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O que aconteceu com o Mestrado?



Sobre a lógica da titulação docentenas universidades e por uma comunidade acadêmica mais solidária


A história recente da universidade brasileira apresentou uma inflexão apartir da reforma de 1968. Com a necessidade de criação de cursos depós-graduação, gradativamente a titulação do pessoal docente foiassumindo maior importância no ambiente acadêmico. Inicialmente o títulode mestre teve papel de destaque, sendo motivo de orgulho para o docenteque se capacitava e para os departamentos que recebiam esses mestresrecém-titulados. Em dado momento, com a expansão de cursos de doutoradopor todo o país e com a valorização do título de doutor para incrementona produção científica nacional, a universidade parece ter esquecido suamissão com a formação cidadã dos jovens que nela ingressam. Aceitou osargumentos apresentados pelo staff acadêmico, de que se fazia necessáriojogar todas as fichas na atividade científica que resultasse empublicações em revistas especializadas, sendo necessário ter cada vezmais doutores em seus quadros. Progressivamente, o estímulo à capacitaçãose deu por meio do desprezo à titulação em nível de mestrado, tirando aspossibilidades dos mestres na coordenação de propostas em váriosprogramas acadêmicos. A universidade, que deveria exaltar a construção denovos conhecimentos a partir do trabalho compartilhado, se rendeu aosataques da lógica elitista, sobrevalorizando os doutores na captação derecursos em editais públicos, notadamente aqueles com alta produçãocientífica, expressa pelo número de artigos publicados em revistas dealto impacto. Muito do que se pode fazer em atividades integradas deensino e extensão, resultando em pesquisa, na formação de recursoshumanos em todas as áreas do conhecimento, foi represado a partir dalógica cientificista-produtivista, que deixou os mestres de fora naspossibilidades de concorrência em vários editais. Muitos mestres, comopção clara de atuação no ensino de graduação de qualidade, e comdesenvoltura para coordenação de equipes multidisciplinares, tiveram seusânimos arrefecidos pela ditadura "PHdista" instalada no seio dacomunidade acadêmica. Não se trata de desmerecer o título de doutor, masde não concordar com a depreciação do título de mestre. Há confusão atémesmo com a capacitação de pós-doutoramento, que muitos equivocadamenteatribuem como título de pós-doutor, jogando a lógica nefasta para cima edizendo que, ser "apenas" doutor, hoje, não basta. Nasinstituições de pesquisa é natural que o pensamento dos pesquisadoresseja a pesquisa. Mas nas universidades a lógica permeia aindissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, com a participaçãoefetiva de estudantes de graduação. E não há dúvida de que a universidadede qualidade é a que possui bons doutores e grupos de pesquisa deexpressão na comunidade científica. Para tanto, é importante que o alunode graduação se sinta contemplado em todos os aspectos de sua formação,para ter a segurança necessária para atuar como sujeito nas atividades deensino, de pesquisa e de extensão, e não ter o sentimento de ser apenasuma peça da máquina acadêmica, que funciona a partir da mão de obrabarata de seus estagiários e bolsistas. O mestre contribui formandopessoas, formando cidadãos, politizados o suficiente para exigirem que osprincípios democráticos prevaleçam na sociedade. Estudantes que temdignidade, responsabilidade e compromisso com o ethos acadêmico, sãoaqueles com futuro promissor nas atividades de pesquisa, na futuracapacitação na pós-graduação e no exercício profissional. O mestrecontribui com tudo isto e, portanto, não está desconectado do sistema,para cair no ostracismo duramente imposto pela academia. Quando o alunode graduação é o centro das atenções na universidade, o produtivismoperde sentido, a solidariedade é fortalecida, os valores se elevam e auniversidade avança em todos os aspectos. Como educadores, somos, antesde tudo, mestres. A titulação em nível de doutoramento, para os mestresque fizerem a opção, acontecerá naturalmente a partir da retomada de suastrajetórias acadêmicas, na orientação de estudantes, e na coordenação deprojetos e programas, atendidos em editais internos estrategicamenteelaborados para esta demanda, pelas respectivas pró-reitorias acadêmicas.Finalizo desejando que a ciência possa avançar com a participação de todaa comunidade universitária e que as universidades possam contribuir com aoferta de programas acadêmicos, cuja prerrogativa seja preservar oprotagonismo para seus especialistas e mestres, no futuro próximo.
Prof. Luciano da Silva Alonso - DBA/IB/UFRRJ
Mestre em Ciências (UFLA-2002) e Doutor em Ciências (USP-2005)
Tutor do Grupo PET Medicina Veterinária - MEC/SESu