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Benesses?



Caros Redistas,

Entendo que muitos pontos Âdo artigo-entrevista do Prof. Miguel Nicolelis, que eu jà conhecia, parecem corretos. Com todo o respeito ao brilhante cientista, permitam-me discordar (com veemÃncia) apenas da primeira parte de sua assertiva:

"Os cientistas brilhantes jovens nÃo tÃm acesso Ãs benesses que os grandes cardeais, pesquisadores A1 do CNPq tÃm, muitos deles sem ter Âfeito muita coisa que valha".

Realmente nÃo conheÃo essas benesses.ÂÂAlguÃm saberia dizer, que benesses sÃo essas? Um pesquisador Â1A Âdo CNPq ganha (mensalmente) cerca de R$ 1500 de bolsa de produtividade e R$ 1300 de taxa de bancada para participaÃÃo de eventos, compra de livros e sofware, micro-computadores e outros itens bÃsicos que as universidades nÃo fornecem. ÂSeriam esses valores benesses? ÂOs pesquisadores 1B Âe 1C ganham valores similares. Recentemente, recebi do CNPq ÂR$ 12000,00 como cordenador cientÃfico da 12 EMR para pagar as despe sas dos conferencistas. Esse valor à uma benesse?

Benesses recebem nossos nobres parlamentares!

Cordiais SaudaÃÃes,

Gauss



"There is no branch of mathematics, however abstract, which may not some day be applied to phenomena of the real world" (Lobachevsky).



Â




Em 29/01/2011 01:59, Augusto Filho < augustofilho@cpdee.ufmg.br > escreveu:



Ãntegra:

http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/nicolelis-diz-que-sofreu-sabotagem-nos-bastidores.html

Por *Alexandre GonÃalves*,
de*O Estado de S. Paulo*

Miguel Nicolelis à um dos pesquisadores brasileiros de maior prestÃgio.
Pioneiro nos estudos sobre interface cÃrebro-mÃquina, suas descobertas
aparecem na lista das dez tecnologias que devem mudar o mundo, divulgada
em 2001 pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em
inglÃs). Em 2009, tornou-se o primeiro brasileiro a merecer uma capa da
Science. Na quarta-feira, foi nomeado membro da PontifÃcia Academia de
CiÃncias, no Vaticano. Ao Estado, Nicolelis falou sobre o impacto da
neurociÃncia no futuro da humanidade. Criticou de forma contundente a
gestÃo cientÃfica no PaÃs, especialmente em SÃo Pa ulo. TambÃm questionou
os critÃrios  marcadamente polÃticos  que teriam norteado a escolha do
ministro da CiÃncia e Tecnologia, Aloizio Mercadante.

(...)

*O que vocà acha da polÃtica cientÃfica brasileira?*

Està ultrapassada. Principalmente, a gestÃo cientÃfica. Foi por isso que
eu escrevi o Manifesto da CiÃncia Tropical (*PS do Viomundo:*publicado
primeiro*aqui mesmo, neste espaÃo*
).

O mais importante nÃs temos: o talento humano. Mas ele à rapidamente
sufocado por normas absurdas dentro das universidades. NÃo podemos mais
fazer pesquisa de forma amadora. Devemos ter uma carreira para
pesquisadores em tempo integral e oferecer um suporte administrativo
profissional aos cientistas.

Visitei um dos melhores institutos de fÃsica do PaÃs, na Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE), e o pessoal nÃo tem suporte nenhum. Se um
americano do Instituto d e FÃsica da Universidade Duke visitar os
pesquisadores brasileiros, nÃo vai acreditar. Eles tomam conta do
auditÃrio, fazem os cheques e compram as coisas, porque nÃo à permitido
ter gestores cientÃficos com formaÃÃo especÃfica para este trabalho. NÃs
preferimos tirar cientistas que despontaram da academia. Aqui no Brasil
hà a cultura de que, subindo na carreira cientÃfica, o Ãltimo passo de
glÃria à virar um administrador do Conselho Nacional de Desenvolvimento
CientÃfico e TecnolÃgico (CNPq), do MinistÃrio da CiÃncia e Tecnologia
(MCT) ou da FundaÃÃo de Amparo à Pesquisa do Estado de SÃo Paulo
(Fapesp). Ã uma tragÃdia. Esses caras nÃo tem formaÃÃo para administrar
nada. Nem a casa deles. NÃo temos quadros de gestores. A gente gasta
muito dinheiro e presta muita atenÃÃo em besteira e nÃo investe naquilo
que à fundamental.
*
Qual à a diferenÃa nos mecanismos de financiame nto e gestÃo cientÃfica
nos EUA e no Brasil?*

O investimento privado e pÃblico americano  sem contar os gastos do
PentÃgono que, em parte, sÃo sigilosos  à equiparÃvel: cerca de US$ 250
bilhÃes anuais cada um (o equivalente a R$ 425 bilhÃes). Eles tambÃm
enfrentam o problema de que as empresas privadas nÃo costumam investir
em pesquisa pura, meio de cultura de onde saem as ideias aplicadas.
Contudo, o governo nÃo investe sà em universidades. Ele tambÃm coloca
dinheiro em empresas e em institutos de pesquisa privados. Este à o segredo.

No Brasil, a grande maioria dos mecanismos pÃblicos de financiamento
està voltado para universidades pÃblicas. Sendo assim, vocà nÃo contrata
cientistas e tÃcnicos para um projeto, pois depende dos quadros da
universidade. Mas esses quadros estÃo dando 300 horas de aula por
semestre. NÃo dà para competir com um chinÃs que està em Berkeley< br />pesquisando o dia inteiro e recebendo milhÃes de dÃlares para contratar
quem ele quiser. Como fazer ciÃncia sem gente?

Na realidade, os americanos nÃo contam com pessoas mais capazes lÃ. O
que eles tÃm de diferente à um nÃmero muito maior de pesquisadores,
processos eficientes, gestÃo cientÃfica profissional  a melhor jamais
inventada  e dinheiro. Nos Estados Unidos, sou visto como um pequeno
empreendedor. Recebo dinheiro do governo americano e uma parcela menor
de investimento privado. Tenho assim uma Âpadaria que faz ciÃncia:
posso contratar o padeiro, o faxineiro e a atendente de acordo com as
necessidades do projeto. Esse empreendedorismo nÃo à permitido pelas
leis brasileiras. As mesmas regras que regem o gasto de quaisquer dez
mil rÃis que um cientista ganha do governo federal servem para controlar
licitaÃÃes de centenas de milhÃes de reais para a construÃÃo de
estrada s, hidrelÃtricasÂ

Achar que um cientista vai desviar dinheiro para fazer fortuna pessoal Ã
absurdo. O processo de financiamento deve ser mais aberto, com
mecanismos simples de auditoria. AlÃm disso, deveria ser mais fÃcil
importar insumos e, com o tempo, precisarÃamos atrair empresas para
produzi-los aqui. Ã um absurdo ver anticorpos apodrecerem no aeroporto
de Guarulhos por causa da burocracia. AlguÃm no topo da pirÃmide  o
presidente da RepÃblica ou o ministro da CiÃncia e Tecnologia  precisa
dizer: ÂChega. Acabou a brincadeira.Â

à um desperdÃcio gigantesco de talento e de dinheiro. A China estÃ
recuperando pesquisadores que emigraram para os EUA oferecendo condiÃÃes
de trabalho ainda melhores que as americanas. Milhares de brasileiros
voltariam ao Brasil se tivessem melhores condiÃÃes para trabalhar. Mas o
sujeito vem para uma universidade federal e à obrigado a dar 300 h oras
de aula por semestre. Perdemos o talento. AlÃm disso, ele conquista a
estabilidade de forma quase automÃtica. Que motivaÃÃo vai ter para
crescer? HÃ talentos, mas os processos sÃo medievais. E o cientista
brasileiro tem muito receito de bater de frente com as autoridades para
reivindicar o que ele realmente precisa.

*Quanto o Brasil deveria investir em ciÃncia?*

O Brasil precisa investir de 4% a 5% do seu Produto Interno Bruto (PIB)
em ciÃncia e tecnologia para encarar a China, a Ãndia, a RÃssia, os
Estados Unidos, a Coreia do Sul esses sÃo os jogadores com quem devemos
nos equiparar. à o mesmo porcentual que jà investimos em educaÃÃo. Ã
essencial realizar os dois investimentos: por um lado, para formar gente
e iniciar a revoluÃÃo educacional que o PaÃs precisa; por outro, para
usar o potencial intelectual dessas pessoas na produÃÃo de algo para o
PaÃs. Atualmente, investimos 1,3% do PIB. No JapÃo, Ã quase 4%. Isso
explica muita coisa.

*Vocà afirmou diversas vezes que a ciÃncia precisa ser democratizada no
PaÃs.*

Sem dÃvida. Ã uma atividade extremamente elitizada. NÃo temos a
penetraÃÃo popular adequada nas universidades. Quantos doutores sÃo
Ãndios ou negros? A ciÃncia deve ir ao encontro da sociedade brasileira.
Essa foi uma das razÃes que me motivaram a escrever o manifesto. Atà bem
pouco tempo, a ciÃncia era uma atividade da aristocracia brasileira. HÃ
30 ou 40 anos sà a classe mais alta tinha acesso à universidade. NÃo
precisavam de financiamento porque tinham dinheiro prÃprio.

Hoje, nÃs precisamos de cientista que joga futebol na praia de Boa
Viagem. Precisamos do moleque que està na escola pÃblica. As crianÃas
precisam ter acesso à educaÃÃo cientÃfica, à iniciaÃÃo cientÃfica. O que
tambÃm implica uma democrat izaÃÃo na distribuiÃÃo de oportunidades e
recursos em todo o PaÃs. Estamos trabalhando com 21 crianÃas da
periferia de Natal. Elas nem mesmo entraram no ensino mÃdio e jà estÃo
sendo incorporadas Ãs linhas de produÃÃo de ciÃncia do nosso instituto.
Quatro participaram de um projeto piloto em que aprenderam a usar
ressonÃncia nuclear magnÃtica de bancada para medir o volume de Ãleo nas
sementes do pinhÃo-manso do semi-Ãrido nordestino. E classificaram as
diferentes sementes de acordo com a quantidade de Ãleo. Duvido que
exista algum tÃcnico na Empresa Brasileira de Pesquisa AgropecuÃria
(Embrapa) melhor do que essas crianÃas.

NÃo precisamos mais de caciques. Precisamos de Ãndios. Devemos investir
na massificaÃÃo dos talentos. Esses moleques vÃo decidir o que vai ser a
nossa ciÃncia. Se chega um jovem muito talentoso que quer investigar
besouro, devemos responder: ÂEstà bom, fi lho. Vai pesquisar besouro. Eu
nÃo investiria em tÃpicos, em Ãreas especÃficas. Eu investiria
primordialmente em gente. Porque se vocà investir em pessoas talentosas,
elas encontrarÃo nichos em que o Brasil terà benefÃcios tremendos. NÃs
temos uma das maiores olimpÃadas de matemÃtica do mundo, o que comprova
que nosso talento matemÃtico à enorme. Mas nÃo dà frutos porque faltam
caminhos, oportunidades, veÃculosÂ

Acreditamos que devemos escolher o melhor menino. Mas e os outros cem
mil que quase ganharam? Precisam de incentivo para continuar. Por isso,
eu proponho o bolsa-ciÃncia. Ã um bolsa-famÃlia para garoto que tem
talento cientÃfico. NÃo precisa ser gÃnio. Estou fazendo isso com esses
21 meninos. Os quatro garotos do pinhÃo-manso recebem mais dinheiro do
que o pai e a mÃe: uma bolsa de R$ 520 paga por doadores privados.
Precisamos investir no caos que à o sistema nervoso. D esta forma,
encontraremos caminhos imprevistos, surpresas agradÃveis.
*
Como avaliar mÃrito na academia?*

NÃs publicamos mais do que a SuÃÃa. Mas o impacto da ciÃncia suÃÃa Ã
muito maior. Basta ver o nÃmero de prÃmios Nobel lÃ. E eles tÃm apenas
cinco milhÃes de habitantes. Na academia brasileira, as recompensas
dependem do que eu chamo de ÂÃndice gravitacional de publicaÃÃoÂ: quanto
mais pesado o currÃculo, melhor. Ou seja, o cientista precisa colecionar
o maior nÃmero de publicaÃÃes  sem importar tanto seu conteÃdo. NÃo
pode ser assim. O mÃrito tem de ser julgado pelo impacto nacional ou
internacional de uma pesquisa. NÃo podemos dizer: quem publica mais,
leva o bolo. Porque aà o sujeito comeÃa a publicar em qualquer revista.
NÃo à difÃcil. A publicaÃÃo cientÃfica à um negÃcio como qualquer outro.
Mesmo se vocà considerar as revistas de maior impacto. TambÃm nÃo
adianta criar e usar um Ãndice numÃrico de citaÃÃes (que mede o nÃmero
de citaÃÃes dos artigos de um determinado cientista).

Talento nÃo està no nÃmero de citaÃÃes: à imponderÃvel. Meu departamento
na Universidade Duke nunca pediu meu Ãndice de citaÃÃo. TambÃm nunca
calculei. Quando sai do Brasil, achei que estava deixando um mundo de
lordes da ciÃncia. Fui perguntando nome por nome là fora. NinguÃm
conhecia. NinguÃm sabia quem era. CrÃamos uma bolha provinciana que deve
ser estourada agora se o Brasil quer dar um salto quÃntico. Mas as
pessoas tÃm receio de falar com medo de perder o financiamento. HÃ
outras formas de medir o impacto cientÃfico: ver o que cara està fazendo
e consultar a opiniÃo de pessoas que importam no mundo, dos lÃderes de
cada Ãrea. Sob este ponto de vista, o impacto da ciÃncia brasileira Ã
muito baixo. E precisamos dizer isso sem medo. NÃo dà para esconder o
sol com a peneira.

Quando decidem criar um Instituto Nacional (de CiÃncia e Tecnologia), em
vez de dividir o dinheiro entre 30 ou 40 pesquisadores promissores,
preferem pulverizar o dinheiro entre 120 cientistas, muitos deles com
propostas que nÃo vÃo chegar a lugar nenhum. Cada um recebe um R$ 1
milhÃo, uma quantia considerÃvel na opiniÃo de muita gente mas que nÃo
paga nem a conta de luz de um projeto bem feito. NÃo podemos ter receio
de selecionar os melhores. Vocà precisa escolher os bons jogadores, nÃo
os pernas-de-pau. Outra coisa: sà o Brasil ainda admite cientista por
concurso pÃblico. Cientista tem de ser admitido por mÃrito, por
julgamento de pares, por entrevista, por compromisso, por plano de trabalho.

*Como vocà se và na Academia?*

Sou um pÃria. NÃo tenho o menor receio de falar isso. Sou tolerado.
NinguÃm chega para mim de frente e fala qua lquer coisa. Mas, nos
bastidores, Ã inacreditÃvel a sabotagem de que fomos vÃtimas aqui em
Natal nos Ãltimos oito anos. Mas sobrevivemos. O Brasil à uma obsessÃo
para mim. HÃ muita gente que nÃo faz e nÃo quer que ninguÃm faÃa, pois o
status quo està bem. Tenho excelentes amigos na academia do PaÃs,
respeito profundamente a ciÃncia brasileira. Sou cria de um dos
fundadores da neurociÃncia no Brasil, o professor CÃsar Timo-Iaria, e
neto cientÃfico de um prÃmio Nobel argentino  Bernardo Alberto Houssay.

Por isso, foi uma triste surpresa os anticorpos que senti quando eu
voltei. Algumas pessoas ficaram ofendidas porque nÃo fiz o beija-mÃo
pedindo permissÃo para fazer ciÃncia na periferia de Natal. Este ano, na
avaliaÃÃo dos Institutos Nacionais de CiÃncia e Tecnologia (INCTs),
tivemos um dos melhores pareceres tÃcnicos da Ãrea de biomedicina. E o
nosso orÃamento foi misteriosame nte cortado em 75%. Pedi R$ 7 milhÃes.
Recebemos R$ 1,5 milhÃo.

Operamos com um sexto do nosso orÃamento. As pessoas tÃm medo de abrir a
boca, porque vocà à engolido pelos pares. EntÃo, eu fico imaginando um
pesquisador que volta para o Brasil depois de estudar là fora. De
qualquer forma, o pessoal precisa entender que voltar para o Brasil Ã
assumir um tipo especial de compromisso. NÃo à ir para Harvard, YaleÂ
Vocà deve estar disposto a dar seu quinhÃo para o PaÃs porque ele ainda
està em construÃÃo. Nem tudo vai funcionar como a gente quer. Vejo muita
gente egoÃsta voltando para o Brasil. Os jovens precisam olhar menos
para o umbigo e mais para a sociedade.

*Qual à o futuro dos jovens pesquisadores no PaÃs?*

Atualmente, eles tÃm uma dificuldade tremenda de conseguir dinheiro
porque nÃo sÃo pesquisadores 1A do CNPq. Vocà precisa ser um cardeal da
academia para con seguir dinheiro e sobressair. Com um fÃsico da UFPE,
cheguei à conclusÃo de que Albert Einstein nÃo seria pesquisador 1A do
CNPq, porque ele nÃo preenche todos os prÃ-requisitos  nÃmero de
orientandos de mestrado, de doutoradoÂ

Se Einstein nÃo poderia estar no topo, hà algo errado. Minha esperanÃa Ã
que o futuro ministro ataque isso de frente pois, atà agora, ninguÃm
teve coragem de bater de frente com o establishment da ciÃncia
brasileira. NinguÃm teve coragem de chegar là e dizer: ÂChega! NÃo Ã
assim! A ciÃncia nÃo està devolvendo ao povo brasileiro o investimento
do povo na ciÃncia. Os cientistas brilhantes jovens nÃo tÃm acesso Ãs
benesses que os grandes cardeais  pesquisadores A1 do CNPq  tÃm,
muitos deles sem ter feito muita coisa que valha.

AlÃm disso, veja a situaÃÃo do Conselho Nacional de CiÃncia e Tecnologia
(CCT, que assessora o presidente da Repà blica nas decisÃes relacionadas
à polÃtica cientÃfica). O presidente da Academia Brasileira de CiÃncias
(ABC)  agora, um grande matemÃtico  me perdoe, mas ele nÃo deveria ter
cadeira cativa nesse conselho. O Brasil deveria ter um conselho de gente
que està fazendo ciÃncia mundo afora. E nÃo pessoas que ocupam cargos
burocrÃticos em associaÃÃes de classe. Deveria ser gente com impacto no
mundo. E pessoas jovens com a cabeÃa aberta. Mas as pessoas tÃm muita
dificuldade de quebrar esses rituais.

Para entender a que me refiro, basta participar de reuniÃes cientÃficas
e acompanhar a composiÃÃo de uma mesa. NÃo hà nada semelhante em lugar
nenhum do mundo: perder trÃs minutos anunciando autoridades e nomeando
quem està na mesa. à coisa de cartÃrio portuguÃs da Idade MÃdia.
Cientista à um cidadÃo comum. Ele nÃo tem de fazer toda essa firula para
apresentar o que està fazendo. à um desperdÃcio de energia, uma pompa
completamente desnecessÃria. Muitas vezes, os pesquisadores jovens nÃo
podem abrir a boca diante dos cientistas mais velhos. Eu ouÃo isso em
todo o Brasil.

No meu departamento nos Estados Unidos, sou professor titular hà quase
doze anos. Minha voz nÃo vale mais que a de qualquer outro que acabou de
chegar. Qualquer um pode me interpelar a qualquer momento. Qualquer um
pode reclamar de qualquer coisa. Qualquer um pode fazer qualquer
pergunta. E ninguÃm me chama de professor Nicolelis. Meu nome là Ã
Miguel. Por qu� Porque o cientista à algo comum na sociedade. O meu
estado (a Carolina do Norte) possui uma das maiores densidades de PhD na
populaÃÃo dos EUA. Se vocà se comportar como um pavÃo lÃ, vai se dar
mal. Todo mundo tem pelo menos um PhD.

Aqui, precisamos colocar a molecada da periferia de Natal, de Rio Branco
e de Macapà na ABC, por mà ©rito. Ãs vezes, parece que existe uma igreja
chamada CiÃncia no PaÃs. Se vocà nÃo à um membro certificado, ela Ã
impenetrÃvel. Minhas crÃticas nÃo sÃo pessoais. Quero que o Brasil seja
uma potÃncia cientÃfica para o bem da humanidade. As pessoas precisam
ver que a juventude cientÃfica brasileira està de mÃos atadas.
Precisamos libertar este povo. JÃ estou no terÃo final da minha carreira
cientÃfica. O que me resta à ajudar essa molecada a fazer o melhor.
*
Vocà tem uma opiniÃo bastante crÃtica sobre a polÃtica cientÃfica no
PaÃs. Mas, na eleiÃÃo, manifestou apoio publicamente à Dilma. Por quÃ?*

Porque a outra opÃÃo era trÃgica. Basta olhar para o Estado de SÃo
Paulo: para a educaÃÃo, a saÃde e as universidades pÃblicas. NÃo preciso
falar mais nada. Eu adoro a USP, onde me formei. Mas a lideranÃa que
temos hoje na USP Ã terrÃvel. O reitor da USP (JoÃo Grandino Ro das) Ã
uma pessoa de pouca visÃo. NÃo chega nem perto da tradiÃÃo das pessoas
que passaram por aquele lugar. SÃo Paulo acabou de perder um
investimento de 150 milhÃes de francos suÃÃos (cerca de R$ 270 milhÃes)
porque o reitor da USP nÃo tinha tempo para receber a delegaÃÃo de mais
alto nÃvel jà enviada pelo governo suÃÃo ao Brasil. Mandaram o
prÃ-reitor de pesquisa da universidade (Marco AntÃnio Zago) fazer uma
apresentaÃÃo para eles. NinguÃm agradeceu a visita. Manifestei
oficialmente ao professor Zago minha indignaÃÃo como ex-aluno da USP.

Um dos integrantes da delegaÃÃo suÃÃa doou um super-computador de US$ 20
milhÃes de dÃlares (cerca de R$ 34 milhÃes) para nosso instituto em
Natal. Chegou na semana passada e serà um dos mais velozes do Brasil.
NÃo pagamos um centavo. NÃo hà mais espaÃo para provincianismo na
ciÃncia mundial. Nas reuniÃes que eu presenciei com co mitÃs e comissÃes
de outros paÃses, a tÃnica da Fapesp sempre foi assim: ÂFora de SÃo
Paulo nÃo existe ciÃncia que valha a pena investirÂ. Esse tipo de coisa
à muito mal visto pelos estrangeiros. NÃo hà mais lugar para
regionalismo, preconceito à Ãtimo para SÃo Paulo ser responsÃvel por
70% da produÃÃo cientÃfica do PaÃs, mas à muito ruim para o PaÃs, que
precisa democratizar o acesso à ciÃncia. NÃo adianta dizer em reuniÃes
com emissÃrios internacionais que SÃo Paulo tem uma ÂrelaÃÃo amistosaÂ
com o Brasil, este outro PaÃs fora das fronteiras do Estado. Este
bairrismo nÃo ajuda em nada.

A Fapesp à uma jÃia, um Ãcone nacional, reconhecida no mundo inteiro.
Mas isso nÃo quer dizer que as Ãltimas administraÃÃes foram boas. Temos
de ser crÃticos. Esta Ãltima administraÃÃo, em especial, foi muito ruim.
A Fapesp està perdendo importÃncia. Veja sÃ: a Science (no artigo
publicado hà algumas semanas sobre a ciÃncia no Brasil) nÃo dedicou uma
linha à Fapesp. Que surpresas vocà và saindo da ciÃncia de SÃo Paulo?
Acho que a matÃria da Science foi uma boa chamada para acordar, para
sair dos louros, descer do salto alto e ver o que podemos fazer com os
R$ 500 milhÃes anuais da Fapesp. Ah, se eu tivesse um orÃamento assim!
Temos muito menos e posso dizer para o diretor-cientÃfico da Fapesp
(Carlos Henrique de Brito Cruz) que nÃs saÃmos na Science. E ele tem
condiÃÃo de investir nos melhores centros de pesquisa do PaÃs.

*Como vocà avalia o governo Lula?*

Apoiei e apoio incondicionalmente o presidente Lula porque vivemos hoje
o melhor momento da histÃria do PaÃs. A proposta global de inclusÃo do
governo Lula  e espero que serà a mesma com a Dilma  à aquela que eu
acredito. Contudo, os detalhes devem ser corrigidos. Admiro
profundament e o ministro da CiÃncia e Tecnologia, SÃrgio Rezende.
Tivemos grandes avanÃos como a criaÃÃo dos INCTs e dos fundos setoriais.
Mas o ministro nÃo enfrentou a estrutura.

Talvez nÃo pudesse por nÃo ter condiÃÃes prÃticas ou por fazer parte
dela, por ter crescido nela. Em oito anos, nunca fui chamado para dar
uma opiniÃo no MCT ou para apresentar os resultados do projeto de Natal.
Sei que outros cientistas, melhores do que eu, tambÃm nÃo foram
chamados. Ã curioso. Mas fui chamado pelo MinistÃrio da EducaÃÃo. O
ministro (Fernando Haddad) à o melhor jà tivemos na histÃria da
RepÃblica. Ele criou a infraestrutura que serà lembrada daqui a 50 anos
como a reviravolta da educaÃÃo brasileira. Com o Haddad eu consigo
conversar e nossa parceria està dando resultados.
*
O que vocà achou da escolha de Aloizio Mercadante para o MCT?*

Estou curioso para saber qual à o currÃculo d ele para gestÃo cientÃfica.
Fiquei surpreso com a indicaÃÃo, mas nÃo o conheÃo. NÃo tenho a mÃnima
ideia do seu grau de competÃncia. Mas nÃo fica bem para a ciÃncia
brasileira  um ministÃrio tÃo importante  virar prÃmio de consolaÃÃo
para quem perdeu a eleiÃÃo. NÃo à uma boa mensagem. Mas talvez seja bom
que o futuro ministro nÃo seja um cientista de bancada, alguÃm ligado Ã
comunidade cientÃfica. Assim, se ele tiver determinaÃÃo polÃtica, poderÃ
quebrar os vÃcios.

O primeiro ministro da CiÃncia e Tecnologia (Renato Archer, que
permaneceu no cargo de 1985 a 1987) nÃo era cientista e foi talvez um
dos melhores gestores que jà tivemos. Ele tinha consciÃncia de que seu
ministÃrio era estratÃgico. O MCT estabelece parcerias e tem impacto na
aÃÃo de outros ministÃrios: EducaÃÃo, SaÃde, IndÃstria e ComÃrcio,
RelaÃÃes Exteriores, Agricultura, Meio Ambiente Hoje, boa parte do
orÃamento do ministÃrio nÃo à nem executado. As agÃncias de
financiamento nÃo tÃm uma rotina de chamadas. NÃo podemos continuar como
estÃ.