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Deu na Folha de São Paulo



Folha de São Paulo, 10 de março de 2011

Um em quatro aprovados desiste da USP

Dos 10.652 nomes da 1ª chamada do vestibular, 2.562 (ou 24%) não fizeram a matrícula; em 2005, foram 13%

Reitoria, escolas e MEC atribuem fato a aumento de vagas nas federais, seleção via Enem e bolsas e financiamentos


LAURA CAPRIGLIONE
FÁBIO TAKAHASHI

DE SÃO PAULO

A USP, maior universidade pública do país, cujo logotipo impresso em um diploma é símbolo de excelência, essa universidade foi, neste ano, esnobada por nada menos do que um em cada quatro alunos aprovados no vestibular.
Dos 10.652 nomes que constavam na primeira chamada da Fuvest (fundação para o vestibular), 2.562 não se apresentaram para a matrícula. O resultado dessa espécie de evasão instantânea é que nunca foi tão gorda a lista da segunda chamada.
Em 2005, de 9.567 aprovados na Fuvest, 1.243 desistiram da USP na primeira chamada -dava 13% do total.
Cursinhos, reitoria da USP e MEC atribuem o fenômeno: 1) à multiplicação de vagas nas universidades federais (e em algumas estaduais); 2) ao Sisu (Sistema de Seleção Unificada do ministério), pelo qual um estudante pode disputar vagas em várias universidades públicas, fazendo apenas uma prova (o Enem); 3) ao ProUni (bolsas de estudo na rede privada); 4) ao Fies (financiamento estudantil do governo federal), que concede empréstimos para pagamento de mensalidades a juros de 3,4% ao ano.
"Na prática, o aumento do entorno tem impacto", admite a pró-reitora de graduação da USP, Telma Zorn.
Segundo o secretário de Ensino Superior do MEC, Luiz Claudio Costa, foram firmados 71.600 contratos pelo Fies em 2010, 420 mil bolsas de ProUni estão atualmente em vigor e o sistema federal de ensino superior admitirá 243,5 mil calouros em 2012 (em 2003, eram 110 mil).
"São novas alternativas de qualidade oferecendo-se aos jovens de todo o país", diz.
Há desde o rapaz que prefere ir para uma escola privada perto de sua casa ou do trabalho até aquele que, para fazer o curso desejado em uma instituição federal, até topa mudar de Estado (28% das vagas em disputa no Sisu foram preenchidas por alunos "migrantes").
O fenômeno das desistências na USP tem afetado as escolas de maneira diferenciada. Se na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo houve apenas uma desistência entre os 150 aprovados, o curso de fonoaudiologia de Bauru, com 40 vagas, ficaria às moscas se houvesse só a primeira chamada. Nada menos do que 39 evadiram-se antes da matrícula (97,5% do total).
Das 19 carreiras com índice de desistência maior ou igual a 40%, 16 estão em escolas do interior (Bauru, Ribeirão Preto, São Carlos, Pirassununga, Lorena).
A Fuvest já divulgou a terceira lista de aprovados, na expectativa de preencher 1.113 vagas ainda sem dono.
Os convocados, é óbvio, são candidatos que fizeram menos pontos do que os chamados na primeira e segunda listas. O curso de fonoaudiologia de Bauru, onde 65% das vagas continuam sem ter quem as queira, está chamando 26 estudantes.

ENTREVISTA

Aluno hoje tem mais opções, diz pró-reitora

DE SÃO PAULO

O fenômeno se deve à maior opção de universidades, e não à queda de prestígio da USP, diz Telma Zorn, pró-reitora de graduação. (LC e FT)

 

Folha - Como avaliar isso?
Telma Zorn -
A situação está mudando, o aumento do entorno tem impacto. Unesp, Unicamp e as federais se expandiram, todas boas opções, felizmente. Tem também o ProUni, que mais que duplicou suas bolsas de 2006 a 2011.

O aluno não pode achar que a USP está inferior?
Nenhum aluno de bom senso pode achar a USP pior que as outras. Vai ao contrário de tudo: é gratuita, tem inúmeras possibilidades artísticas e de esporte, que não há em outra. Não há desprestígio.


ANÁLISE

Democratização do ensino cobra mudanças na universidade

HÉLIO SCHWARTSMAN
ARTICULISTA DA FOLHA

Aos 77 anos, a USP precisa decidir o que quer ser quando crescer. Os números que a Folha publica hoje sugerem que a vetusta universidade paulista começa a ter arranhada sua até aqui incontestável posição de principal instituição do país.
É claro que a USP tem gordura para queimar. Ela aparece como primeira universidade brasileira em rankings internacionais e responde por cerca de 25% da produção científica do país.
Não é preciso, porém, ser gênio da matemática para prognosticar que, se os melhores alunos do ensino médio estão cada vez mais trocando a USP por outras instituições, é questão de tempo até que isso se reflita na excelência da universidade.
Apesar do marketing, o fator que mais pesa na qualidade de um curso ainda é a qualidade do corpo discente.
Existe, é claro, um lado bom nesse fato. Isso é possível porque surgiram bons centros em outros lugares, além de mecanismos -como Fies, ProUni e Sisu.
Não parece despropósito descrever o fenômeno como democratização do ensino superior. Isso cobra da USP um reposicionamento.
Há dois caminhos para a instituição. Ela pode tentar acompanhar e desenvolver novas formas de inclusão. A criação da USP Leste foi um passo. Mas é difícil afirmar que tenha sido um sucesso.
A outra possibilidade é tentar firmar-se como uma universidade de elite, voltada a formar os quadros que darão aulas em outras instituições e à produção de ciência básica. Embora muitos torçam o nariz à menção da palavra "elite", seguir essa rota não chega a ser estranho às tradições da USP.
Ficar no meio do caminho não parece uma opção sábia. De um lado, a democratização está ocorrendo. Alunos ricos ou pobres dependem cada vez menos da USP para cursar uma universidade.
De outro, a instituição enfrentará concorrência cada vez maior (mesmo fora do país) e deve pensar duas vezes antes de dispersar recursos em iniciativas que trarão dividendos duvidosos.


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Francisco Cribari-Neto, cribari@gmail.com, http://sites.google.com/site/cribari