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Deu na Época



Fonte: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI204422-15223,00-CADE+A+UNIVERSIDADE+ANUNCIADA+AQUI.html

23/01/2011 - 10:57 - ATUALIZADO EM 23/01/2011 - 11:17
Cadê universidade anunciada aqui?
O governo anunciou a maior expansãdas universidades federais da histó. Mas os novos cursos estãfuncionando com laboratós sem equipamento, em lugares improvisados e com professores voluntáos. Como a falta de planejamento aliada àressa eleitoral em expandir o ensino superior estárejudicando a formaç de milhares de alunos
ANA ARANHA
Ricardo Stuckert e Rogéo Cassimiro
PROMESSA VAZIA 
Acima, o terreno comprado pelo Ministéo da Educaç para o campus da universidade federal em Osasco, SãPaulo, hoje depóo de lixo. No detalhe, o ex-presidente Lula, em 2008, no lançento da pedra fundamental da universidade, quando plantou uma muda de jequitibádiv>

O governo do ex-presidente Luiz Ináo Lula da Silva foi o que mais expandiu o acesso àuniversidades federais na histó do paí Em oito anos, foram anunciadas 14 universidades e 125 campi novos. Juscelino Kubitschek foi o ú presidente a se aproximar dessa marca, com 11 universidades em cinco anos. Lula ampliou tambéo alcance das unidades jáxistentes no mais ambicioso programa de crescimento do setor: criou mais de 80 mil vagas, 70% de aumento em relaç a 2003. Lula foi pessoalmente lanç e inaugurar grande parte dessas universidades, ocasiõem que se vangloriava sobre como o presidente sem diploma foi o que mais trabalhou pelo ensino superior. “De todos os presidentes que o Brasil teve, uma parte foi advogado, outra foi professor. Eu, torneiro mecâco, jáou o presidente que mais fiz universidades”, disse na inauguraç da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, em Minas Gerais. Os nús e as imagens foram largamente propagandeados na campanha eleitoral da presidenta Dilma Rousseff, em 2010. Foram citados tambéno úo pronunciamento àaç, quando Lula se despediu em cadeia nacional no ráo e na TV com um discurso de balançdo governo. Nem Dilma nem Lula, poré revelaram como as universidades conseguiram operar o milagre da multiplicaç.

Gabriel Lordello
SEM PLANEJAMENTO 
No alto, laborató vazio do curso de engenharia do petró, porque nãháerba para comprar equipamento. abaixo, o professor Gilson Costa em seu futuro local de trabalho: um hotel onde 1.200 alunos universitáos vãter aulas a partir de març/div>
Tamara Saréwidth=
Rogéo Cassimiro
PROVISÓIO 
Acima, refeitó improvisado com dois micro-ondas. Um foi comprado pelo Centro Acadêco e o outro emprestado pelo dono da máina Xerox. Abaixo, Luana Câido, aluna de educaç fíca que cancelou pesquisa em nataç devido àalta de condiçs da piscina em clube alugado
Rogéo Cassimiro
Rogéo Cassimiro
IMPROVISO
Professor dáula no CEU, escola de ensino fundamental onde universitáos vãdividir espaçcom crianç.

Em um giro rádo pelas novas universidades, nãéifíl decifrar a equaç. A expansãfoi feita na base do improviso. Como a construç de préos levaria anos, as novas universidades tiveram de recorrer a uma espée de “puxadinho” para receber as turmas novas. No litoral do Rio de Janeiro, alunos assistem a aulas em contêeres. No Pará1.200 alunos vãestudar no espaçde eventos de um hotel. Algumas universidades recorreram àprefeituras, que “cederam” suas escolas municipais – em uma operaç que vira de ponta-cabeças prioridades do ensino púo no paí A soluç mais comum foi alugar espaç privados, como préos comerciais, coléos e faculdades.

A improvisaç se transformou na regra das novas universidades porque o motor da expansãparece ter seguido mais o ritmo da políca que o da educaç. Das 88 mil vagas criadas ao longo dos oito anos de governo, 46 mil foram abertas em 2009 – um ano antes das eleiçs presidenciais. Mas das 14 novas universidades anunciadas na campanha eleitoral, apenas quatro sãrealmente novas. As outras dez eram polos de universidades jáxistentes que ganharam reitoria próa.

O caso que mais chama a atenç éo campus da Universidade Federal de SãPaulo (Unifesp) de Osasco, regiãmetropolitana de SãPaulo. Em abril de 2008, Lula foi àidade para lanç a pedra fundamental docampus. No terreno de mais de 200.000 metros quadrados, plantou uma muda de jequitibáA comitiva reunia, entre outros, o ministro da Educaç, Fernando Haddad, o prefeito de Osasco, Emío de Souza, a entãpréandidata àrefeitura de SãPaulo, Marta Suplicy, e o entãgovernador de SãPaulo, Joséerra. Em seu discurso, Lula fez questãde se referir àresençdo deputado federal JoãPaulo Cunha (PT-SP), um dos ré do processo do mensalã “Se nãfosse ele, essa universidade nãsairia. Toda semana ele infernizava a vida do Fernando Haddad”, disse Lula.

Quase trêanos depois, o terreno estábandonado. A placa que anunciava as instalaçs estáaí no mato, ao lado de um local que virou despejo de lixo. Nãháinais da muda de jequitibáMesmo assim, a federal de Osasco foi motivo de propaganda na eleiç. De fato, as aulas vãcomeç em març mas serãministradas no préo de uma faculdade municipal que foi desalojada pela prefeitura, a Fac-Fito, para dar espaçpara a federal. Para abrigar os novos estudantes, os alunos da municipal foram transferidos para salas construís no fundo do terreno. “Éum absurdo. Eles vãtirar alunos de seu espaçsendo que a Unifesp tem um terreno hárêanos para seucampus”, diz a professora Máia Massaini, professora da faculdade municipal, demitida depois de organizar protesto contra a remoç. Dos quatro cursos que a Unifesp vai oferecer em Osasco, trêjáãoferecidos pela Fac-Fito.

O reitor da Unifesp, Walter Albertoni, diz que o terreno comprado pelo MEC, no qual jáoram gastos R$ 15 milhõcomo pagamento das primeiras parcelas, nãfoi nem serásado nos próos anos. Segundo ele, a decisãéãiniciar nenhuma obra enquanto nãterminar os outros campi, que estãatrasados. Ele élaro em relaç àmotivaçs para a criaç da unidade: “A abertura do campus de Osasco tem origem em uma demanda políca”, afirma. “A decisãsurgiu de um entendimento do prefeito de Osasco com o entãpresidente da Repúa e o ministro da Educaç.”

O projeto de expansãdas federais começ em 2005 e ganhou múo em 2007, com o programa para a Reestruturaç e Expansãdas Universidades Federais (Reuni). Com o programa, ficou determinado que apenas as universidades que apresentassem um plano de expansãao Ministéo da Educaç teriam mais verbas para investimento. Entre o primeiro e o úo ano do governo Lula, os investimentos em ensino superior foram de R$ 10 bilhõpara R$ 17 bilhõ “Ou vocêstava dentro ou estava fora. Quem ia perder uma oportunidade dessa?”, diz o vice-reitor da Universidade Federal do Espíto Santo, Reinaldo Centoducatte. Na criaç do Reuni, todas as federais aderiram. A exceç foi a Universidade Federal do ABC, criada em SãBernardo do Campo, cidade de Lula, que tem plano de investimento próo.

As universidades ganharam passe livre para gastar no aluguel e adaptaç de espaç provisós

Uma das orientaçs do Reuni éornar mais eficaz a aplicaç dos recursos do ensino superior. O Brasil, hoje, ém dos país que mais gastam por aluno do ensino superior e um dos que menos gastam por aluno da educaç báca – uma equaç que precisa ser mudada. Para diminuir os s custos do ensino superior, o ministéo determinou que a relaç de alunos por professor nas universidades deve crescer. Hoje, a méa ée um professor para cada 11 alunos. A meta éue todas as universidades cheguem a 18 alunos por professor. Enquanto aumentam a carga de trabalho dos professores, poré as universidades têpasse livre para gastar no aluguel e na adaptaç de espaç provisós, que serãdevolvidos a seus proprietáos.

Háois anos, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) abriu um campus na cidade de Joinville antes de ter a licençpara construir em um terreno cedido pela prefeitura e pelo governo do Estado. As aulas começam em auditós alugados na Univille, uma faculdade municipal. Com a entrada da terceira turma, neste ano, o espaçnãseráais suficiente. Por isso, a UFSC alugou um terreno dentro da faculdade onde vai construir um pavilhãde 1.000 metros quadrados com salas de aula, auditó e laboratós. Segundo Acires Dias, diretor do campus de Joinville, o pavilhãseráeito de açpara que possa ser removido. O campus vai ficar no local alugado no mímo mais dois anos.

 

   Reproduç
Acima, “contrato” em que professor voluntáo assume disciplina de pedagogia em federal do Amapádiv>

Os espaç provisós prejudicam especialmente as turmas que precisam de laboratós. Em Santos, cidade do Litoral Sul de SãPaulo, a Unifesp teve de fazer uma reforma na rede eléica de um dos préos alugados, pois nãatendia àexigêias para a instalaç de equipamentos. Os cursos existem desde 2005, mas a reforma sócou pronta em janeiro. “Ao longo destes anos, ganhamos verba para projetos, mas nãconseguimos instalar os equipamentos”, afirma Odair Aguiar Junior, professor da Unifesp em Santos. “Parte deles ficou dentro das caixas.” Segundo o reitor da Unifesp, Walter Albertoni, com a conclusãda reforma do préo provisó, os equipamentos poderãser instalados. Mas, em junho deste ano, o campus definitivo da Unifesp em Santos deveráicar pronto. O que siginifica que os investimentos para adaptaç do préo alugado sórvirãpor alguns meses.

Problemas de laborató nãsãexclusivos de universidades que estãem espaç alugados. No novo campus da Universidade Federal do Espíto Santo (Ufes), em SãMatheus, os estudantes de farmáa nãtêlaborató de farmacologia nem farmáa-escola. Eliana Dias dos Santos, aluna do 4o ano, foi enviada para aprender a práca em drogarias locais. “Nãéma boa escola. Em vez de aprender o procedimento correto, vocêáomeça conviver com prácas erradas, como vender reméo tarja preta sem prescriç.” Eliana tambéreclama da falta de professores. Ela estáabituada com os “aulõ – quando trêturmas ou mais assistem àesma aula para “aproveitar” o professor.

Para os cursos novos, o modelo incentivado é que começcom o ciclo báco. Nele, alunos de cursos diferentes estudam as mesmas disciplinas nos dois primeiros anos. Aléde ser um modelo elogiado por educadores, reduz a necessidade de contrataç de professores, jáue, nos primeiros anos, as salas têde 100 a 200 alunos. Segundo Gilma Correa Coutinho, coordenadora da terapia ocupacional da Ufes, seu curso foi aberto com apenas dois professores das disciplinas especícas. “Enquanto era possíl, nóobrimos, dando mais aulas que o previsto”, afirma. “Mas agora que os alunos saím do ciclo báco nãdáais, porque as aulas exigem conhecimento especíco, como em geriatria e pediatria.”

O aperto éanto que algumas universidades novas chegaram a usar um recurso bastante questionál: professores voluntáos. Eles assumem disciplinas sem passar por concurso e sem receber saláo. No inío de sua expansã a Ufes recorreu a esse expediente. Segundo a reitoria, poré a universidade nãusa mais esse tipo de “contrato”. Na Universidade Federal do Amapáa práca éomum. O curso de medicina, o primeiro curso superior na áa do Estado, terminou o ano passado com dois professores voluntáos na disciplina de anatomia. Tambéháasos de voluntáos nos cursos de pedagogia, educaç fíca e outros. “Ele nãpassa por concurso, nãrecebe saláo e nãtem obrigaç com nada”, diz a professora Marinalva Oliveira, presidente do Sindicato dos Docentes, que vai acionar o Ministéo Púo para denunciar a situaç.

O clima entre os professores da Universidade Federal do Oeste do ParáUfopa), criada em Santaré tambéée insatisfaç. O motivo é decisãda universidade de criar um curso de graduaç “dois em um” para formar professores de educaç báca. A ideia éue os formandos do curso sejam capazes de assumir duas disciplinas na escola: matemáca e fíca ou histó e geografia. Segundo o próitor de Planejamento da Ufopa, Aldo Gomes Queiroz, a uniãdas graduaçs responde àrgêia da educaç báca na regiã “Temos 6 mil professores de ensino fundamental e méo sem diploma, e eles dãaula em mais de uma disciplina.” Para o professor do ciclo báco da Ufopa Gilson Costa, o curso, poré vai formar profissionais que s nãdominam nem uma disciplina nem outra. “Sempre trabalhei com a interdisciplinaridade: vocêem de ter o péirme em uma áa para dialogar com outras”, afirma Costa, cientista social e engenheiro-agrôo com póraduaç em economia. “Mas o que estãfazendo aqui ém Frankenstein.” Costa diz que o curso “dois em um” ganhou um apelido entre os professores: Matafíca. “Mata a matemáca e a fíca.”

Anunciada pelo governo federal como uma das 14 novas universidades, a Ufopa foi criada a partir da fusãde um polo da Universidade Federal do Paráom a Federal Rural da Amazô. Sem estrutura para os cursos novos, neste ano 1.200 alunos vãassistir àaulas no espaçde eventos de um hotel de Santaré No interior do Estado, as aulas serãem escolas municipais. Esse mesmo expediente estáendo usado pela Unifesp de Guarulhos, onde alunos de 6 a 11 anos vãdividir um Centro de Educaç Unificado (CEU) com universitáos.

Procurado, o ministro da Educaç, Fernando Haddad, nãrespondeu aos pedidos de entrevista. Por meio de sua assessoria, disse que os problemas sãnaturais de um processo que estáo inío. Alguns dos cursos novos, poré jáormaram turmas sem a estrutura míma. Na Ufes, o curso de engenharia do petró existe háuatro anos e meio e ainda nãtem laborató. Alguns atéoram construís, mas nãháquipamento. Neste ano, os primeiros formandos começ a procurar trabalho em empresas como a Petrobras, mas sem a formaç necessáa. Em Santos, o curso de educaç fíca da Unifesp jáormou duas turmas, mas ainda nãtem um complexo esportivo próo. Os alunos usam clubes conveniados para as atividades. “No ano passado, descobrimos que nãpoderíos usar as quadras onde treinamos porque o clube vendeu a áa”, diz Luana de Oliveira Câido, aluna do curso. Ela desistiu de um projeto de iniciaç cientíca em nataç por falta de piscinas adequadas para medir o tempo e o batimento cardío dos nadadores.

Entre os especialistas em educaç, háonsenso de que a expansãdas universidades púas federais éma necessidade. Elas sãresponsáis hoje por apenas 14% do nú de alunos que ingressam no ensino superior. A rede privada responde por 76%. Na méa, as instituiçs púas continuam a ser as de maior qualidade porque, aléde dar aula, os professores fazem pesquisa. Aumentar o acesso àede púa federal éma forma, portanto, de atender àecessidade do paíde ter um nú maior de profissionais qualificados no mercado de trabalho. Mas para atender de fato a essa demanda, éreciso que essa expansãseja feita com planejamento para que a qualidade do ensino superior púo seja preservada e os investimentos (caros) deem retorno.

“De nada adianta criar uma universidade por decreto e depois começ a preencher os cargos sem planejamento. Qual é lóa desses investimentos?”, diz o cientista políco Simon Schwartzman, pesquisador especializado em educaç e mercado do trabalho do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade. Para Schwartzman, a ampliaç feita nos úos anos, aléde nãter sido planejada, reproduz alguns velhos problemas das universidades brasileiras. “O que mais vemos nas federais é expansãdas carreiras tradicionais. Nãháigaç entre a ampliaç e os estudos sobre demanda profissional.” Segundo Schwartzman, os cursos novos deveriam ter sido planejados de acordo com a necessidade de profissionais das regiõdo paí

Por enquanto, o governo federal alardeia os nús do aumento do ingresso nas universidades. As consequêias da falta de planejamento podem aparecer no futuro. Uma delas estáelacionada aos futuros formandos dos novos cursos: alguns com deficiêia de formaç, outros com especializaç em áas para as quais nãháemanda no mercado de trabalho. Outro problema poderáer a continuidade do financiamento da expansã O Reuni prevênvestimentos apenas até012. Depois disso, o orçento poderáoltar a cair. “Nãháecanismo institucional de financiamento da expansã, afirma Roberto Leher, especialista em ensino superior da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Se as universidades nãconseguirem fazer tudo até fim do programa, vamos ficar com estudantes novos, mas sem instalaçs e professores.” Para Leher, considerando quanto as obras estãatrasadas e todos os outros problemas, o paípoderáer para 2013 uma bomba-reló armada.

   Reproduç
Fonte: Ministéo da Educaç