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desregulamentação



Caros redistas:

Está comum a discussão sobre quem deve fazer estatística e como defender nossa
comunidade de "intrusos".  Bem, eu como o Carvalho, sou contra qualquer
regulamentação quando falamos em competência.  Competência não se ganha com
títulos cursos etc.  Mas nunca dou minha opinião pois acredito que eu possa
estar errado, visto que já aproveitei do fato de ser um estatístico regulado.
Mas, então, saiu ontem no estadão um artigo que penso ser excelente.  Estou
enviando para todos com o intuito de nos obrigar a uma boa reflexão. 
Grande abraço
carlinhos

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090721/not_imp405850,0.php

Terça-Feira, 21 de Julho de 2009 | Versão Impressa


Desregulamentar profissões. Todas!

Alexandre Barros

O governo anunciará em breve a proibição de carros pequenos com motores de menos
de 2.0 e serão obrigatórios transmissão automática, computadores de bordo e
airbags sêxtuplos. Que tal lhe pareceria essa notícia? Fords Ka, Fiats Palio,
Fords Fiesta sumiriam do mercado. Todos os carros custariam muito mais caro.
Adeus ao sonho do carro 1.0, sem imposto. Seria uma crise nacional.

Mas não causa crise sermos obrigados a pagar a um médico formado numa faculdade,
que estudou seis anos, para girar lentes na frente do nosso rosto e nos dizer
que temos 2,5 graus de miopia. Ou pagar a um médico a taxa de carta de
motorista, para nos mandar ler algumas letras na parede. Nem causa espanto que
precisemos pagar a advogados, formados por cinco anos, para nos tirarem da
cadeia, coisa que um estudante de Direito do primeiro ano sabe fazer, ou até
mesmo quem nunca estudou Direito.

Escrevi, nos anos 70, um artigo chamado Em defesa dos advogados, publicado no
Jornal da Tarde. Dias depois chegou pelo correio (a vida era assim antes daquele
menino maluquinho e irresponsável, William Gates III, que abandonou a faculdade)
cópia de carta do presidente da OAB de São Paulo protestando e explicando
detalhadamente por que a regulamentação exercida pela OAB era fundamental para a
defesa dos interesses dos possíveis clientes. Mas a carta não falava nada sobre
a obrigação de pagar mais caro por advogados que estudaram cinco anos para
prestar serviços corriqueiros sem complexidades ou consequências jurídicas
maiores. A resposta: custa muito caro porque, quando pagamos a um advogado,
temos de ressarci-lo pelos anos de estudos de Direito e pagar um naco das
mensalidades da OAB, que é um sindicato que defende mais os interesses dos
advogados que o dos clientes.

Desregulamentar a medicina? Certamente. Faço palestras em que proponho a
desregulamentação da medicina. A reação das plateias é de horror. Mas como? É a
nossa saúde que está em jogo!

Imediatamente depois da reação, mas ainda durante o pânico, peço que levantem a
mão todas as pessoas que utilizaram (ou seus parentes próximos) tratamentos
alternativos, como cromoterapia, florais de Bach, aromaterapia, cinesiologia,
hidroterapia, iridologia, quiropracticia, etc. Sempre mais de metade das
audiências levantou as mãos. Ou seja, as pessoas acreditam em terapias
alternativas, usam-nas em substituição à medicina e muitas depositam a
continuidade de sua vida nelas (como quem se trata de câncer com extratos de
sementes de pêssegos). Mas, quando perguntadas, a maioria diz-se a favor da
regulamentação da medicina.

Bem-vindos ao mundo das profissões regulamentadas. O Cialis, o maior concorrente
do Viagra para disfunção erétil, custou ao laboratório que o inventou,
desenvolveu e comercializa entre US$ 600 milhões e US$ 800 milhões antes da
venda do primeiro comprimido. Foram centenas de cientistas, pesquisadores,
bioquímicos e milhares de testes exigidos pela FDA (a Anvisa americana). Cada
vez que compra uma caixa de Cialis, você paga por todos esses custos. Mas há um,
inútil, que você paga e não se dá conta: o salário da farmacêutica responsável
da filial da empresa que produz o Cialis no Brasil. Ela entra na produção do
Cialis como Pilatos no Credo, sem ter nada que ver com os benefícios do remédio.
Ela só está lá porque os farmacêuticos (como todos os outros profissionais
regulamentados) conseguiram que o Congresso Nacional votasse uma lei obrigando
todos os laboratórios a terem um(a) farmacêutico(a) responsável, e também cada
farmácia a ter um(a) farmacêutico(a) para lhe vender a caixinha dos comprimidos
mágicos (ou de qualquer outro remédio que você queira comprar).

José Zanine Caldas, famosíssimo arquiteto autodidata, desenhou e construiu
algumas das mais caras e belas casas do Joá e da Barra da Tijuca, no Rio de
Janeiro. Quem as comprava pagava por sua competência e seu bom gosto, mas um
naco era para o engenheiro formado, cuja única função era assinar a planta.
Zanine foi professor na Universidade de Brasília. Hoje não poderia, porque não
tinha diploma.

Em resumo, não ganhamos nada com profissões regulamentadas. Só ganham os
profissionais que fazem parte delas.

Sou contra as faculdades? Não (vivo, em parte, de ser professor). Mas acho que
todos devem poder contratar, para qualquer serviço, o profissional em quem
confiam, independentemente de ter ou não um diploma e/ou um registro profissional.

Quando regulamentam profissões, parlamentares caem na esparrela de acreditar que
estão defendendo o público. Potoca. Estão apenas defendendo um mercado cativo
para grupos politicamente organizados que buzinaram nos seus ouvidos que eles
deviam regulamentar alguma profissão.

O problema não é só brasileiro. Todos os prédios que você vê ao vivo em Las
Vegas, ou no seriado CSI, foram construídos por pessoas de bom caráter.
Pedreiros, no Estado de Nevada, precisam apresentar um atestado de bom caráter,
além de saber empilhar tijolos.

Uma lei de 1952 proibia comunistas de serem farmacêuticos no Texas e, no Estado
de Washington, veterinários eram proibidos de tratar de vacas enfermas se não
assinassem um juramento anticomunista.

Há no Congresso brasileiro 169 projetos de regulamentação de profissões. A cada
um que for aprovado você pagará mais caro por aquele serviço, em troca de
proteção zero. Regulamentações profissionais só protegem os prestadores de
serviços e excluem concorrentes que poderiam prestar os mesmos serviços, só que
mais barato.

Acabou de ler o artigo? Não tem nada que fazer? Entre no YouTube
(http://www.youtube.com/watch?v=B6vOChhue20). E ouça o hino do farmacêutico.

Parabéns! A conta é toda sua, inclusive a do hino.

Alexandre Barros, cientista político (Ph.D. pela University of Chicago), é
diretor-gerente da Early Warning: Análise de Oportunidade e Risco Político 



Carlos Alberto de Braganca Pereira <cpereira@ime.usp.br>