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MEU FILHO ESTÁ TERMINANDO O ENSINO FUNDAMENTAL WALDORF. E AGORA?

Valdemar W. Setzer
www.ime.usp.br/~vwsetzer
Original de 5/8/10. Esta versão: 1.7 de 16/12/17.

Em realidade, na escola não devemos aprender para saber, mas
devemos aprender para sempre podermos aprender com a vida.
Rudolf Steiner, palestra de 16/8/1922 em Oxford (Steiner 1979)

1. Introdução.

Sílvia Souza contou-me que seu sobrinho está concluindo o ensino fundamental em uma escola Waldorf, e que alguns pais e alunos de sua classe estão analisando se permanecem na escola ou se migram para uma escola de ensino tradicional.

Neste artigo, enumero as razões que podem levar pais e alunos a tomarem essa atitude. Em seguida, comento uma por uma, para depois abordar alguns problemas adicionais do ensino tradicional e finalmente tirar algumas conclusões do que foi exposto. Recomendo que este artigo seja lido até o fim antes de se acionar algum dos vínculos (links), pois esse acionamento produz distração e quebra do fluxo de compreensão e memorização.

Como este artigo estará disponível em meu site para o público em geral, faço breves esclarecimentos sobre a pedagogia Waldorf, à medida do necessário, a fim de tornar o texto mais compreensível para os que não o conhecem. Para maiores informações sobre esse método, vejam-se a seção de pedagogia Waldorf do site da Sociedade Antroposófica no Brasil e o site da Federação das Escolas Waldorf no Brasil. Muitas escolas Waldorf têm também artigos sobre a pedagogia em seu site; uma lista dessas escolas na América Latina, com seu endereço e vínculo para seu site pode ser encontrada no Diretório de Pedagogia Waldorf para a América Latina, e também no Diretório de Jardins de Infância Waldorf no Brasil.

Para distinguir as séries do método Waldorf das séries do ensino tradicional, vou denominar as primeiras de "anos". Assim, o 1º ano Waldorf, onde as crianças começam a ser lentamente alfabetizadas, e onde elas entram em geral com 6½ a 7 anos corresponde, no momento em que escrevo a primeira versão deste artigo, à 2ª série do ensino fundamental.

Desde sua fundação por Rudolf Steiner em 1919 as escolas Waldorf sempre tiveram um ensino continuado, isto é, não existem reprovações, a não ser em casos muito excepcionais de atraso de um ano por falta de maturidade ou, pelo contrário, adiantamento de um ano pelo excesso dela por parte de um aluno; para uma decisão em um desses casos segue-se um extenso processo, onde participam os professores do aluno, o médico escolar, eventuais terapeutas ativos na escola e os pais. Em princípio, não há provas e exames, a não ser no ensino médio, quando algumas escolas fazem-nos para acostumar o aluno ao sistema acadêmico que encontrarão nas faculdades. O ensino fundamental Waldorf vai do 1º ao 8º ano, e o médio do 9º ao 12º (uma tradição europeia e americana). No ensino fundamental existe a figura essencial do ‘professor de classe’, que idealmente pega uma classe no 1º ano e a leva até o 8º, dando todas as matérias principais, o que exclui em geral educação física, artes, artesanato, línguas estrangeiras (quando ele não as domina – o método recomenda o ensino de duas durante todos os 12 anos), jardinagem etc. No ensino médio passa a vigorar a figura do ‘tutor de classe’, que a acompanha durante os 4 anos, com reuniões semanais com os alunos para acompanhar o desenvolvimento da classe e de cada um. Uma das características fundamentais das escolas Waldorf é o intenso ensino artístico e artesanal, que não se limita a aulas específicas: todas as matérias deveriam ser dadas artisticamente, especialmente no ensino fundamental.

Há duas características fundamentais na pedagogia Waldorf: o conhecimento do desenvolvimento da criança e do adolescente transmitido por Rudolf Steiner e aperfeiçoado pela prática da pedagogia, e o tratamento individual de cada aluno por parte de todos os seus professores, durante toda a escolarização. O currículo Waldorf é uma consequência direta do primeiro ponto, isto é, o que é ensinado e como isso é feito é orientado pelo conhecimento da maturidade global do aluno, o que inclui seus sentimentos, características mentais, e a psicologia própria da idade.

2. Razões para tirar um filho de uma escola Waldorf

Penso que os argumentos contra um aluno fazer o ensino médio em uma escola Waldorf sejam os seguintes:

  • As escolas Waldorf não preparam para os exames vestibulares.
  • As escolas Waldorf dão mais ênfase a matérias não científicas.
  • As escolas Waldorf não preparam os alunos para enfrentar o mercado de trabalho.
  • As escolas Waldorf apresentam um ambiente irreal.
3. Exame dos argumentos

3.1 A questão dos exames vestibulares

A primeira consideração que se deve fazer é que esses exames são uma realidade, mas são absurdos. Depois de ter experiência de ensino universitário na USP desde 1964 considero que o resultado do vestibular não tem quase nada a ver com o desempenho do aluno na faculdade. Em outras palavras, passar um vestibular não é garantia de que o jovem será um bom aluno na universidade. Pior, não é em absoluto garantia de que ele será posteriormente um bom profissional. A única coisa que um vestibular garante é que o jovem que o passou sabia responder as perguntas específicas daquele exame melhor do que outros jovens. É praticamente garantido que, passados alguns meses sem a continuidade do preparo para o exame, o desempenho será totalmente diferente, isto é, muito pior. Também é praticamente garantido que os professores universitários não passariam um vestibular concorrido sem que se preparassem para ele. Em outras palavras, o conhecimento necessário para passar um vestibular é momentâneo e não tem quase nada a ver com a vida acadêmica e profissional posterior.

Se uma escola é especializada em preparar para vestibulares específicos, ela se torna também um absurdo. O que o jovem deve ter é uma formação geral, e não uma formação específica. Mas formação geral significa o desenvolvimento global em conhecimento, em maturidade e em capacidade em três áreas absolutamente fundamentais: as áreas intelectual, artística/artesanal e social. Para os exames vestibulares, apenas o desenvolvimento intelectual é essencial; com um bom desenvolvimento nessa área, um semestre ou dois de cursinho preparatório razoável colocam dentro de qualquer faculdade qualquer aluno com capacidade de estudo.

Por que as outras duas áreas, a artística/artesanal e a social são essenciais? Acontece que o ser humano não é só intelecto. A atividade artística está relacionada com dois aspectos fundamentais: a sensibilidade artística, isto é, para com o belo, e a capacidade criativa. Criatividade é baseada em fantasia, isto é, ter novas ideias, e na capacidade de concretizá-las no mundo real. Ora, fantasia tem que ser desenvolvida e exercida em um ambiente mal definido, como é justamente o ambiente sobre o qual se exerce qualquer atividade artística, contrariamente ao ambiente científico ou intelectual apresentado aos alunos nesse nível. Em geral, os professores de ciências tendem a passar uma imagem de conhecimento absoluto da ciência. Por exemplo, pergunto aos meus leitores: quantos de vocês aprenderam no ensino médio que um átomo não é um sistema planetário, com os elétrons girando em torno do núcleo? Como eles têm carga elétrica, a aceleração para mudarem de direção produziria irradiação eletromagnética, com isso eles iriam perder energia e deveriam cair no núcleo em um movimento espiral. (Ver, por exemplo, http://library.thinkquest.org/19662/low/eng/exp-rutherford.html.) Gostaria imensamente de conhecer pessoas cujos professores lhes tivessem ensinado, no ensino médio, que não se sabe o que é um elétron e nem um átomo. Essa imagem de conhecimento absoluto da ciência é extremamente prejudicial, apassivadora (tudo o que o professor diz na aula é transmitido e absorvido como verdade), e produz um intelecto rígido.

Compare-se o tipo de conhecimento intelectual (também usado em outras áreas, como a história, se é que ela é ensinada, se não é pedida no vestibular), com o de uma arte como o teatro. Dado um texto teatral, ele pode ser interpretado com intonações de voz e com gestos de infinitas maneiras diferentes, o que é denominado de ‘subtexto’, pois não consta explicitamente do texto. Na atuação numa peça teatral nada é rígido, tudo tem que ser imaginado e interpretado. Essa imaginação e essa liberdade simplesmente não existem no aprendizado de matérias intelectuais onde, seguindo os passos da ciência, procura-se formalizar tudo. Com isso, cria-se um modelo da natureza simplificado e portanto absolutamente irreal, pois a realidade é extremamente complexa. Toda ciência, ao ser expressa conceitualmente, tem que necessariamente simplificar a realidade, isto é, afastar-se dela. Pode ser que o ensino universitário também seja mentalmente castrador, e não dê margem para a criatividade, o que é muito comum. No entanto, o que é importante na posterior vida profissional é justamente a criatividade, precisamente aquilo que a atividade artística desenvolve. Uma outra consequência da atividade artística é que a sensibilidade assim desenvolvida leva a uma sensibilidade social pois, como nas artes, o ser humano também é mal definido e imprevisível.

Ter sensibilidade social significa perceber as necessidades e capacidades das pessoas e conseguir dirigir-se a cada uma individualmente segundo as suas características. A habilidade de atuar em equipe e de liderar, e até mesmo o convívio social depende totalmente dessa sensibilidade. Mas há outra característica social fundamental: a compaixão, isto é, a capacidade de compartilhar o sofrimento do outro. Infelizmente, há dois fatores que produzem uma trágica dessensibilização, impedindo a manifestação da compaixão: a competição e os meios eletrônicos. Competição é absolutamente antissocial: quem ganha fica contente, às custas da frustração e mesmo infelicidade de quem perde. Produzir essa frustração e ficar contente em ter ganho a competição significa dar mais valor à felicidade pessoal do que ao sofrimento do outro. Quem compete não pode ter dó do concorrente. Assim, a competição desenvolve o egoísmo, que é altamente antissocial. O próprio vestibular é uma competição, e seria muito bom que o jovem se conscientizasse o mais tarde possível de que a sociedade é cruel e competitiva. A propósito, a própria vida vai ensinar a competir: não há, em absoluto, necessidade de se ensinar isso na escola, pelo contrário, o que precisamos é o ensino da cooperação. Somente uma sociedade cooperativa poderá reverter a crescente miséria social e individual, fruto do egoísmo e da ambição.

Howard Gardner (Gardner 1995) e Daniel Goleman (1995) mostraram muito bem que a mais importante habilidade para o sucesso profissional não é a técnica, e sim a social. Em particular, Gardner chama a atenção para o fato de as escolas desenvolverem principalmente o que ele denominou de "inteligências lógico-matemática e linguística", as quais ele caracteriza como as menos importantes para um sucesso profissional. A "inteligência emocional" de Goleman (correspondendo à "interpessoal" de Gardner) nada mais é do que o conjunto das habilidades sociais.

Quanto aos meios eletrônicos, a TV e os jogos eletrônicos transmitem uma quantidade enorme de ações antissociais, como por exemplo a violência, sendo que os segundos são muito piores do que a primeira, pois neles não existe condicionamento apenas pela imagem e pelo som, mas também pela ação executada pelo jogador (os jogos mais apreciados, principalmente pelos jovens, são os do tipo ‘mata-mata’). A escola deveria ter hoje em dia uma missão fundamental, muitíssimo mais importante do que o conhecimento teórico que é transmitido: justamente contrabalançar essa dessensibilização fazendo com que os jovens adquiram sensibilidade social e compaixão.

As escolas Waldorf não preparam para os exames vestibulares. Ainda bem! Assim elas podem dar uma formação ampla, intelectual, artística e social, produzindo jovens equilibrados e não pernetas com uma só perna intelectual. No entanto, como mostra tão bem o levantamento estatístico feito por Wanda Ribeiro e Juan Pablo de J. Pereira (Ribeiro, 2007), os alunos Waldorf não têm dificuldades em passar nos vestibulares; certamente os mais concorridos exigirão um semestre ou um ano de cursinho, mas o tipo de ensino daquelas escolas produz um tal desenvolvimento intelectual e uma tal capacidade de concentração e firmeza de objetivos que facilita enormemente o aprendizado compacto do cursinho. O estudo citado mostra também várias características interessantes dos ex-alunos Waldorf. Um outro trabalho nesse sentido é o de Douglas Gerwin e David Mitchell (Gerwin 2007), sobre ex-alunos Waldorf nos EUA. Todos os levantamentos feitos com ex-alunos Waldorf mostram vidas acadêmicas e profissionais posteriores muito boas, praticamente sem problemas de adaptação.

Alguns pais poderiam dizer: "Mas eu não quero que meu filho perca um ano de cursinho!" Acontece que não há nenhuma vantagem em entrar cedo numa faculdade. Pelo contrário, um ou dois anos de espera significarão uma enorme maturidade nos objetivos e na capacidade de estudo. Infelizmente nosso ensino universitário é excessivamente especializado profissionalmente; o ideal seria que todas as universidades tivessem um ou dois anos de ensino básico, e que os alunos pudessem escolher sua especialização profissional quando estivessem mais maduros. Vitória H. é um caso tipico: faltando 1½ ano para se formar em uma faculdade conceituada, na qual ela infelizmente havia entrado com 17 anos, descobriu que não era aquilo de que ela gostava, fez um semestre de cursinho e entrou numa faculdade de área totalmente diversa, tornando-se felicíssima, ao contrário da frustração e depressão que sentia devido ao curso anterior.

O preparo para um vestibular concorrido significa um esgotamento mental. Se isso for feito durante todo o ensino médio, o aluno entrará na faculdade intelectualmente exausto. Quanto menos ele tiver que se preparar para essa experiência traumatizante, melhor.

Uma pergunta muito interessante é a seguinte: se as escolas Waldorf são independentes, cada uma adotando suas próprias características, por que nenhuma das inúmeras brasileiras (ver o diretório de escolas Waldorf já citado) prepara para o vestibular? Na Alemanha, por exemplo, não há um exame assim, mas há um exame de estado parecido com o ENEM, mas muito mais amplo, e cujo resultado é usado pelas faculdades para selecionar seus alunos, o ‘Abitur’. Pois bem, as escolas Waldorf alemãs terminam o ensino médio, na 12a série, e oferecem um 13o preparatório para o Abitur. Assim, elas podem concluir na 12a série o grandioso currículo introduzido por Rudolf Steiner, que visa o desenvolvimento harmônico do jovem em todos os sentidos. As escolas Waldorf não preparam para o vestibular, pois isso tomaria quase todo o tempo de ensino e do aluno, e seria introduzir uma unilateralidade extremamente prejudicial à formação harmônica dos jovens, produzindo pernetas intelectuais, cabeças ambulantes com pouco ou nenhum coração e sem força de vontade para a ação. Mas não sou contra as escolas Waldorf, por iniciativa dos pais, e administrado essencialmente por estes, introduzirem um cursinho dentro da escola, a ser frequentado pelos alunos formados que querem se preparar para um vestibular. A grande vantagem disso seria, por exemplo, equilibrar um pouco o necessário ensino exclusivamente intelectual, com algumas atividades artísticas. Além disso, poder-se-ia dar ao jovem um ano a mais de um ambiente social sadio.

3.2 Falta de ênfase científica

Como já expus, a pedagogia Waldorf tem como missão preparar o aluno harmoniosamente em seus conhecimentos e habilidades intelectuais, artísticas e sociais.

Acontece que no ensino fundamental Waldorf o aprendizado é essencialmente fenomenológico, por vivências, e não abstrato, intelectual, o que pode dar uma idéia errada da pedagogia no ensino médio. Neste último, devem ser abordados os aspectos formais, teóricos, em todas as áreas. Isso se deve ao fato de a pedagogia Waldorf basear-se fundamentalmente no que é chamado de "estudo do ser humano" (Menschenkunde) de Rudolf Steiner, mostrando a evolução das crianças e jovens de acordo com a idade. O sucesso mundial da pedagogia Waldorf mostra na prática como ele estava correto. Segundo ele, somente depois da puberdade, idealmente aos 14-15 anos, o jovem tem seu pensamento desenvolvido para se dedicar a puras abstrações como são as explicações teóricas em qualquer campo. Se no ensino fundamental uma experiência de física era observada e descrita em todos os seus aspectos fenomenológicos, no ensino médio deve-se explicá-la com a teoria correspondente. É portanto no ensino médio que se deve desenvolver o intelecto abstrato dos alunos.

É fundamental entender que um desenvolvimento intelectual pode ser feito com pouca informação, concentrando-se em alguns aspectos essenciais de cada matéria científica. O vestibular exige um conhecimento muito amplo (mas muito menor do que se exigia quando eu o prestei, em 1958). Se as escolas Waldorf fossem cobrir todo o programa do vestibular, iriam ter que deixar de lado todo o resto da formação do jovem – como o fazem as escolas especializadas em vestibulares –, e não poderiam apresentar os tópicos científicos de maneira adequada para a maturidade do jovem em cada idade.

Pode ser que em alguma escola Waldorf o ensino intelectual seja fraco demais. Cabe aos pais exigirem que a escola trate esse ensino adequadamente. O currículo Waldorf estabelecido por Steiner é riquíssimo e muito profundo. Por exemplo, na matemática ele estabeleceu que se deveria estudar probabilidade, principalmente por que ela é muito usada; todos os dias os jornais trazem algum levantamento estatístico. Os pais deveriam verificar pelo currículo Waldorf se ele está sendo seguido, e exigir que o seja.

Para uma certificação da profundidade do desenvolvimento intelectual produzido pelas escolas Waldorf, basta examinar os magníficos trabalhos de conclusão de curso (TCCs) que os alunos fazem nos 12os anos, em geral expostos nos bazares natalinos. Tive uma experiência muito interessante em 1980, na escola Waldorf de Engelberg, perto de Stuttgart, então frequentada pelos meus filhos. Assisti a apresentações públicas dos TCCs do formandos daquele ano: eram trabalhos e exposições tão interessantes e profundos que o grande teatro da escola, com 900 lugares, enchia-se de pessoas da redondeza que vinham aproveitar os ensinamentos transmitidos pelos alunos.

Alguns pais podem achar estranho que as escolas Waldorf dão muito pouca importância ao uso do computador e da Internet. Ocorre que não é necessário aprender a utilizá-los, pois seu uso está cada vez mais simples e autoexplicativo. Assim, qualquer pessoa os aprende simplesmente usando-os, e com poucas orientações de pessoas mais experientes. Pelo contrário, o uso da Internet por crianças e adolescentes é extremamente perigoso, pois todas elas são ingênuas (Smith 2009; veja-se também minha resenha dele "Como proteger seus filhos e alunos da Internet"). Vou estender-me sobre essa questão no item 3.4.

3.3 Preparo para o mercado de trabalho

Como foi exposto no item 3.1, o mais importante para um sucesso profissional são as habilidades sociais, e não técnicas. Nesse sentido, não há melhor preparo do que o feito nas escolas Waldorf. Rudolf Steiner estabeleceu a ausência de repetição de ano em parte para que uma classe começasse no 1º ano Waldorf e seguisse junta até o 12º ano. Imagine-se o que essa intensa convivência e conhecimento profundo de cada individualidade dos colegas significa do ponto de vista social. Imagine-se o grau de tolerância que deve ser desenvolvido para que cada um conviva harmoniosamente com seus colegas durante tantos anos, o que é orientado pelo professor de classe no ensino fundamental e depois pelo tutor no ensino médio (sobre esses tipos de professores, veja o item 1 acima).

Professores de classe e tutores cientes da necessidade de desenvolvimento social de cada aluno devem cuidar para que isso ocorra, por exemplo fazendo os alunos ajudarem-se mutuamente, promovendo jogos cooperativos, expondo biografias de pessoas ilustres que muito sofreram mas que conseguiram grandes realizações etc. Nos dias de hoje os impulsos antisociais são infinitamente maiores do que os da época de Steiner. Vejam-se, por exemplo, a falta de respeito dos jovens para com outras pessoas, incluindo as mais velhas, começando pelos seus pais, o aumento brutal da agressividade (como já dito, causado em grande parte pelos meios eletrônicos; veja-se o cap. 4, "Agressividade e comportamento antissocial" de meu artigo "Os efeitos negativos dos meios eletrônicos em crianças e adolescentes", Setzer 2010). Isso exige uma consciência muito maior dos professores no sentido do desenvolvimento social, do que tinham os da primeira escola Waldorf. Esse tipo de pedagogia apresenta o ambiente escolar ideal para isso, pois nela cada aluno é conhecido profundamente e tratado individualmente como pessoa humana e não como uma coisa à qual se atribuem notas que têm pouquíssimo ou mesmo nenhum significado humano. O tratamento individual de cada aluno também ajuda seu desenvolvimento social, pois ele se sente tratado com dignidade, um exemplo que ficará para o resto da vida.

Um caso específico de preparo para o mercado de trabalho são as apresentações públicas semestrais feitas pelos alunos e, principalmente, as peças teatrais do 8º e do 11º ou 12º anos, partes essenciais do currículo Waldorf. Nelas, crianças e jovens aprendem a enfrentar o público, a falar com dicção decente, a perceber como os colegas estão atuando e a reação do público, fora o preparo de todo o cenário feito pelos alunos.

Vou permitir-me citar alguns casos pessoais. Meu 3º filho, Michel, logo que terminou a Escola Waldorf Rudolf Steiner de São Paulo (EWRS) passou sem cursinho o vestibular para o Instituto de Matemática e Estatística da USP. Depois de um ano, sem ter repetido nenhuma matéria, o que é bem raro, resolveu que "tinha se sacrificado suficientemente" e resolveu atravessar a rua e ir fazer Administração de Empresas na Faculdade de Economia e Administração da USP (para isso, teve que fazer um cursinho; aliás, ele achou ótimo isso, pois completou sua formação básica). Antes de terminar o curso já tinha sido contratado por uma empresa (e tinha o problema de não poder se apresentar aos clientes como ainda aluno de graduação, pois isso deporia contra a empresa...), e aos 33 anos tornou-se vice-presidente da Oracle Corporation, a 2ª maior empresa de software do mundo, onde a tensão de trabalho era enorme, pois coordenava o trabalho de 200 consultores. Aos 36 anos, resolveu mudar totalmente e formou uma firma de construção de casas populares, com grande sucesso e para sua grande satisfação. Aliás, a maleabilidade profissional foi uma das constatações de um antigo estudo do Ministério da Educação alemão sobre ex-alunos Waldorf. Tenho certeza de que o sucesso profissional do Michel deveu-se em grande parte ao desenvolvimento social que ele teve na escola; ele tem uma incrível sensibilidade social. Por outro lado, minha filha menor Ariela, também ex-aluna de todo o curso da EWRS, formou-se em veterinária na USP, e depois fez lá um brilhante mestrado. Seu preparo intelectual na escola Waldorf, mais o cursinho, foram obviamente mais do que suficientes para sua carreira acadêmica. Para completar, minhas duas filhas mais velhas tornaram-se musicistas, uma tendo se graduado no Departamento do Música da USP e depois feito o seminário de formação de professores Waldorf em paralelo com mais uma graduação em música na Faculdade de Música (Musikhochschule), ambos em Stuttgart, e a segunda formou-se na faculdade de Música de Weimar. Ambas são professoras de música na Alemanha, sendo que a segunda teve que passar por uma seleção rigorosíssima para ser contratada pela escola de música de Heidelberg (conquistando uma das duas únicas vagas para violoncelo em escolas de música naquele ano, em toda a Alemanha), um caso demonstrando que quando é necessário competir, um jovem que não foi educado dentro dessa mentalidade adapta-se rapidamente a essa situação.

3.4 Ambiente irreal

Sim, as escolas Waldorf apresentam aos seus alunos, desde o jardim da infância (horrorosamente denominado fora delas de "educação infantil") um ambiente que não é o comum. Um exemplo trivial: vá-se a qualquer festa de uma escola Waldorf digna dessa denominação, por exemplo uma festa junina, ou um bazar natalino (onde o mais importante para se ver é a exposição dos cadernos e trabalhos dos alunos de todas as classes – é mais interessante do que um museu, pois reflete de maneira viva o amadurecimento progressivo das crianças e adolescentes). Nessas festas, observe-se o ambiente tranquilo, sem uso de alto-falantes berrando e agredindo os ouvidos dos presentes, tão comum em outras escolas. Com esses sistemas de som só se pode conversar gritando. Observe-se ainda a decoração artística, sem figuras monstruosas ou caricatas, como é tão comum nos ambientes onde não há sensibilidade artística. Para outra demonstração de como o ambiente das escolas Waldorf é incomum, visitem-se algumas classes, começando pelos jardins de infância; nessa visita, qualquer um sente vontade de ser criança novamente! Nos ensinos médio e fundamental as paredes das classes são decoradas com trabalhos artísticos dos próprios alunos, bem como com pinturas de grandes artistas. Há também decoração com cristais e nos primeiros anos há sempre o ‘cantinho da época do ano’ etc.

Esse ambiente das escolas Waldorf é incomum justamente pelo fato de ser artístico e sadio. Agora deve-se perguntar: quem está errado, o método Waldorf ou os outros? Qual o ambiente que se deseja para crianças e jovens?

O mundo está cada vez mais agressivo. O ataque à infância e à juventude, que no meu entender começou na década de 1950, está cada vez mais intenso. Neste momento em que estou escrevendo a primeira versão deste artigo, tenho à minha frente o caderno Metrópole do jornal O Estado de São Paulo de hoje, domingo 1/8/10. No artigo "Autoexibição de adolescentes na web ganha audiência e desafia autoridades", ocupando as pp. C1 e C3 inteiras, há extensa reportagem sobre a exibição de adolescentes em frente a câmeras trasmitindo-os pela Internet para sites de relacionamento, enquanto se despem ou até se masturbam, ignorando o perigo que correm e como o erotismo não é sadio nessa idade. Como bem chamou a atenção Gregory Smith no livro já citado, crianças e adolescentes simplesmente são todos ingênuos (Smith 2009). Aquilo que venho declarando e escrevendo há dezenas de anos desde o início do uso do computador e da Internet por crianças e jovens está cada vez mais patente: esses meios não são para crianças e adolescentes, pois exigem um discernimento muito grande do que é correto ou falso, do que é belo ou feio, do que é bom ou mau, bem como do que é apropriado a cada maturidade e cultura. Além disso, exigem uma enorme autodisciplina (que crianças e adolescentes não têm), pois são extremamente atraentes e viciantes. O ambiente das escolar Waldorf não incentiva o uso desses meios eletrônicos, incluindo a TV e os terríveis video games. Pelo contrário, uma escola Waldorf digna desse nome reconhece os malefícios que esses meios representam para os seus alunos e procura desencorajá-los a os usarem, alertando explicitamente os pais sobre os problemas que podem decorrer de sua utilização.

O que os pais desejam para seus filhos: um ambiente ideal, sadio, sensível, artístico, altamente social e amoroso, ou um ambiente agressivo, brutalizado, monstruoso (veja-se a admiração pelos horríveis dinossauros), antiartístico, mostrando com figuras de histórias em quadrinhos uma caricatura do mundo, levando a um desrespeito pelo mesmo? Se o mundo está torto, criemos um ambiente contrário a ele para nossas crianças e adolescentes, tanto na escola como no lar. O argumento padrão nesta altura seria: "Mas é impossível impedir que nossos filhos tenham contato com essas coisas horrorosas!" Pois compare-se o tempo de uso desses meios no lar e na escola, se eles estiverem disponíveis nesses ambientes, com o seu uso na casa de amiguinhos ou em outros ambientes, como as Lan Houses (cujo uso deveria ser proibido pelos pais!). O segundo tempo será muitíssimo menor do que o primeiro. Além disso, em termos de uso do computador e da Internet no lar, é facílimo controlá-los: é só não dar a senha de acesso e só ligar o computador para usos especiais. Só há uma maneira de controlar efetivamente o uso da Internet pelos filhos: ficar ao lado deles. Reconheço o problema de se fazer isso com adolescentes, mas talvez se fossem mostrados todos os perigos e males que podem advir do acesso (ver os já citados Smith 2009 e Setzer 2010), eles compreenderiam e se deixariam controlar. Com adolescentes, é fundamental explicar os problemas e citar casos dos desastres provocados pela Internet. O problema principal é o acesso livre, o que já acontecia com a TV. Mas os piores casos ocorrem quando esses meios encontram-se no quarto de dormir dos filhos, bem como com telefones celulares, smartphones e similares com acesso à Internet, pois nesses casos não há absolutamente nenhum controle. No caso dos celulares, nem há a possibilidade de se instalar software de controle de acesso e de monitoramento daquilo que foi usado na Internet. O uso desse software é a principal recomendação de Gregory Smith (Smith 2009) que, como acontece em geral, simplesmente não tem coragem de levar suas corretas observações às últimas consequências e dizer que a Internet não é para crianças e adolescentes.

Cada vez mais o lar e a escola têm que se transformar em ninhos protetores para as crianças e adolescentes, pois os ataques a eles só vão se intensificar, como tem ocorrido desde a década de 1950. Um dos principais problemas é que a criação e manutenção desses ninhos dá bastante trabalho; infelizmente, uma grande parte dos pais e das escolas querem comodismo. Quanto aos pais, não percebem que estão comprando infinitas dores de cabeça para o futuro, isto é, o comodismo de agora produzirá muito mais trabalho e desgosto posteriormente. As escolas Waldorf representam hoje em dia talvez o maior ninho protetor escolar existente. Quando os jovens tiverem maturidade, sairão do ninho sem problema, tendo a capacidade de reconhecer o que é falso, feio e mau e terão segurança, energia e força de vontade para enfrentá-los. Manter os filhos no ensino médio Waldorf significa adiar essa saída até os 18 anos, quando eles já terão suficiente maturidade para enfrentar e reconhecer as misérias do mundo.

Não é o ambiente das escolas Waldorf que é irreal, pelo contrário, ele é impregnado de uma profunda realidade sobre o que significa o desenvolvimento sadio de uma criança e de um adolescente; é o ambiente fora delas que é em geral irreal frente ao que os jovens necessitam.

4. Problemas adicionais do ensino tradicional

Um dos principais problemas do ensino tradicional é a tensão que ele provoca em crianças e adolescentes, sempre com o perigo de serem punidos, tirarem notas baixas e serem reprovados. É absolutamente necessário que se compreenda que as notas são o que chamei há dezenas de anos de "varinha de marmelo moral". Quando se dava um castigo físico para um aluno, ele podia sofrer no momento, mas com o tempo iria esquecer o ocorrido. As notas, quando são baixas, são verdadeiros castigos morais indeléveis, pois ficam registrados para sempre. Na falta de habilidade do professor para despertar em seus alunos um entusiasmo pela matéria, ele usa a varinha de marmelo moral para forçar os alunos a estudar. Mas quem estuda sem interesse e entusiasmo acaba sempre frustrado e com dificuldade de estudar.

Pergunto aos leitores: quem se lembra do que aprendeu no ensino médio? Garanto que as lembranças são impressões, e não os detalhes que eles tiveram que saber para tirar boas notas nas provas. Então, por que tiveram que estudar para elas, e passar pela tensão que passaram? O que sobrou foi um amadurecimento, uma técnica mental, uma vaga lembrança, e não todos os detalhes que tiveram que saber ou mesmo decorar. Mas amadurecimento e técnica mental é justamente o que não se pode medir com provas. Adolescentes ainda não estão suficientemente maduros para enfrentar a frustração de tirar notas baixas e a tensão que passam antes das provas e com a perspectiva de serem reprovados.

E por falar em reprovação, observe-se a sabedoria do ensino totalmente continuado das escolas Waldorf, existente desde 1919, e como ele funciona maravilhosamente. Ele não funciona fora dessas escolas simplesmente por que os professores e pais não foram preparados para esse sistema, proposto pela UNESCO justamente baseado na experiência da pedagogia Waldorf. Uma das principais razões é que os professores raramente sentem amor pelos seus alunos, algo que justamente não é ensinado nos cursos de pedagogia e de licenciatura. Steiner afirmou o seguinte:

"As três regras de ouro da arte de educar e de lecionar que, em cada professor, em cada educador, devem ser disposição total, impulso total para o trabalho, que não podem ser concebidas simplesmente de maneira intelectual, mas devem ser apreendidas a partir do ser humano global, devem ser: [1] Gratidão religiosa frente ao cosmo que se manifesta na criança, [2] unida à consciência de que a criança representa um enigma divino, que se deve solucionar mediante a arte de ensinar. [3] Praticar com amor um método de ensino pelo qual a criança se educa instintivamente junto a nós, de modo que não se ameace a sua liberdade, que deve ser considerada também onde se encontra o elemento inconsciente da força orgânica de crescimento." (Steiner 1979, palestra de 19/8/1922, p. 75; minha tradução e numeração.)

Um outro fator é o desconhecimento que os professores têm do que se passa no íntimo dos jovens em cada idade, o que é dado pelo conhecimento do desenvolvimento estabelecido por Rudolf Steiner, uma das bases que distingue a pedagogia Waldorf de outros métodos. Com esse conhecimento, o professor pode apresentar a matéria de maneira adequada para a idade, facilitando o entusiasmo dos alunos.

A respeito do interesse dos alunos pela matéria, ele disse:

"Se o erotismo assume entre os jovens uma importância desmedida, a culpa é dos professores, que são medíocres e não sabem despertar o interesse. Se as crianças não têm interesse pelo mundo, o que lhes resta para pensar? Quando se fala de maneira enfadonha na aula de matemática ou de história, só lhes resta pensar no que se passa em seu corpo – no coração, no estômago e nos pulmões. Isso pode ser evitado se desviamos o interesse dos jovens para o mundo; isso é sumamente importante. Se o erotismo predomina, se recebe uma atenção excessiva enquanto as crianças estão na escola, toda a culpa cabe à escola." (Steiner 1978, palestra de 21/6/1922, p. 15)

Um exemplo fantástico do extraordinário conhecimento de Steiner sobre o desenvolvimento do jovem é a sua recomendação de que, no 11º ano, se desse o ensino da lenda de Parsifal. Minha esposa Sonia dá esse ensino concentrado, em um retiro de uma semana, para os alunos da Escola Waldorf Rudolf Steiner de São Paulo, desde 1990 (ver o relato de um desses cursos). O profundo conteúdo dessa história (Setzer 2008a) serve, na forma de imagens, de exemplo para os alunos de sua própria situação, saindo de uma época ingênua para enfrentar as misérias e perigos do mundo e encontrar seu caminho em liberdade. Os pais dos alunos que fizeram esse curso dizem em geral que seus filhos voltam mudados, para melhor. Tenho imenso dó dos alunos que deixam a escola Waldorf e perdem esta e outras tantas vivências extraordinárias providas apenas por essa pedagogia.

Finalmente, vou mencionar um aspecto que talvez toque alguns pais. Além da falta de um conhecimento profundo sobre a natureza íntima do jovem, há uma outra praga que assola o ensino tradicional: o materialismo dos professores. Por materialismo entendo uma concepção de mundo que admite nele exclusivamente a existência de matéria e energia físicas, bem como apenas de processos físicos. Uma pessoa é materialista se somente pensa nesses termos. A grande maioria da humanidade com uma certa cultura é hoje em dia materialista, o que é perfeitamente natural, pois a humanidade tem que passar por essa visão de mundo para poder chegar consciente e livremente a uma visão muito mais ampla e profunda, espiritualista, como a dada por Rudolf Steiner em sua Antroposofia. Em particular, o ensino médio e universitário padrões são profundamente materialistas, o que em geral torna os jovens adeptos dessa concepção. As escolas Waldorf não ensinam espiritualismo, e devem apresentar no ensino médio a visão materialista corrente, na filosofia, na história e nas ciências. No entanto, isso deve ser feito de maneira crítica, por exemplo dando-se a teoria da evolução neodarwinista como ela é, uma teoria, e não como uma verdade. Em especial, é fundamental que se apresentem as questões em aberto dessa teoria (como o aparecimento da fala humana, o fato de o corpo humano não ter pelo ou couro etc.) e os problemas que ela apresenta (como os cálculos recentes mostrando que não houve tempo suficiente para mutações coordenadas e o resultante aparecimento de novas espécies, como é o caso do período denominado de 'explosão cambriana'). Na Física, deve-se mostrar, por exemplo, que não se sabe o que é um átomo: como já citado em 3.1, ele não é um sistema planetário, se bem que esse modelo serve para certos fins, como por exemplo para se lidar com elementos e combinações químicos. É absolutamente fundamental que se esclareçam os alunos sobre o que é a modelagem matemática e suas limitações, e como esse método tornou-se o padrão científico moderno. Nada disso é feito no ensino tradicional, pois há uma intenção consciente ou inconsciente de se endeusar a ciência, sem mostrar seus problemas e limitações. A intenção subjacente é a de induzir uma mentalidade materialista.

A maneira materialista como a ciência é ensinada passa uma ideia errada de que o mundo é simples e explicável, como mostrei em meu artigo "Consequências do materialismo" (Setzer 2010a). Mas esta não é a única consequência nefasta do materialismo dos professores. Steiner afirmou: "A cosmovisão materialista tem interesses – que se desviam do ser humano – que desenvolvem nos educadores uma imensa indiferença em relação às emoções anímicas íntimas do ser humano a ser educado." (Steiner 2004, palestra de 8/4/1924.) Somente uma visão espiritualista pode fazer o professor reconhecer que o aluno é muito mais do que somente seu corpo físico e a influência que teve de seu ambiente. Aliás, como mostrei no meu artigo citado, da matéria não pode advir liberdade, responsabilidade e dignidade humanas.

Apesar de não ensinarem espiritualismo, as escolas Waldorf querem produzir jovens com pensamentos flexíveis e com sensibilidade, de modo que não sejam acorrentados irremediavelmente ao materialismo. Por sua própria evolução, talvez alguns deles cheguem mais tarde a um espiritualismo moderno, sem dogmas e sem crenças. Uma educação exaltando a ciência materialista é certamente um obstáculo para esse passo.

5. Conclusões

É óbvio que as escolas Waldorf não são perfeitas, pois a pedagogia é praticada por seres humanos. No entanto, estou plenamente convencido de que qualquer escola Waldorf digna desse nome, com todos os seus problemas e defeitos, é infinitamente melhor para os jovens e seu preparo para o estudo posterior e para a vida do que qualquer escola de outro método pedagógico (em geral não há método algum).

Espero ter mostrado meus argumentos em favor de um ensino médio Waldorf. Mas os pais não devem basear-se em minhas opiniões pessoais; elas deveriam servir no máximo como guias para tirarem suas próprias conclusões, baseadas em estudo e observações pessoais. Nesse sentido, recomendo aos pais que estão planejando tirar seus filhos de uma escola Waldorf para ingressarem no ensino médio de uma escola convencional, que conversem com os alunos do ensino médio Waldorf e com os formados nele. Provavelmente irão comprovar o mesmo que Wanda e Juan Pablo em seu magnífico trabalho já citado (Ribeiro 2007). A partir dessas conversas, tomem uma decisão consciente, em lugar de seguirem seus impulsos e medos tão influenciados pela mentalidade unilateral e egoísta vigente em nossa sociedade.

Acima de tudo, conclamo os pais a se conscientizarem de que a sociedade, no mundo todo, está em franca degeneração individual, social e moral (apesar de eu reconhecer grandes progressos, como os movimentos pela paz, pelos direitos humanos e ecológico). Só há uma maneira de reverter esse processo de degeneração: é uma educação para o amor e não para o egoísmo; para a vida e não para exames que não medem praticamente nada do que é essencial; para a criatividade e coragem na atuação social e não para o conformismo e a desesperança. Como disse Federico Mayor Zaragoza, diretor geral da UNESCO de 1987 a 99, em frase que lhe é atribuída: "A questão não é o mundo que vamos deixar para nossos filhos, mas os filhos que vamos deixar para o mundo."

Referências

Gardner, H. (1995).Inteligências Múltiplas: A Teoria na Prática. Trad. M.A.V. Veronese. Porto Alegre: Ed. Artes Médicas Sul.
Gerwin, D. e D. Mitchell (2007). Standing out without standing alone: profile of Waldorf School graduates. Research Bulletin>, Vol. 12, No. 2. Disponível em http://www.whywaldorfworks.org/02_W_Education/documents/Standing_Out-WGRII.pdf
Goleman, D. (1995). Inteligência Emocional: A Teoria Revolucionária que Redefine o que é Ser Inteligente, trad. M. Santarrita. Rio de Janeiro: Ed. Objetiva.
Ribeiro, W. e J. P. de J. Pereira (2007). Sete mitos da inserção social do ex-aluno Waldorf. Disponível em http://www.sab.org.br/pedag-wal/artigos/mitos.htm. Ver também a versão em inglês, mais estendida e com gráficos publicada pelo Waldorf Researchers and Educators Network (WREN), disponível em http://www.ecswe.org/wren/documents/seven_myths.pdf.
Setzer, V.W. (2008). Como proteger seus filhos da Internet. Disponível em http://www.ime.usp.br/~vwsetzer/como-proteger-resenha.html
Setzer, S.A.L. (2008a). Parsifal: um precursor do ser humano moderno. São Paulo: Editora Antroposófica. Ver detalhes.
Setzer, V.W. (2010). Os efeitos negativos dos meios eletrônicos em crianças e adolescentes. Disponível em http://www.ime.usp.br/~vwsetzer/efeitos-negativos-meios.html
Setzer, V.W. (2010a). Consequências do materialismo. Disponível em http://www.ime.usp.br/~vwsetzer/conseqs-materialismo.html
Smith, G.S. (2009) Como Proteger seus Filhos na Internet -- um guia para pais e professores. Ribeirão Preto: Ed. Novo Conceito.
Steiner, R. (1979). Die geistig-seelischen Grundkräften der Erziehungskunst. Spirituelle Werte in Erziehung und sozialen Leben (As forças básicas anímico-espirituais da arte de educar. Valores espirituais na educação e na vida social). GA (obra completa) 305. 12 palestras proferidas em Oxford de 16 a 29/8/1922, mais uma palestra extra de 20/8. Dornach: Rudolf Steiner Verlag, 1979. (*)
Steiner, R. (2005). Educação na Puberdade/O Ensino Criativo. Palestra de 21/6/1922. Trad. R. Lanz e J. Cardoso. São Paulo: Ed. Antroposófica, 3ª ed. (Este livreto contém apenas as 2 palestras de 1922 do volume original GA 302a.). (*)
Steiner, R. (2005a). A Metodologia do Ensino e as Condições da Vida do Educar. GA 308. 5 palestras proferidas em Stuttgart, 8-11/4/1924. Trad. C. Glass. São Paulo: Federação das Escolas Waldorf no Brasil. (*)

(*) O trecho citado no presente artigo está disponível em http://www.sab.org.br/steiner/aforismos.htm

Agradecimentos

Agradeço a Sílvia Souza pela motivação para escrever este artigo, e à minha esposa Sonia A.L. Setzer pela revisão da redação do original.