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Deu na Veja



Fonte: 

http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/precisamos-formar-sabios


25/03/2011 - 21:18

Entrevista: Drew Faust

'As universidades precisam formar sáos'

A reitora de Harvard diz que instituiçs devem resolver questõprácas, mas nãpodem ignorar a marca do próo DNA: produzir conhecimento

Nathalia Goulart
Drew Gilpin Faust, reitora da Harvard University

Drew Gilpin Faust, reitora da Harvard University (Fernando Cavalcanti)

Primeira mulher a ocupar o posto de reitora da Universidade Harvard, considerada a melhor do mundo em váos campos de pesquisa, a historiadora americana Drew Gilpin Faust éonstantemente instada a fazer com que a instituiç que dirige apresente soluçs prácas para todos os males que afligem o planeta – do desemprego ao aquecimento global. Harvard nãse furta a abordar esses problemas. Mas a reitora faz um alerta. A demanda por respostas instantâas nãpode afastar as instituiçs de ensino superior de uma missãmais elevada: a produç de conhecimento puro, aquele cuja aplicaç muitas vezes nãse faz de forma imediata. "A sociedade nos pede soluçs. Mas a universidade nãdeve se preocupar apenas com o bem estar imediato dos seres humanos, precisa fazer tambécom que eles sejam sáos", diz.  A acadêca esteve no Brasil nesta semana para discutir parcerias com universidades locais. "As instituiçs brasileiras e americanas têmuito o que aprender umas com as outras", afirma. Na entrevista a seguir, ela explica como Harvard mantéa excelêia em ensino e pesquisa, como seleciona seus talentos entre milhares de estudantes e conta como o cargo de reitora alterou sua vida pessoal.

Esta éua primeira visita ao Brasil e a universidades brasileiras, com as quais a senhora discute parcerias. O que Harvard, considerada a melhor universidade do mundo, pode fazer por nossas universidades? Vejo nossa relaç como uma parceria. O Brasil éma das economias mais dinâcas do mundo, tem crescido muito rapidamente e, ao mesmo tempo, enfrenta desafios em áas pelas quais nos interessamos, como meio ambiente. As instituiçs brasileiras e americanas têmuito o que aprender umas com as outras.

Segundo JoãGrandino Rodas, reitor da Universidade de SãPaulo, a mais prestigiada instituiç do paí o ensino superior local se encontra na mesma situaç que o americano háem anos. O que as universidades brasileiras têa oferecer a Harvard? O Brasil tem óos pesquisadores e estudantes com perspectivas diferentes daquelas a que estamos habituados. Temos muito o que aprender com essa diferenç

Harvard recebeu mais de 30.000 inscriçs de estudantes ano passado, para preencher cerca de 1.600 vagas. Como escolher os melhores? Épreciso ir atrádeles? Sim. Nossos escritós de admissãvisitam escolas dentro e fora dos Estados Unidos para falar sobre Harvard e sobre nosso generoso programa de ajuda de custo. Esse esclarecimento émportante porque a tendêia éue o estudante pense que Harvard jamais se interessaráor ele ou que ele jamais conseguiráagar integralmente seus estudos. Por isso, vamos aos estudantes mostrar quem somos, como selecionamos nossos alunos e que apoiamos aqueles oriundos de famías modestas.

No Brasil, a seleç de alunos éeita a partir de uma ú prova. Ao contráo dos Estados Unidos, aqui, nãsãlevados em conta o desempenho dos estudantes no ensino méo ou demais aptidõou projetos. O sistema brasileiro de seleç prejudica a eficiêia de nossas universidades? Eu nãousaria julgar o processo seletivo das universidades brasileiras, mas posso explicar como fazemos em Harvard. Nosso sistema de seleç tambéestáaseado em exames de qualificaç, como o SAT. Alédisso, avaliamos ensaios que os candidatos nos enviam. Eles servem para avaliar a escrita e as ideias de cada jovem. Tambéestamos interessados no históo escolar do aluno, em como ele evoluiu ao longo do ensino méo, e nas atividades extra-curriculares. Éimportante mostrar lideranç carár e diversidade de interesses. A convivêia no campus élgo muito valorizado e saber que cada estudante vai contribuir de forma enriquecedora éma forçque nos motiva na hora de selecionar nossos estudantes.

Uma pergunta simples: o que faz de Harvard a melhor universidade do mundo? Aléde Harvard ter uma longa tradiç de excelêia, nos preocupamos em atrair os melhores talentos. E acredito que isso seja parte significativa do que leva Harvard ocupar e sustentar essa posiç de lideranç As pessoas sabem que ali ém lugar que nutre talentos e excelêia, e todos querem fazer parte disso. Tambéfomos, ao longo dos anos, recebendo a ajuda generosa de famías, apoiadores e ex- alunos, pessoas que continuam a contribuir com Harvard mesmo depois de terem deixado a universidade. Essa ajuda éuito importante para nó/p>

O carár multinacional do campus, com pessoas de diversos país e culturas, contribui para a inovaç e excelêia? Certamente. Durante minha estadia aqui em SãPaulo, conversei com brasileiros que estudaram em Harvard. Eles me falaram sobre esse carár multinacional e sobre como isso torna animador o ambiente. Somados todos os níis de graduaç, Harvard conta hoje com de 20% de estrangeiros. Isso torna constante o processo de descoberta. Os estudantes vãbuscar no mapa onde seus companheiros vivem, começ a se preocupar com o que estácontecendo no mundo e aguç suas curiosidades por outras culturas. Tambéincentivamos nossos estudantes a embarcar em experiêias fora dos Estados Unidos enquanto estãcursando a graduaç. Continue a ler a entrevista

Divulgaç/Universidade de Harvard

Drew Faust, reitora de Harvard, encontra estudantes brasileiros durante sua passagem por SãPaulo

Drew Faust (ao centro) encontra estudantes brasileiros durante sua passagem por SãPaulo

 

Em artigo recente para o jornal The New York Times, a senhora afirma que as universidades vivem uma crise de propóos. Poderia explicar essa ideia? Um debate frequente de nossos dias écerca de como as universidades podem contribuir com as necessidades mais imediatas da sociedade. Algumas delas sãnecessidades econôas, e os estudantes vãàuniversidades de forma a serem treinados e qualificados para futuros empregos. Outras sãdescobertas e inovaçs e outros tipos de intervençs que podem ter um efeito imediato no mundo, como a cura de uma doenç Mas as universidades têoutros propóos, que sãde longo prazo e que sãmais difíis de mensurar, mas que sãextremamente importantes para todos nóNo encontro que tive com os reitores brasileiros, ouvi uma frase que resume esse pensamento: a sociedade nos pede soluçs para problemas prácos. Mas a universidade nãdeve se preocupar apenas com o bem estar imediato dos seres humanos, precisa fazer tambécom que eles sejam sáos. As universidades têesse propóo humano, históo, antropolóo, que nos faz transcender o momento presente. Nãnos preocupamos apenas se nossos alunos terãemprego amanhãPrecisamos garantir que eles tenham conhecimento.

Os Estados Unidos e o mundo enfrentam grandes desafios, como superar a crise econôa, combater o aquecimento global, garantir o suprimento de energia, entre outros. Como as universidades, do Brasil e dos Estados Unidos, podem ajudar seus cidadã? As respostas para esses problemas estãrelacionadas ao conhecimento. Portanto, as pesquisas e a educaç que as universidades oferecem têum grande impacto. No ano passado, eu estava em Botsuana e um dos cientistas desenvolveu uma téica para bloquear a transmissãdo vís da HIV da mãpara o bebêFoi muito comovente ver como o conhecimento e a pesquisa fizeram uma enorme diferençna vida daquelas crianç. Exemplos como esse mostram como as pesquisas realizadas nas universidades podem realmente fazer a diferençno combate a problemas mundiais.

A crise econôa americana afetou as finanç de Harvard? O que foi feito para superar isso? Com a crise, uma das nossas maiores fontes de renda – as doaçs vindas de ex-alunos e outros doadores – foi severamente reduzida. Responsál pelo pagamento de 35% das nossas despesas operacionais, as doaçs sofreram uma queda de 27,5%. Diante desse cenáo, tivemos que reduzir nossos gastos, cortando imediatamente custos que identificamos como desnecessáos. Em um segundo momento, começos a identificar mudanç de longo prazo. Fizemos uma anáse sistemáca da maneira como estamos organizados e buscamos formas de poupar despesas. Ao mesmo tempo, tomamos muito cuidado para identificar prioridades, cuja manutenç deveria ser assegurada. Uma delas é ajuda financeira que damos aos nossos estudantes. Protegemos áas como essas, que julgamos vitais para a universidade.

A senhora é primeira mulher reitora de Harvard. Quais os efeitos disso entre as mulheres, dentro e fora da universidade? Acredito que esse cargo tem uma simbologia muito forte. Quando fui nomeada, recebi muitas cartas e e-mails, particularmente de jovens mulheres, que me diziam que fazia diferençpara elas saber que uma mulher podia ocupar o cargo. Lembro-me de ter recebido uma carta de um pai que dizia: "Agora, sei que minha filha pode fazer qualquer coisa."

A senhora éma pesquisadora, especialista na histó da Guerra Civil americana, aléde mãde duas filhas. O cargo de reitora de uma das mais prestigiadas universidades do mundo certamente alterou sua rotina, nã Sim, mudou bastante. Ao menos nãprecisei contratar uma babáporque minhas filhas jástãcrescidas! Mas meu trabalho atualmente me ocupa integralmente. Vivo em uma casa dentro do campus e, a todo minuto, sinto que a universidade estáresente na minha vida. Harvard estáempre no meu pensamento e tambéestáas minhas atividades. Entã minha vida éompletamente diferente hoje.