Roberta
de Abreu Lima
Oscar
Cabral |
Trajetória-relâmpago Ricardo, Renan e Alex (da esq. para a dir.): direto da escola para o mestrado |
A biografia dos estudantes que aparecem na foto acima contém um fato raríssimo que os faz destoar completamente da média: eles alcançaram o feito de saltar do ensino médio direto para a pós-graduação em matemática – sem jamais ter pisado numa faculdade. O grupo pertence ao Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa), no Rio de Janeiro, um dos melhores centros de pesquisa do mundo na área, de acordo com os rankings internacionais. Pois até mesmo ali, um celeiro de cérebros, a precocidade do trio chama atenção. Aos 18 anos, o catarinense Renan Finder já cursa o mestrado em matemática pura e cultiva o hábito de gravar na memória os problemas que, só por diversão, soluciona mentalmente nas horas vagas. O estudante resume o pensamento comum ao grupo dos prodígios: "Desde que me entendo por gente, penso o mundo como um matemático". Recrutados pelo Impa em olimpíadas dedicadas à disciplina, nas quais colecionaram medalhas, esses estudantes compõem um caso emblemático de como rastrear e lapidar talentos bem cedo pode trazer resultados excepcionais. Com todos os estímulos necessários, eles não apenas potencializaram suas aptidões como se conectaram a alguns dos melhores polos de pesquisa do mundo – algo decisivo para sua carreira. Avalia o doutor em matemática Seme Gebara: "Cultivar o talento dos jovens é crucial para o desenvolvimento de qualquer país – mas trata-se ainda de uma exceção no Brasil".
Há evidências científicas de que os estímulos providos desde muito cedo àqueles de talento especial para a matemática têm efeitos poderosos. Isso porque em nenhuma outra etapa da vida eles estão tão propensos a ser criativos com os números. Explica o especialista alemão Martin Grötschel, da Universidade Técnica de Berlim: "Os estudos mostram que, até cerca dos 20 anos, os jovens ainda não mecanizaram os caminhos para solucionar os problemas, o que deixa o cérebro mais livre para o exercício da criatividade – fundamental para avançar nesse campo". A teoria pode ajudar a entender por que tantos gênios da matemática afloraram ainda na adolescência. Foi com apenas 16 anos que o francês Blaise Pascal (1623-1662) criou seus primeiros teoremas na área da geo-metria. O americano John Nash, por sua vez, escreveu sua tese sobre a teoria dos jogos, aquela que lhe renderia o Prêmio Nobel de Economia em 1994, aos 21 anos.
Najlah Feanny/Corbis/Latin
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Genialidade
precoce O americano John Nash: ele ganhou o Nobel pela tese sobre a teoria dos jogos que escreveu aos 21 anos |
A história dos jovens prodígios do Impa reforça
ainda a ideia de como um ambiente favorável ao
aprendizado pode ser decisivo.
Em casa, todos eles receberam incentivos para que o
gosto pelas equações
se perpetuasse. "Desde pequeno, meu pai adorava me
colocar diante de desafios
matemáticos", lembra o paulista Ricardo Turolla, 21
anos, que na 8ª
série do ensino fundamental já havia resolvido 100% dos
exercícios
dos livros do 3º ano do ensino médio. Foi uma questão de
tempo
para que o pai de Ricardo, um engenheiro elétrico,
acabasse ultrapassado
pelo filho – hoje cursando o doutorado na área de
sistemas dinâmicos,
cujas aplicações vão da previsão do tempo às
cotações da bolsa de valores. Como esperado, o grupo
também
passou por boas escolas de ensino particular, onde
encontraram professores que
conseguiram mantê-los interessados, apesar do abismo que
os separava do
restante da turma. O fato de terem participado de uma
série de olimpíadas
de matemática – competições que têm revelado talentos
como o do pernambucano João Lucas Gambarra, 15 anos (veja
o quadro abaixo) – também foi relevante. Diz o carioca Alex Correa,
23 anos e um doutorado
recém-concluído: "Um ambiente tão competitivo é
desafiador à inteligência. Depois de uma olimpíada, eu já
pensava em me preparar para a seguinte". Sim, todos
estudam madrugada adentro.
Por exigência do Ministério da Educação (MEC), também
começaram a cursar a faculdade, pré-requisito para que o
título
de doutor seja válido no Brasil.
Como outros de sua geração, os três jovens do Impa gostam de videogame, cinema, internet e festas com amigos. O que os distingue é justamente a adoração pela matemática – disciplina que a maioria dos estudantes no Brasil não só detesta como ignora. Numa comparação com alunos de 57 países, conduzida pela OCDE (organização que reúne os mais desenvolvidos), os brasileiros patinaram na 54ª posição, à frente apenas da Turquia, Catar e Quirguistão. A razão central para o flagrante atraso em relação aos demais países diz respeito ao baixo nível dos professores. Para se ter uma ideia, apenas 4% dos docentes do ensino fundamental se especializaram na área. Entre os que têm o diploma, a situação não melhora muito: em exame aplicado pelo MEC aos recém-formados, menos de um terço das questões foi respondido corretamente. Estamos a anos-luz, portanto, daquilo que o matemático americano John Allen Paulos, autor do livro Innumeracy (em português, "analfamatismo"), verificou ser mais eficaz para o ensino da matéria: "O desafio é apresentá-la como uma fantástica ferramenta para enxergar o mundo em que vivemos".
Josue da Mata |
Coleção
de medalhas O destaque olímpico João Gambarra: seus livros já são os do doutorado |
No 2º ano do ensino médio, o pernambucano
João Lucas Gambarra, 15 anos, gosta de dedicar o tempo livre a
atividades
que causam estranheza aos colegas – todas relacionadas à matemática.
Atualmente, ele se divide entre a leitura de um calhamaço sobre análise
combinatória (indicado para alunos de doutorado) e a participação
diária num fórum em que gente de todas as idades discute a resolução
de problemas na internet. Frequentemente, o adolescente chega à resposta
antes de todo mundo. Medalhista em cinco olimpíadas de matemática
consecutivas entre escolas públicas, competição da qual participa
desde os 10 anos, João Lucas tem uma trajetória distinta da maioria
dos estudantes que sobressaem pelo talento. Filho de uma historiadora e
de um
professor do ensino fundamental, ele nunca teve condições financeiras
para estudar em escola particular, tampouco para comprar todos os livros
que o
interessavam. Cientes de sua aptidão fora do comum, no entanto, os pais
fizeram de tudo para incentivá-lo. Moradores do município de Princesa
Isabel, no interior da Paraíba, eles decidiram matricular João Lucas
numa escola pública da cidade vizinha, Quixaba, esta em Pernambuco –
justamente pela notória excelência. Entre os 7 000 habitantes
de lá, os feitos olímpicos do menino o alçaram à condição
de celebridade. "Desde pequeno, matemática para mim sempre foi pura
diversão", diz ele, que está em dúvida entre a carreira
de engenheiro e a de analista de sistemas.