[Prévia] [Próxima] [Prévia por assunto] [Próxima por assunto]
[Índice cronológico] [Índice de assunto]

Folha de SP (30/1)



GILBERTO DIMENSTEIN

O maravilhoso poder da indisciplina



Em teste internacional de qualidade de ensino, a China ficou em primeiro lugar; os EUA, em 17Â


UMA DAS IMAGENS atribuÃdas aos judeus à a neurose diante do desempenho nos estudos. Em parte à verdade: sÃo 0,2% da populaÃÃo mundial e 20% dos vencedores do PrÃmio Nobel e quase um terÃo dos matriculados em Harvard e no MIT. Mas isso à pouco com o que viria com os chineses, cerca de 20% dos habitantes do planeta.
Pelo menos à essa a sensaÃÃo, com certo toque de histeria, que està provocando aqui nos EUA um livro de uma professora de direito nascida na China e casada com um judeu, com quem teve duas filhas.
Amy Chua relata com orgulho a forma rÃgida com que educa as filhas: nada de TV, videogame ou sair com amigas; sÃo obrigadas a tirar as notas mais altas, exceto em educaÃÃo fÃsica; nÃo tÃm o direito de escolher as atividades extracurriculares; e devem tocar piano por pelo menos quatro horas por dia.
No livro, intitulado "Hino de Batalha de Uma MÃe Tigresa", o pai, judeu, aparece como alguÃm mais relaxado e flexÃve l diante da educaÃÃo das filhas, mas, por causa de um acordo nupcial, acaba cedendo diante do que seria o jeito chinÃs de educar na base da rÃgida disciplina.
A traduÃÃo para os americanos -e daà a repercussÃo da "mÃe tigre"- à que, com tanta disciplina, os chineses vÃo dominar o mundo, liderando as inovaÃÃes. NÃo vou entrar na questÃo econÃmica, mas na pedagÃgica: excesso de disciplina nÃo combina com criatividade.

Â

O debate em torno do livro reflete o crescimento chinÃs e a inseguranÃa dos EUA por causa do desemprego. Na semana passada, saiu uma pesquisa, baseada em 200 mil entrevistas, mostrando que nunca os estudantes universitÃrios americanos sentiram-se tÃo abalados psicologicamente. Temem que seja cada vez mais difÃcil conseguir uma vaga no mercado de trabalho. Veem os paÃses emergentes, a China em especial, como a grande ameaà §a.
Some-se a isso que, no Ãltimo teste internacional de qualidade de ensino, a China ficou em primeiro lugar; os Estados Unidos, em 17Â.

Â

A histÃria mostra, porÃm, que a inovaÃÃo se sustenta apenas ao longo do tempo em locais onde hà nÃo apenas apoio à pesquisa, mas aceitaÃÃo da diversidade e da indisciplina. O grande personagem de Harvard hoje à Mark Zuckerberg, um gÃnio indisciplinado na universidade.
Bill Gates nÃo acabou a faculdade; Steve Jobs tambÃm nÃo concluiu o ensino superior, onde apenas se interessou por caligrafia.
NÃo estou dizendo que uma naÃÃo nÃo depende de quem estuda duro e à disciplinado, mas sim que se nÃo houver espaÃo para a fantasia e o delÃrio nÃo surgem Facebook, Google, Microsoft, IBM ou Apple.
A revolucionÃria Sony, vista como exemplo do que seria o domÃnio dos japoneses, Ã hoje decadent e e comandada por um americano. No comunismo, os russos levaram um homem ao espaÃo, mas nÃo souberam virar um polo de inovaÃÃo.

Â

Na semana passada, estive num local que serve como a traduÃÃo arquitetÃnica perfeita do poder criativo da indisciplina. Ã o novo prÃdio do Media Lab, do MIT, dedicado a descobrir novas funÃÃes para a tecnologia da informaÃÃo.
NÃo hà salas de aulas. Os alunos montam seus currÃculos, usando outras faculdades. Um amontoado de projetos se espalha pelos andares, parecendo um conglomerado de garagens daqueles jovens inventores que transformam a casa dos pais em laboratÃrios.
Vemos desde carros cujas rodas encolhem depois de estacionados atà um centro de tecnologia da informaÃÃo dedicado à medicina -no MIT criou-se um departamento apenas para testar o uso da nanotecnologia contra o cÃncer.
Os grandes invent ores precisam de espaÃo para serem crianÃas, algumas vezes sem limite, para exercerem sua curiosidade.

Â

O mundo à dividido entre quem cria e quem copia. Os dois tipos sÃo necessÃrios e complementares.
Para ter, porÃm, muitos inovadores, excesso de disciplina nÃo funciona. Daà o erro, alertado por psicÃlogos, dos pais que pensam ajudar os filhos reduzindo seu direito de brincar e enchendo seu dia de atividades. Brincar à um dos melhores jeitos de se encantar pelas descobertas.

Â

PS- Viver aqui em Cambridge, onde estÃo Harvard e MIT, à sentir a disciplina na indisciplina, hà uma sensaÃÃo de que se pode reinventar tudo. Um professor de direito de Pernambuco, Marcos NÃbrega, que està fazendo pesquisas por aqui, resumiu sua experiÃnci a numa frase: "Aqui deve ser o Ãnico lugar do mundo onde se vai comprar um chiclete e se encontra um PrÃmio Nobel na fila".
Apesar disso, hà nesse ambiente laureado muito menos formalidade e muito mais flexibilidade e abertura para colaboraÃÃo do que nas melhores universidades brasileiras.
gdimen@uol.com.br



Â