[Prévia] [Próxima] [Prévia por assunto] [Próxima por assunto]
[Índice cronológico] [Índice de assunto]

Um bom artigo sobre a carreira proposta pela ANDES



Caros Redistas,

Segue um bom artigo abaixo para reflexão apenas (sem fazer qualquer juízo de valor) 
da Profa. Rose Clívia Santos da UNIFESP. Grato. Sds, Gauss



Por que a Carreira Docente Unificada da ANDES é tão Prejudicial as
Universidades? (Profa. Rose Santos) (Parte I)

Prezados Colegas,

Como afirmei nas 2 últimas assembleias e através de e-mails, sou
favorável ao término da greve porque o acordo feito já é bastante
satisfatório para os professores da Universidade e o que
é mais importante: A carreira Acadêmica atual foi protegida e
melhorada pelo Governo (segue em anexo o acordo).
Repassando e-mail da Profa. Rose Clivia (UNIFESP)

Estou convencida que a carreira docente proposta pela ANDES é um
desestímulo para a pesquisa brasileira. Entendo que os professores do
ensino básico, médio e das escolas técnicas possam desejá-la com unhas
e dentes, mas defenderei em qualquer fórum desse País que esta
carreira não é interessante para a Universidade. Portanto, não posso
concordar com a continuidade do movimento e os motivos que me fazem
chegar a esta conclusão serão expostos a seguir.

O trecho inicial da proposta de projeto de Lei da ANDES (ver documento
em anexo, ProjetodeLeiANDES.pdf) diz no seu artigo primeiro:

Art. 1º Fica consolidado o Plano de Carreira e Cargo de Professor
Federal que reestrutura as
carreiras e os cargos do magistério da União, incluídas suas
autarquias e fundações, nos termos desta Lei.

Todo magistério federal envolvendo o ensino básico, médio, técnico,
tecnológico e a Universidade Federal se enquadraria nesse plano de
carreira e cargos. Em uma primeira análise, pode parecer justo. Dois
professores com a mesma titulação, um lecionando no ensino básico
federal e o outro [WINDOWS-1252?]“ensinando” na Universidade, teriam o
mesmo salário caso tivessem o mesmo tempo de serviço público, pois
estariam exatamente no mesmo nível. Afinal ambos são Professores
Federais.

A proposta da ANDES é vendida como o melhor dos mundos. A simplicidade
é tão grande que é impossível não acender imediatamente em nosso
cérebro o pisca-alerta. Esta solução final, na verdade é um tiro no pé
das Universidades Federais e nos afetará cruelmente a médio e no longo
prazo.

Sabemos que a carreira acadêmica é permeada por uma competição
internacional. É necessário publicar, participar ou organizar
congressos nacionais e internacionais, orientar teses, participar da
extensão, ter envolvimento institucional além de ministrar as aulas.
Não reconhecer ou anular essa assimetria ou extrema desigualdade com o
Ensino Básico é a deficiência mortal da carreira unificada.

Muitas vocações e talentos científicos se perderiam pela simples
possibilidade de seguir uma carreira economicamente mais interessante,
menos estressante e o pior mais rápida. Vamos então a questão básica:
Onde seria mais fácil progredir na carreira, na Universidade ou no
Ensino Básico?

Considere a seguinte situação hipotética (mas provável).

Dois jovens talentosos concluem a graduação. O primeiro decide fazer
mestrado e doutorado (e pelo menos um pós-doc), pois deseja ser
professor Universitário. O outro, mais pragmático e já preocupado com
a carreira, opta por ficar como professor no ensino básico ou médio.
Como os 2 jovens evoluirão suas carreiras?

O graduado iniciará no nível 1 ganhando mais do que uma simples bolsa
e obviamente com as vantagens trabalhistas. Já o nosso candidato a
cientista levará em média mais 7 anos para terminar (mestrado,
doutorado e um 1 ano de pós-doc) e como é capacitado, vai entrar
imediatamente na Universidade (Nível 1). Para simplificar, vamos supor
que ele fez 2 anos de pós-doc (o resultado final não será muito
diferente se considerarmos 1 ano).

Após 8 anos o nosso Doutor com Pós-doc terá entrado na Universidade
[WINDOWS-1252?]– Nível 1 (com doutorado) enquanto o nosso graduado
(igualmente talentoso) já terá subido 4 posições e estará no nível 5.
Embora em ritmo mais lento, poderá ter feito o Mestrado, pois afinal
foram 8 anos. Assim, pedirá afastamento para fazer o doutorado e já
que durante o curso contará preciosos níveis a cada 2 anos. Ao final
dos 4 anos terá seu título de doutor e estará agora no nível 7 (levou
12 anos para concluir o doutorado e atingir esse nível). Nesse tempo,
o nosso “cientista desavisado” (convivendo com todas as atribulações
acadêmicas) atingirá o nível 3. Isto se conseguir, pois sabemos que a
carreira na Universidade é certamente muito mais exigente.

Ao fim e ao cabo, o nosso graduado pragmático (sem ter tido o estresse
de viver 8 anos com bolsa) estará ganhando mais (pois será nível 7 com
doutorado!) e fatalmente chegará ao nível 13 de sua carreira no ensino
básico 8 anos antes e com o mesmo salário que um dia obterá o nosso
candidato a cientista (8 anos depois). Siga os passos acima
diretamente no gráfico apresentado em anexo (ComparaçãoF2.pdf - Nas
linhas de progressão superpostas ao gráfico a progressão ocorre a cada
2 anos enquanto no projeto da ANDES em apenas 18 meses (1,5 anos).
Portanto, a discrepância entre os professores do básico e
universitário será no final ainda maior.).

Não tenham dúvidas que essa assimetria será imediatamente percebida
pelos mais jovens e vai determinar escolhas futuras.

É por isso pessoal que essa carreira é perfeita para o ensino básico e
um tiro no pé da Universidade. Inevitavelmente, impactará
negativamente na formação de nossos recursos humanos em ciência e
tecnologia (C&T). Além disso, uma vez sendo aceita a Unificação, a
ANDES terá a eterna gratidão do ensino básico, médio e técnico,
passando simbioticamente a ser deles dependente. No futuro seremos
minoritários (como já estamos na eminência de ser). Lembrem que de uma
tacada só o governo Lula construiu mais de 200 escolas técnicas e mais
ainda precisa e deverão ser construídas. Passaremos então a ouvir
coisas do tipo: Olha, mas se temos a mesma atribuição e a mesma
carreira, os docentes das Universidades também devem ter a mesma carga
horária. Nada mais justo! Esse será o golpe final na pesquisa
realizada nas Universidades Federais. Retrucaremos dizendo sim, mas
nós temos outras atribuições e imediatamente escutaremos: nós também,
cara pálida! Convenhamos que não será difícil provar.

Por que isso não foi percebido antes? Porque a ANDES quer empurrar a
carreira goela abaixo dos docentes Universitários, sem discussão,
feito um rolo compressor. Pior, usando os números da greve para nos
pressionar e manter calados, cobrindo o velório da pesquisa com o
manto sagrado da justiça social. A defesa obcecada dessa carreira é
inadmissível e beira as raias do golpe. Parece que as consequências
para a Universidade não foram analisadas com a devida profundidade.
Isto não ocorreu por culpa do professorado e sim porque discussões de
fundo vem sendo evitadas ao longo dessa greve. Tudo é meio
pirotécnico. No calor das assembleias o que importa é empurrar o
movimento adiante.

Afirmei na assembleia de Vila Clementino (06/08) que o governo jamais
aceitará esta carreira unificada. Creio também que todo Governo sério,
realmente preocupado com uma política científica de estado e qualquer
que seja sua orientação política (direita, centro-direita, centro,
centro-esquerda ou de esquerda), jamais concordará com tamanha
insanidade. Isso não é compatível com um mundo globalizado, onde quem
não tem C&T passará a ser na prática os verdadeiros indígenas do
século XXI. Nossos ancestrais Pré-colombianos, apesar da cultura
vigorosa enquanto visão filosófica do mundo, foram aniquilados pois
não tinham a ciência e a técnica dos “bárbaros europeus”.

Aprendi numa Universidade Federal Nordestina, que nós docentes das
Universidades Públicas temos o dever para com o nosso povo de
alavancar e defender as conquistas do País na área de recursos humanos
para C&T. Somos nós professores das Universidades Federais, juntamente
com as Estaduais e os institutos de Pesquisa do MCT, que entendemos
mais claramente a sua importância. Portanto, somos os interlocutores
naturais dessa inter-relação simbiótica entre Ciência e
Desenvolvimento1.

Assim, no meu entender, não podemos permitir que a ANDES continue
forçando o governo a passar essa carreira. Continuar a greve agora
tendo a carreira como uma das justificativas é uma espécie de marcha
da insensatez. Não podemos seguir essa rota. Essa carreira é ruim para
as Universidades e para o País.

Sua defesa é muito interessante para a ANDES que passará a representar
quase todo o magistério da União. Isto representará milhares de novos
associados extremamente fiéis, oriundos dos ensinos básico e médio.
Para a ANDES, é também uma questão de contabilidade envolvendo grande
número de associados e também de poder para turbinar ações políticas.
Isso não implica necessariamente numa defesa de nossos interesses
enquanto Docentes das Universidades Federais e muito menos da Nação
como um todo enquanto Estado imerso nesse mundo globalizado e mutante.

NÃO acredito que o Governo Federal reabra negociações para discutir
uma carreira que prejudique as Universidades Federais e seu parque
científico e tecnológico obtido a custas do suor e do trabalho do povo
brasileiro e de pesquisadores experientes que foram beneficiados por
uma política de sucesso (CAPES-PICD-CNPq), cuja implementação foi
iniciada há cerca de 40 anos atrás.

Mais ganhos salariais? Até poderia ser, mas não nessa conjuntura de
crise, onde professores Universitários europeus estão diminuindo o
salário e a carreira docente no Brasil se tornando cada vez mais
valiosa e atrativa para estrangeiros. Tivemos ganhos reais. Contando
de Adjunto I até Titular, por exemplo, o acordo garante entre 31% e
40%. O MEC e seus auxiliares sabem que os melhores pesquisadores deste
País estão ocupados demais com a própria pesquisa para lutarem ou
cuidarem dos interesses das novas gerações e, portanto, não estão
participando dessa greve (a maioria até porque já fizeram uma
carreira!). Além disso, já temos uma carreira compatível com a
modernidade.

Graças ao nosso movimento não teremos a partir de agora concurso para
professor Titular (Ver Acordo em anexo, Acordo.pdf). A passagem para o
último nível virá através de progressão como no mundo inteiro. A única
exceção é a reserva dos 5%, a qual será esporadicamente utilizado para
criação de uma nova área de pesquisa, o que é bastante salutar. Apenas
neste caso um professor externo poderá se candidatar. Esse foi um dos
ganhos da greve que a ANDES insiste em não reconhecer.

Acredito que deveríamos agora organizar a saída, pois não existem mais
vantagens a serem conquistadas. Devemos futuramente ter coragem
suficiente para dizer a ANDES que não queremos participar da Carreira
Unificada. Tudo bem que proponham uma nova carreira decente para os
ensinos básico, médio e técnico a nível federal. Isso é justo, urgente
e necessário, pois servirá de exemplo para a educação que queremos
para nossos filhos. Mas a carreira Acadêmica existente é adequada e já
segue o padrão internacional. Precisamos de 2 carreiras pois os
objetivos são distintos. Temos também a certeza que nossos alunos já
foram demasiadamente penalizados com essa greve, tendo como pano de
fundo a construção de um grande mito: A Carreira Unificada. Não
poderia dar certo.

Cordialmente,

Rose.

1Nesse sentido seria interessante estimular os alunos a lerem o livro
do Físico brasileiro Leite Lopes – Ciência e Libertação (1968), ou
ainda Ciência e Desenvolvimento do Físico e Filósofo da Ciência
argentino Mario Bunge (Itatiaia, 1980), isto para citar apenas autores
latino americanos. Embora antigos e, portanto, com alguns temas atuais
não discutidos (ex. biodiversidade, fontes alternativas de energia,
clima, etc), creio que a leitura deles ajudará os estudantes a
perceberem o nosso contexto, evitando no futuro descaminhos que nos
reconduzam ao atraso.

-------
Rose Clívia Santos
Professora Adjunto I
Setor de Física e Matemática - Departamento de Ciências Exatas e da Terra
Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - Campus Diadema