, tornar a nossa democracia, meramente delegativa, mais
representativa e, sobretudo, participativa.

Enquanto isso não acontece, sugiro que convidem, para ministrar um
curso de ética no Congresso Nacional, Suas Excelências José Gomes da
Costa, Rodrigo Botelho, Francisco Basílio Cavalcanti, Clélia Machado,
Sebastião Breta e Fagner Tamborim.

José Gomes da Costa é gari da Prefeitura de São Paulo. Ganha R$ 600
por mês. Vinte e seis vezes menos que um deputado federal. Com esse
salário, sustenta a si e três filhos. Dia 18 de maio último, ao varrer
a rua, encontrou um cheque no valor de R$ 2.514,95. José precisaria
trabalhar quatro meses, sem nenhuma despesa, para acumular essa
quantia. Procurou uma agência do banco e devolveu o cheque. Motivo:
vergonha na cara Gari, Rodrigo Botelho encontrou, em 26 de maio do ano
passado, durante campeonato mundial de tênis de mesa, no Rio, mochila
com R$ 3 mil em dinheiro. Viu o nome do dono nos documentos, chamou-o
pelo microfone e devolveu. Rodrigo é normal, tem caráter.

Francisco Basílio Cavalcante, faxineiro do aeroporto de Brasília, pai
de cinco filhos, ganha salário mínimo. No dia 10 de março de 2004,
encontrou uma bolsa de couro no banheiro do aeroporto. Dentro, US$ 10
mil. Se fosse juntar o salário que ganhava, sem gastar um só centavo,
levaria (à época) mais de sete anos para obter igual soma. Francisco
declarou: "Tem que ser assim. O que não é nosso precisa ser devolvido.
Não pode trazer felicidade".

Clélia Machado, 29, é auxiliar de serviços gerais e faz bico como
manicure. Sozinha, cria duas filhas, uma de sete anos, outra de nove.
Sua renda mensal não chega a R$ 550. Todos os dias ela faz a faxina do
banheiro do posto da Polícia Rodoviária Federal em Seberi (RS). A 11 de
março de 2008, encontrou, junto à privada, um pé de meia enrolado em
papel higiênico. Dentro, US$ 6.715. Clélia entregou os dólares aos
policiais.

Entrevistada, disse: "Bem que podia ser meu de verdade. Mas já que não
me pertencia, devolvi. Era o certo a fazer". O gari Sebastião Breta,
43, da Prefeitura de Cariacica (ES), devolveu os R$ 12.366 mil que
achou num malote no lixo. O nome do homem que fora roubado estava
gravado numa etiqueta. Sebastião ganha salário mínimo.

Indagado se pensou em ficar com o dinheiro, disse: "Nunca. Desde a
primeira vez que vi, sabia que devia devolver. Quando não consigo
pagar as minhas contas, fico doido, pensava o tempo todo como estaria
o dono do dinheiro, imaginava que ele também não podia pagar suas
contas porque tinha perdido tudo. Eu e minha mulher não conseguiríamos
dormir à noite. Acho esquisito pegar o que não é da gente".

Fagner Tamborim, 17 anos, entregador de jornais na cidade de Pirajuí,
a 398 km de São Paulo, ganha R$ 90 por mês. Enquanto pedalava sua
bicicleta, encontrou na rua um malote com R$ 6 mil. Devolveu-o ao
dono. "Vi que tinha muito dinheiro e cheques. Levei pra minha mãe, que
ligou para o banco."

O melhor do Brasil é o brasileiro, não necessariamente nossos congressistas.




(*)CARLOS ALBERTO LIBÂNIO CHRISTO, o Frei Betto, 64, frade dominicano
e escritor, é autor, em parceria com Verissimo, Cristovam Buarque e
outros, de "O Desafio Ético", entre outras obras. Foi assessor
especial da Presidência da República (2003-2004).