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Fwd: O Mistério dos Pés Decepados e o Estatístico Maluco



Post do meu aluno Fabio.
Renato

---------- Mensagem encaminhada ----------
De: fabio rocha da silva <fabiorochadasilva@yahoo.com.br>
Data: 25 de outubro de 2011 09:45
Assunto: O Mistério dos Pés Decepados e o Estatístico Maluco
Para: "Pacotes_Estatisticos_1-2011@yahoogrupos.com.br" <Pacotes_Estatisticos_1-2011@yahoogrupos.com.br>, "grupoleste@est.ufmg.br" <grupoleste@est.ufmg.br>


 
Fábio Rocha
Estatístico
----- Mensagem encaminhada -----
De: Luis <matambre.recheado@gmail.com>
Para: janelalateral@googlegroups.com
Enviadas: Terça-feira, 25 de Outubro de 2011 9:30
Assunto: [JL] 314: O Mistério dos Pés Decepados e o Estatístico Maluco

O Mistério dos Pés Decepados e o Estatístico Maluco

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Desde agosto de 2007, onze pés humanos desarticulados foram encontrados na região fronteiriça de British Columbia, Canadá, e Washington, EUA. São pés soltos, sem corpos, embora, no que é ainda mais bizarro, todos calçassem tênis esportivos. Alguns ainda vestiam meia.
Especialistas consultados pela imprensa classificaram o mistério de “surpreendente” e “quase impossível de explicar”. Teorias inusitadas foram sugeridas, indo desde um naufrágio ou acidente de avião, dos quais os corpos nunca haviam sido recuperados, até que os pés poderiam ter vindo do Tsunami na distante Indonésia em 2004. De fato, um dos pés vestia um tênis vendido principalmente na Índia, e quase todos os tênis haviam sido fabricados antes de 2004.
Havia ainda o temor de que um psicopata com alguma fixação por cortar pés com tênis esportivos estivesse em ação. A resposta a este mistério, na continuação.
Para desvendar os pés decepados, é preciso conhecer um pouco da história de Abraham Wald. Ele foi um peculiar matemático judeu nascido na Europa que emigrou para os EUA fugindo da perseguição nazista. Wald aplicou sua mente a uma tarefa aparentemente simples: estimar a vulnerabilidade de aviões. Para isso, observou os aviões cheios de buracos que retornavam do front. Simples, não?
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Depois de elaborar sofisticadas técnicas de análise, contudo, sua recomendação pode soar absurda. Ele recomendou que as partes dos aviões que não haviam recebido tiros eram as mais vulneráveis, e deviam ser reforçadas. Algo como colocar um curativo onde não há um machucado. Por quê?
A resposta está nos aviões que ele analisou – eram os aviões que haviam retornado  do front. Wald levou em conta que os aviões que retornavam, ainda que cheios de buracos, haviam resistido às avarias o suficiente para fazer a viagem de volta. Os buracos indicavam os locais mais robustos, que podiam resistir a avaria, não os mais frágeis. Ao contrário, as áreas intactas apontavam as zonas que não podiam ser atingidas, pois se o fossem, os aviões seriam perdidos em combate. Os que retornavam com elas intactas haviam tido sorte.
A análise de Wald considerou o que se chama de viés de seleção: o conjunto de dados analisado já foi selecionado de alguma forma, e uma análise apropriada deve levar isto em conta. Aqui está outro exemplo: você já parou para se perguntar por que nunca dá ocupado quando você liga para o número errado?
Em verdade, o que ocorre é que geralmente percebemos que ligamos para o número errado apenas quando a pessoa do outro lado atende à ligação. Guardamos em nossa memória uma seleção muito peculiar de dados. Do contrário escutamos o sinal de ocupado sem nunca percebermos que ligamos para a pessoa errada. Um mistério aparente surge se não considerarmos que os dados que consideramos estão enviesados.
O que nos leva de volta ao mistério dos pés decepados. A solução ao mistério não envolve nenhum grande acidente, nenhum Tsunami levando pés por milhares de quilômetros, nem mesmo um maníaco com uma serra na mão.
A resposta simples é que os pés pertencem a pessoas que se suicidaram jogando-se nas águas nas proximidades da região. Aqueles que puderam ser identificados foram associados a vítimas com um histórico de depressão que haviam sido dadas como desaparecidas. Não havia nenhum sinal de que os membros tivessem sido separados com o uso de qualquer ferramenta, pelo contrário, estas extremidades se separam como parte da decomposição natural dos corpos e o pé mais recente foi encontrado ainda conectado a parte dos ossos da perna.
Mas por quê todos usavam tênis? Certamente não deve ser mera coincidência, e de fato não foi. Ocorre que tênis esportivos, projetados para serem leves, costumam boiar. Os suicidas que usam sapatos mais pesados acabam tendo seus pés, ainda que separados pelas correntes, depositados no fundo das águas. Já os que usavam tênis, podem tê-los flutuando por alguma distância até chegar à costa. O responsável por selecionar apenas os pés com tênis não é um psicopata, é apenas a força de flutuação da água.
Exatamente como os aviões atingidos, exatamente como o telefone ocupado, o mistério dos pés decepados é fruto de um inusitado, e um tanto mórbido, viés de seleção. Pode soar um tanto deprimente, porque o que ele significa é que há muito mais pés de suicidas nas águas por aí. Aqueles que usam sapatos dificilmente serão encontrados.
Para não encerrar neste tom sombrio, vale lembrar que mesmo esta coluna sofre de um viés de seleção. Apenas uma história chamativa como pés decepados acaba merecendo um post que você, por curiosidade, leu até aqui. Funcionou, não? Como todos os noticiários, é mais fácil vender histórias trágicas, mas isso não significa que o mundo seja um lugar cada vez mais tenebroso.
Há uma imensidão de boas notícias, de pequenos gestos e felicidades que nunca irão aparecer no Jornal Nacional. Qualquer análise, ainda que não seja estatística, deve levá-los em conta, e espero que conhecer algo sobre o viés de seleção ajude você a encarar as coisas de uma forma diferente. [via Marginal Revolution, BoingBoing]
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