Carlos Heitor Cony
(Publicado na Folha de São Paulo, 30/5/10, p. A2)
RIO DE JANEIRO - É comum, na vida de um escritor profissional, passar
por vexames às vezes contra, às vezes a favor de sua atividade.
Já fui confundido com Nelson Rodrigues, Fernando Sabino e Sérgio
Porto. No início eu tentava corrigir o engano, não esta obra não
é minha, mas com a repetição do equívoco, fui me
habituando. Quando me elogiam pelo fato de ter escrito "Toda nudez será
castigada", respondo modestamente: não é das minhas melhores
coisas.
Não faz muito, em Belo Horizonte, um senhora me cumprimentou pelo fato
de ter dito ou escrito esta frase: "A máquina de escrever é
um cão, o computador é um gato". A frase é boa, eu
gostaria de assinar embaixo, mas não é minha, honestamente, não
sei de quem é.
Entrando no mérito: realmente, a velha e aposentada máquina de
escrever tinha com o dono a fidelidade de um cão. Nunca o traía,
estava sempre a seu serviço. Fazendo uma porcaria ou uma obra prima,
ela o obedecia, não tomava a iniciativa de ajudar, de o corrigir, de
o completar.
O computador tem o charme de um gato, que os egípcios adoravam como deus
e como Guimarães Rosa achava que tinha a fonte da sabedoria. Mas os gatos
têm vida e responsabilidade próprias, dão bola ao dono quando
querem, quando estão dispostos. Tendem a ser independentes, a se virarem
sozinhos.
O computador é assim, não chega a ser rebelde (às vezes
é), mas está programado para uma vida particular. Recusa-se a
obedecer, a se aliar ao dono, busca e encontra caminhos próprios, oferece
o que não queremos e geralmente nega o que precisamos.
O universo virtual da informática tem o fascínio de um gato angorá,
de uma gata lasciva de olhos fosforescentes. Preciso dela, mas evito me envolver
demais, submeter-me ao seu encanto.
Copiado em 1/6/10 de
http://sergyovitro.blogspot.com/2010/05/carlos-heitor-cony-o-cao-e-o-gato.html
Colaborou: Roberto Hirata J.