[Prévia] [Próxima] [Prévia por assunto] [Próxima por assunto]
[Índice cronológico] [Índice de assunto]

Névoa da greve



Névoa da greve

Luis Paulo Vieira Braga

O PL 4368/2012 que reestrutura o plano de carreira e cargos para os professores federais mal foi encaminhado ao Congresso Nacional, por onde poderá perambular por muito tempo, sem chegar a lugar algum, como foi o caso do PL 2203/2011,  e já recebe, indiretamente, críticas por parte daqueles que foram nas assembléias docentes exclusivamente para votar o fim da greve e aceitar a proposta do governo. Não me refiro aos ativistas governistas, mas aos iluminados que desejam implantar na universidade um regime diferenciado de remuneração baseado no mérito. Um deles, comemora em rede a derrota do projeto do ANDES-SN, que não seria adotado “nem em quartel”. Aliás, nas forças armadas um oficial que é reformado jamais poderia recomeçar uma nova carreira militar, como é o caso do autor do comentário, reingresso no mesmo departamento por onde se aposentou, procedimento que se generaliza nas IFES em todo o país. Mérito é uma palavra de consenso, mas com a exceção dos gênios, na hora de escolher a métrica, que vai definir quem pode mais, é que os problemas começam.

O prof. R.P.(UNICAMP) assinala que: a) quantidade de publicações; b) qualidade e   c) impacto poderiam constituir uma base de referencias para se avaliar o mérito. Atualmente a CAPES e o CNPq centram apenas em a) e b). Para ele, a ciência brasileira é pouco citada, inclusive por brasileiros, exceto quando se trata de citar a si próprio. Já o prof. R.C.C.L(UNICAMP) discorda da utilização dos periódicos que constam do SCIELO, devendo se restringir àqueles do WEB of SCIENCE. Tampouco vê com simpatia a incorporação de patentes obtidas como um indicador de mérito, mas o volume de royalties talvez pudesse ser uma opção! Para outros, deveria haver algum critério de utilidade social para um projeto de pesquisa poder receber algm apoio oficial. Todos, entretanto, se sentem constrangidos com a posição do Brasil em relação a outros países no tocante às universidades e a pesquisa. Para uns, o motivo é a burocracia engessada das universidades que dificulta contratações de pessoal e compra de equipamentos, profa. M.Z.(USP). Mas para a maioria, o motivo principal é a escala de salários que, segundo o prof. E.B.(USP), paga a mesma coisa para quem produz muito e para quem não produz nada. Por esse motivo, por exemplo, dificilmente o detentor de um prêmio Nobel viria trabalhar em uma universidade federal. Como o estoque de recursos monetários é finito, a solução defendida pelos auto-definidos produtivos é sinistra – aumentar o próprio salário, reduzindo o de seus colegas. Não é outro o sentido da intervenção da profa. R.C.S. da UNIFESP, postado em destaque na página do PROIFES, para quem não há sentido que dois professores federais, um do Ensino Básico e Tecnológico, outro do Ensino Superior, com mesmo tempo de serviço, regime de trabalho e titulação ganhem o mesmo salário básico! Não há paralelo nas corporações (no bom sentido da palavra) de tamanha reivindicação:    - Aumentar o próprio salário em detrimento daquele do seu colega. Essa posição é tão mais absurda quando se constata que professores com atuação na PG ganham bolsas de produtividade científica diretamente de agências financiadoras, taxas de bancada para custear insumos necessários à pesquisa, diárias e passagens para participar de eventos. Ainda em muitos casos conjugam os seus trabalhos de pesquisa com projetos de consultoria através de Fundações. Portanto, os docentes nessa categoria, que são a minoria dos professores federais, já ganham mais do que os seus congêneres.

Os iluminados cometem equívocos que têm lhes custado caro e que distorce a função da universidade. O primeiro deles é considerar que tudo o que fazem é pesquisa estrito senso, na verdade, muitos dos artigos, oriundos de teses de mestrado e doutorado, são atividades de ensino, nas quais o candidato ao título aprende como desenvolver uma pesquisa. Isso talvez explique a diferença que o prof. R.P. encontra na produção científica brasileira – aquela que tem impacto e a que não tem. O segundo é ter construído o sistema de pós à margem da administração central das IFES, o que, se por um lado, deu agilidade e dinamismo aos cursos de pós, por outro, não subverteu o velho modelo estatal burocrático de universidade federal, que convive com o enclave da pós-graduação moderna e inovadora. O terceiro é ter aceito a remuneração de produtividade em pesquisa na forma de bolsa,  o MEC e o MCT tornaram-se a LBA dos professores (o próprio governo central tornou-se uma imensa LBA do povo brasileiro), que não é contabilizada para fins de encargos sociais. O quarto é referendar as Fundações, um verdadeiro atentado à autonomia universitária e fonte de corrupção, ao invés de proceder os projetos através da administração central. O quinto, e  ao meu ver o pior de todos, é o desbalanceamneto do tripé ensino-pesquisa-extensão, dando ao componente pesquisa um peso muito maior. Essa atitude desfigura a finalidade da universidade, punindo as vocações que se dedicam à formação de graduandos para a vida profissional e social nos mais diversos aspectos, pontuando pouco, por exemplo, a publicação de livros didáticos.

A verdade, a racionalidade e a objetividade não existem per si. Em cada época, em cada segmento, um grupo dominante estabelece as convenções que vão prevalecer. A diferença entre  a sociopatia e a empatia é a capacidade de avaliar os resultados de seus atos, quando essa capacidade não existe, temos a guerra, digo a greve.