O
pagamento de longo prazo de salários a cientistas feito por fundos
públicos vai exigir mudanças legais, mas creio que o esforço valeria a
pena
A pesquisa científica é crucial para o desenvolvimento e a prosperidade de longo prazo.
O Brasil vem elevando constantemente seus investimentos em
ciência, fato que resultou em uma
comunidade científica nacional
que cresce em dimensões e produtividade. Mas ela ainda não é rotineiramente competitiva nos níveis
mais altos, o que limita sua participação em inovações economicamente relevantes.
Não há razões para que isso não possa ser retificado, mas para isso
será necessária uma reorganização do modelo científico do Brasil.
Como diretor científico de um
instituto global de pesquisas, tenho
tido a oportunidade de comparar a
eficácia dos modelos científicos
usados por diferentes países. Estou
convencido de que a ciência é mais
bem organizada como uma meritocracia dinâmica que empodera o
cientista individual.
Isso geralmente se consegue
quando a maior parte dos recursos
disponíveis é canalizada por cientistas individuais, empregando um
processo que requer renovação em
intervalos regulares, baseada em
revisão por pares. Os custos da pesquisa científica, o salário do
cientista principal e os recursos para cobrir custos indiretos
incorridos pela instituição anfitriã são todos pagos diretamente ao
cientista.
Os salários precisam ser competitivos em comparação com os de
outras profissões, de modo a atrair
as melhores cabeças, e precisam
ser de mais longo prazo do que mero apoio a projetos individuais, para encorajar a tomada de riscos e
garantir alguma segurança.
Em última análise, contudo, os
salários pagos devem depender da
produtividade contínua com pesquisas. Todas as verbas para pesquisa
devem ser portáteis, gerando
competição entre instituições, e os
custos gerais podem representar
até 50% do financiamento total. O nível das verbas deve ser
significativo, com cientistas de mais alto nível comandando recursos de
US$ 1 milhão por ano ou mais.
Um sistema desse tipo poderia
aumentar em pouco tempo o número e a diversidade dos estabelecimentos de
pesquisa. Nos Estados
Unidos, entidades privadas ou públicas levantam fundos para construir
instalações de pesquisa de primeiro nível e oferecer a cientistas
de talento fundos iniciais para se estabelecerem nessas instituições.
Então, os cientistas ganham um prazo de três a cinco anos para começar a
atrair fundos para sustentar a si mesmos e à instituição.
Aqueles que não o fazem acabarão por perder suas posições.
É fato notório que, nos EUA, muitas das universidades mais bem-sucedidas
no campo da pesquisa, como Harvard, Yale e Stanford, são
instituições privadas. Não vejo razão pela qual instituições igualmente
prestigiosas não possam se
desenvolver no Brasil.
O pagamento de longo prazo de salários a cientistas feito diretamente
por fundos públicos vai exigir mudanças legais. Acredito, não obstante,
que o esforço valeria a pena. O Brasil já possui elementos básicos que
poderiam se converter no tipo de sistema acima exposto.
A Fapesp já paga "reserva técnica institucional", concretamente
um valor de 10% destinado a custos gerais, sobre a maioria dos tipos de
dotações. Ela também criou o programa Jovem Pesquisador, que oferece
salários diretos e apoio de pesquisa a jovens cientistas.
O CNPq paga uma bolsa de produtividade que representa um salário
pequeno, porém direto, a cientistas em processo de qualificação.
A reorganização não é panaceia.
Acredito que uma mudança fundamental no modo como a pesquisa
científica é organizada e financiada
facilitaria em muito a transição do
Brasil em líder inovador; o país tem
o talento para sê-lo e tem a necessidade de longo prazo de se tornar.
Tradução de CLARA ALLAIN.
ANDREW SIMPSON é diretor de pesquisas do
Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer de Nova
York. Foi um dos responsáveis pelo Projeto Genoma
Xylella, da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo).