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Einstein não seria pesquisador A1 do CNPq





íntegra:
<http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/nicolelis-diz-que-sofreu-sabotagem-nos-bastidores.html>
http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/nicolelis-diz-que-sofreu-sabotagem-nos-bastidores.html

Por *Alexandre Gonçalves*,
de*O Estado de S. Paulo*

Miguel Nicolelis é um dos pesquisadores brasileiros de maior prestígio.
Pioneiro nos estudos sobre interface cérebro-máquina, suas descobertas
aparecem na lista das dez tecnologias que devem mudar o mundo, divulgada
em 2001 pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em
inglês). Em 2009, tornou-se o primeiro brasileiro a merecer uma capa da
Science. Na quarta-feira, foi nomeado membro da Pontifícia Academia de
Ciências, no Vaticano. Ao Estado, Nicolelis falou sobre o impacto da
neurociência no futuro da humanidade. Criticou de forma contundente a
gestão científica no País, especialmente em São Paulo. Também questionou
os critérios ? marcadamente políticos ? que teriam norteado a escolha do
ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante.

(...)

*O que você acha da política científica brasileira?*

Está ultrapassada. Principalmente, a gestão científica. Foi por isso que
eu escrevi o Manifesto da Ciência Tropical (*PS do Viomundo:*publicado
primeiro*aqui mesmo, neste espaço*
<http://www.viomundo.com.br/entrevistas/nicolelis-lanca-manifesto-da-ciencia-tropical-vai-ditar-a-agenda-mundial-do-seculo-xxi.html>).

O mais importante nós temos: o talento humano. Mas ele é rapidamente
sufocado por normas absurdas dentro das universidades. Não podemos mais
fazer pesquisa de forma amadora. Devemos ter uma carreira para
pesquisadores em tempo integral e oferecer um suporte administrativo
profissional aos cientistas.

Visitei um dos melhores institutos de física do País, na Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE), e o pessoal não tem suporte nenhum. Se um
americano do Instituto de Física da Universidade Duke visitar os
pesquisadores brasileiros, não vai acreditar. Eles tomam conta do
auditório, fazem os cheques e compram as coisas, porque não é permitido
ter gestores científicos com formação específica para este trabalho. Nós
preferimos tirar cientistas que despontaram da academia. Aqui no Brasil
há a cultura de que, subindo na carreira científica, o último passo de
glória é virar um administrador do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq), do Ministério da Ciência e Tecnologia
(MCT) ou da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(Fapesp). É uma tragédia. Esses caras não tem formação para administrar
nada. Nem a casa deles. Não temos quadros de gestores. A gente gasta
muito dinheiro e presta muita atenção em besteira e não investe naquilo
que é fundamental.
*
Qual é a diferença nos mecanismos de financiamento e gestão científica
nos EUA e no Brasil?*

O investimento privado e público americano ? sem contar os gastos do
Pentágono que, em parte, são sigilosos ? é equiparável: cerca de US$ 250
bilhões anuais cada um (o equivalente a R$ 425 bilhões). Eles também
enfrentam o problema de que as empresas privadas não costumam investir
em pesquisa pura, meio de cultura de onde saem as ideias aplicadas.
Contudo, o governo não investe só em universidades. Ele também coloca
dinheiro em empresas e em institutos de pesquisa privados. Este é o segredo.

No Brasil, a grande maioria dos mecanismos públicos de financiamento
está voltado para universidades públicas. Sendo assim, você não contrata
cientistas e técnicos para um projeto, pois depende dos quadros da
universidade. Mas esses quadros estão dando 300 horas de aula por
semestre. Não dá para competir com um chinês que está em Berkeley
pesquisando o dia inteiro e recebendo milhões de dólares para contratar
quem ele quiser. Como fazer ciência sem gente?

Na realidade, os americanos não contam com pessoas mais capazes lá. O
que eles têm de diferente é um número muito maior de pesquisadores,
processos eficientes, gestão científica profissional ? a melhor jamais
inventada ? e dinheiro. Nos Estados Unidos, sou visto como um pequeno
empreendedor. Recebo dinheiro do governo americano e uma parcela menor
de investimento privado. Tenho assim uma ?padaria? que faz ciência:
posso contratar o padeiro, o faxineiro e a atendente de acordo com as
necessidades do projeto. Esse empreendedorismo não é permitido pelas
leis brasileiras. As mesmas regras que regem o gasto de quaisquer dez
mil réis que um cientista ganha do governo federal servem para controlar
licitações de centenas de milhões de reais para a construção de
estradas, hidrelétricas?

Achar que um cientista vai desviar dinheiro para fazer fortuna pessoal é
absurdo. O processo de financiamento deve ser mais aberto, com
mecanismos simples de auditoria. Além disso, deveria ser mais fácil
importar insumos e, com o tempo, precisaríamos atrair empresas para
produzi-los aqui. É um absurdo ver anticorpos apodrecerem no aeroporto
de Guarulhos por causa da burocracia. Alguém no topo da pirâmide ? o
presidente da República ou o ministro da Ciência e Tecnologia ? precisa
dizer: ?Chega. Acabou a brincadeira.?

É um desperdício gigantesco de talento e de dinheiro. A China está
recuperando pesquisadores que emigraram para os EUA oferecendo condições
de trabalho ainda melhores que as americanas. Milhares de brasileiros
voltariam ao Brasil se tivessem melhores condições para trabalhar. Mas o
sujeito vem para uma universidade federal e é obrigado a dar 300 horas
de aula por semestre. Perdemos o talento. Além disso, ele conquista a
estabilidade de forma quase automática. Que motivação vai ter para
crescer? Há talentos, mas os processos são medievais. E o cientista
brasileiro tem muito receito de bater de frente com as autoridades para
reivindicar o que ele realmente precisa.

*Quanto o Brasil deveria investir em ciência?*

O Brasil precisa investir de 4% a 5% do seu Produto Interno Bruto (PIB)
em ciência e tecnologia para encarar a China, a Índia, a Rússia, os
Estados Unidos, a Coreia do Sul? esses são os jogadores com quem devemos
nos equiparar. É o mesmo porcentual que já investimos em educação. É
essencial realizar os dois investimentos: por um lado, para formar gente
e iniciar a revolução educacional que o País precisa; por outro, para
usar o potencial intelectual dessas pessoas na produção de algo para o
País. Atualmente, investimos 1,3% do PIB. No Japão, é quase 4%. Isso
explica muita coisa.

*Você afirmou diversas vezes que a ciência precisa ser democratizada no
País.*

Sem dúvida. É uma atividade extremamente elitizada. Não temos a
penetração popular adequada nas universidades. Quantos doutores são
índios ou negros? A ciência deve ir ao encontro da sociedade brasileira.
Essa foi uma das razões que me motivaram a escrever o manifesto. Até bem
pouco tempo, a ciência era uma atividade da aristocracia brasileira. Há
30 ou 40 anos só a classe mais alta tinha acesso à universidade. Não
precisavam de financiamento porque tinham dinheiro próprio.

Hoje, nós precisamos de cientista que joga futebol na praia de Boa
Viagem. Precisamos do moleque que está na escola pública. As crianças
precisam ter acesso à educação científica, à iniciação científica. O que
também implica uma democratização na distribuição de oportunidades e
recursos em todo o País. Estamos trabalhando com 21 crianças da
periferia de Natal. Elas nem mesmo entraram no ensino médio e já estão
sendo incorporadas às linhas de produção de ciência do nosso instituto.
Quatro participaram de um projeto piloto em que aprenderam a usar
ressonância nuclear magnética de bancada para medir o volume de óleo nas
sementes do pinhão-manso do semi-árido nordestino. E classificaram as
diferentes sementes de acordo com a quantidade de óleo. Duvido que
exista algum técnico na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa) melhor do que essas crianças.

Não precisamos mais de caciques. Precisamos de índios. Devemos investir
na massificação dos talentos. Esses moleques vão decidir o que vai ser a
nossa ciência. Se chega um jovem muito talentoso que quer investigar
besouro, devemos responder: ?Está bom, filho. Vai pesquisar besouro.? Eu
não investiria em tópicos, em áreas específicas. Eu investiria
primordialmente em gente. Porque se você investir em pessoas talentosas,
elas encontrarão nichos em que o Brasil terá benefícios tremendos. Nós
temos uma das maiores olimpíadas de matemática do mundo, o que comprova
que nosso talento matemático é enorme. Mas não dá frutos porque faltam
caminhos, oportunidades, veículos?

Acreditamos que devemos escolher o melhor menino. Mas e os outros cem
mil que quase ganharam? Precisam de incentivo para continuar. Por isso,
eu proponho o bolsa-ciência. É um bolsa-família para garoto que tem
talento científico. Não precisa ser gênio. Estou fazendo isso com esses
21 meninos. Os quatro garotos do pinhão-manso recebem mais dinheiro do
que o pai e a mãe: uma bolsa de R$ 520 paga por doadores privados.
Precisamos investir no caos que é o sistema nervoso. Desta forma,
encontraremos caminhos imprevistos, surpresas agradáveis.
*
Como avaliar mérito na academia?*

Nós publicamos mais do que a Suíça. Mas o impacto da ciência suíça é
muito maior. Basta ver o número de prêmios Nobel lá. E eles têm apenas
cinco milhões de habitantes. Na academia brasileira, as recompensas
dependem do que eu chamo de ?índice gravitacional de publicação?: quanto
mais pesado o currículo, melhor. Ou seja, o cientista precisa colecionar
o maior número de publicações ? sem importar tanto seu conteúdo. Não
pode ser assim. O mérito tem de ser julgado pelo impacto nacional ou
internacional de uma pesquisa. Não podemos dizer: quem publica mais,
leva o bolo. Porque aí o sujeito começa a publicar em qualquer revista.
Não é difícil. A publicação científica é um negócio como qualquer outro.
Mesmo se você considerar as revistas de maior impacto. Também não
adianta criar e usar um índice numérico de citações (que mede o número
de citações dos artigos de um determinado cientista).

Talento não está no número de citações: é imponderável. Meu departamento
na Universidade Duke nunca pediu meu índice de citação. Também nunca
calculei. Quando sai do Brasil, achei que estava deixando um mundo de
lordes da ciência. Fui perguntando nome por nome lá fora. Ninguém
conhecia. Ninguém sabia quem era. Críamos uma bolha provinciana que deve
ser estourada agora se o Brasil quer dar um salto quântico. Mas as
pessoas têm receio de falar com medo de perder o financiamento. Há
outras formas de medir o impacto científico: ver o que cara está fazendo
e consultar a opinião de pessoas que importam no mundo, dos líderes de
cada área. Sob este ponto de vista, o impacto da ciência brasileira é
muito baixo. E precisamos dizer isso sem medo. Não dá para esconder o
sol com a peneira.

Quando decidem criar um Instituto Nacional (de Ciência e Tecnologia), em
vez de dividir o dinheiro entre 30 ou 40 pesquisadores promissores,
preferem pulverizar o dinheiro entre 120 cientistas, muitos deles com
propostas que não vão chegar a lugar nenhum. Cada um recebe um R$ 1
milhão, uma quantia considerável na opinião de muita gente mas que não
paga nem a conta de luz de um projeto bem feito. Não podemos ter receio
de selecionar os melhores. Você precisa escolher os bons jogadores, não
os pernas-de-pau. Outra coisa: só o Brasil ainda admite cientista por
concurso público. Cientista tem de ser admitido por mérito, por
julgamento de pares, por entrevista, por compromisso, por plano de trabalho.

*Como você se vê na Academia?*

Sou um pária. Não tenho o menor receio de falar isso. Sou tolerado.
Ninguém chega para mim de frente e fala qualquer coisa. Mas, nos
bastidores, é inacreditável a sabotagem de que fomos vítimas aqui em
Natal nos últimos oito anos. Mas sobrevivemos. O Brasil é uma obsessão
para mim. Há muita gente que não faz e não quer que ninguém faça, pois o
status quo está bem. Tenho excelentes amigos na academia do País,
respeito profundamente a ciência brasileira. Sou cria de um dos
fundadores da neurociência no Brasil, o professor César Timo-Iaria, e
neto científico de um prêmio Nobel argentino ? Bernardo Alberto Houssay.

Por isso, foi uma triste surpresa os anticorpos que senti quando eu
voltei. Algumas pessoas ficaram ofendidas porque não fiz o beija-mão
pedindo permissão para fazer ciência na periferia de Natal. Este ano, na
avaliação dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs),
tivemos um dos melhores pareceres técnicos da área de biomedicina. E o
nosso orçamento foi misteriosamente cortado em 75%. Pedi R$ 7 milhões.
Recebemos R$ 1,5 milhão.

Operamos com um sexto do nosso orçamento. As pessoas têm medo de abrir a
boca, porque você é engolido pelos pares. Então, eu fico imaginando um
pesquisador que volta para o Brasil depois de estudar lá fora. De
qualquer forma, o pessoal precisa entender que voltar para o Brasil é
assumir um tipo especial de compromisso. Não é ir para Harvard, Yale?
Você deve estar disposto a dar seu quinhão para o País porque ele ainda
está em construção. Nem tudo vai funcionar como a gente quer. Vejo muita
gente egoísta voltando para o Brasil. Os jovens precisam olhar menos
para o umbigo e mais para a sociedade.

*Qual é o futuro dos jovens pesquisadores no País?*

Atualmente, eles têm uma dificuldade tremenda de conseguir dinheiro
porque não são pesquisadores 1A do CNPq. Você precisa ser um cardeal da
academia para conseguir dinheiro e sobressair. Com um físico da UFPE,
cheguei à conclusão de que Albert Einstein não seria pesquisador 1A do
CNPq, porque ele não preenche todos os pré-requisitos ? número de
orientandos de mestrado, de doutorado?

Se Einstein não poderia estar no topo, há algo errado. Minha esperança é
que o futuro ministro ataque isso de frente pois, até agora, ninguém
teve coragem de bater de frente com o establishment da ciência
brasileira. Ninguém teve coragem de chegar lá e dizer: ?Chega! Não é
assim! A ciência não está devolvendo ao povo brasileiro o investimento
do povo na ciência.? Os cientistas brilhantes jovens não têm acesso às
benesses que os grandes cardeais ? pesquisadores A1 do CNPq ? têm,
muitos deles sem ter feito muita coisa que valha.

Além disso, veja a situação do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia
(CCT, que assessora o presidente da República nas decisões relacionadas
à política científica). O presidente da Academia Brasileira de Ciências
(ABC) ? agora, um grande matemático ? me perdoe, mas ele não deveria ter
cadeira cativa nesse conselho. O Brasil deveria ter um conselho de gente
que está fazendo ciência mundo afora. E não pessoas que ocupam cargos
burocráticos em associações de classe. Deveria ser gente com impacto no
mundo. E pessoas jovens com a cabeça aberta. Mas as pessoas têm muita
dificuldade de quebrar esses rituais.

Para entender a que me refiro, basta participar de reuniões científicas
e acompanhar a composição de uma mesa. Não há nada semelhante em lugar
nenhum do mundo: perder três minutos anunciando autoridades e nomeando
quem está na mesa. É coisa de cartório português da Idade Média.
Cientista é um cidadão comum. Ele não tem de fazer toda essa firula para
apresentar o que está fazendo. É um desperdício de energia, uma pompa
completamente desnecessária. Muitas vezes, os pesquisadores jovens não
podem abrir a boca diante dos cientistas mais velhos. Eu ouço isso em
todo o Brasil.

No meu departamento nos Estados Unidos, sou professor titular há quase
doze anos. Minha voz não vale mais que a de qualquer outro que acabou de
chegar. Qualquer um pode me interpelar a qualquer momento. Qualquer um
pode reclamar de qualquer coisa. Qualquer um pode fazer qualquer
pergunta. E ninguém me chama de professor Nicolelis. Meu nome lá é
Miguel. Por quê? Porque o cientista é algo comum na sociedade. O meu
estado (a Carolina do Norte) possui uma das maiores densidades de PhD na
população dos EUA. Se você se comportar como um pavão lá, vai se dar
mal. Todo mundo tem pelo menos um PhD.

Aqui, precisamos colocar a molecada da periferia de Natal, de Rio Branco
e de Macapá na ABC, por mérito. Às vezes, parece que existe uma igreja
chamada Ciência no País. Se você não é um membro certificado, ela é
impenetrável. Minhas críticas não são pessoais. Quero que o Brasil seja
uma potência científica para o bem da humanidade. As pessoas precisam
ver que a juventude científica brasileira está de mãos atadas.
Precisamos libertar este povo. Já estou no terço final da minha carreira
científica. O que me resta é ajudar essa molecada a fazer o melhor.
*
Você tem uma opinião bastante crítica sobre a política científica no
País. Mas, na eleição, manifestou apoio publicamente à Dilma. Por quê?*

Porque a outra opção era trágica. Basta olhar para o Estado de São
Paulo: para a educação, a saúde e as universidades públicas. Não preciso
falar mais nada. Eu adoro a USP, onde me formei. Mas a liderança que
temos hoje na USP é terrível. O reitor da USP (João Grandino Rodas) é
uma pessoa de pouca visão. Não chega nem perto da tradição das pessoas
que passaram por aquele lugar. São Paulo acabou de perder um
investimento de 150 milhões de francos suíços (cerca de R$ 270 milhões)
porque o reitor da USP não tinha tempo para receber a delegação de mais
alto nível já enviada pelo governo suíço ao Brasil. Mandaram o
pró-reitor de pesquisa da universidade (Marco Antônio Zago) fazer uma
apresentação para eles. Ninguém agradeceu a visita. Manifestei
oficialmente ao professor Zago minha indignação como ex-aluno da USP.

Um dos integrantes da delegação suíça doou um super-computador de US$ 20
milhões de dólares (cerca de R$ 34 milhões) para nosso instituto em
Natal. Chegou na semana passada e será um dos mais velozes do Brasil.
Não pagamos um centavo. Não há mais espaço para provincianismo na
ciência mundial. Nas reuniões que eu presenciei com comitês e comissões
de outros países, a tônica da Fapesp sempre foi assim: ?Fora de São
Paulo não existe ciência que valha a pena investir?. Esse tipo de coisa
é muito mal visto pelos estrangeiros. Não há mais lugar para
regionalismo, preconceito? É ótimo para São Paulo ser responsável por
70% da produção científica do País, mas é muito ruim para o País, que
precisa democratizar o acesso à ciência. Não adianta dizer em reuniões
com emissários internacionais que São Paulo tem uma ?relação amistosa?
com o Brasil, este outro País fora das fronteiras do Estado. Este
bairrismo não ajuda em nada.

A Fapesp é uma jóia, um ícone nacional, reconhecida no mundo inteiro.
Mas isso não quer dizer que as últimas administrações foram boas. Temos
de ser críticos. Esta última administração, em especial, foi muito ruim.
A Fapesp está perdendo importância. Veja só: a Science (no artigo
publicado há algumas semanas sobre a ciência no Brasil) não dedicou uma
linha à Fapesp. Que surpresas você vê saindo da ciência de São Paulo?
Acho que a matéria da Science foi uma boa chamada para acordar, para
sair dos louros, descer do salto alto e ver o que podemos fazer com os
R$ 500 milhões anuais da Fapesp. Ah, se eu tivesse um orçamento assim!
Temos muito menos e posso dizer para o diretor-científico da Fapesp
(Carlos Henrique de Brito Cruz) que nós saímos na Science. E ele tem
condição de investir nos melhores centros de pesquisa do País.

*Como você avalia o governo Lula?*

Apoiei e apoio incondicionalmente o presidente Lula porque vivemos hoje
o melhor momento da história do País. A proposta global de inclusão do
governo Lula ? e espero que será a mesma com a Dilma ? é aquela que eu
acredito. Contudo, os detalhes devem ser corrigidos. Admiro
profundamente o ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende.
Tivemos grandes avanços como a criação dos INCTs e dos fundos setoriais.
Mas o ministro não enfrentou a estrutura.

Talvez não pudesse? por não ter condições práticas ou por fazer parte
dela, por ter crescido nela. Em oito anos, nunca fui chamado para dar
uma opinião no MCT ou para apresentar os resultados do projeto de Natal.
Sei que outros cientistas, melhores do que eu, também não foram
chamados. É curioso. Mas fui chamado pelo Ministério da Educação. O
ministro (Fernando Haddad) é o melhor já tivemos na história da
República. Ele criou a infraestrutura que será lembrada daqui a 50 anos
como a reviravolta da educação brasileira. Com o Haddad eu consigo
conversar e nossa parceria está dando resultados.
*
O que você achou da escolha de Aloizio Mercadante para o MCT?*

Estou curioso para saber qual é o currículo dele para gestão científica.
Fiquei surpreso com a indicação, mas não o conheço. Não tenho a mínima
ideia do seu grau de competência. Mas não fica bem para a ciência
brasileira ? um ministério tão importante ? virar prêmio de consolação
para quem perdeu a eleição. Não é uma boa mensagem. Mas talvez seja bom
que o futuro ministro não seja um cientista de bancada, alguém ligado à
comunidade científica. Assim, se ele tiver determinação política, poderá
quebrar os vícios.

O primeiro ministro da Ciência e Tecnologia (Renato Archer, que
permaneceu no cargo de 1985 a 1987) não era cientista e foi talvez um
dos melhores gestores que já tivemos. Ele tinha consciência de que seu
ministério era estratégico. O MCT estabelece parcerias e tem impacto na
ação de outros ministérios: Educação, Saúde, Indústria e Comércio,
Relações Exteriores, Agricultura, Meio Ambiente? Hoje, boa parte do
orçamento do ministério não é nem executado. As agências de
financiamento não têm uma rotina de chamadas. Não podemos continuar como
está.