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Re: [ABE-L]: Uma pequena provocação, para animar o sábado, um exto de um estatístico de renome, citaado um gigante, seu professor




Caros Zé Carvalho , Pedro Nascimento, Adilson, Basílio e redistas
Volto a questão denominada provocação pelo Zé Carvalho e que vocês contribuíram para a discussão. Concordo com o Basílio que não se trata de uma provocação e sim de uma polêmica muito estimulante. A questão de definir-se a estatística ou pelo menos delimitar a sua área de pertinência bem como de estabelecer-se o que é teoria e o que são aplicações é uma das mais difíceis e controversas. Reproduzo aqui a tradução livre apresentada pelo Zé Carvalho do trecho do Rubin , citado por ele. "Depois de regressar a Harvard para o meu segundo e terceiro anos em matemática aplicada, eu descobri que havia um departamento chamado "Estatística" que parecia incluir o estudo das coisas que eu já estava fazendo. No meu quarto ano na Universidade de Harvard, eu era um PhD estudante nesse departamento, com um tópico pronto para minha tese, e com um fabuloso orientador, que também era um ser humano maravilhoso, William G. Cochran. Bill, que era um dos três professores sêniores no Departamento de Estatística da Universidade de Harvard, sendo os outros Arthur Dempster e Frederick Mosteller, teve uma poderosa influência sobre mim. Ele me ensinou o que significava estatística: fazer algo para resolver um verdadeiro problema importante. Se um projeto não tivesse alguma relevância para o mundo real, a visão de Bill era que ele poderia ser de interesse para alguns, e que estava OK, mas não era de interesse para ele. Podia ser excelente matemática, mas então eu deveria convencer um matemático, não ele. Ele não se interessava, nem seria capaz trabalhar naquilo. Ao longo dos anos, eu tentei incutir a mesma atitude em meus alunos de doutorado em estatística." A meu ver o Donald Rubin citando o Cochran não define ou caracteriza a Estatística , pois o que ele afirma aplica-se a qualquer campo das ciências exatas quando se procura resolver problemas do mundo real. É assim na física, na matemática, em ciências biológicas e nas engenharias. Os engenheiros tem essa visão por excelência pois, estão interessados em resolver problemas do mundo real: construir canais , portos , prédios, siderúrgicas , automóveis e assim por diante . O que esta em jogo é uma distinção entre teoria e aplicações. A meu ver a distinção entre teoria e aplicações corresponde a dois estados de espírito ou preferências dos pesquisadores para abordar o conhecimento e a ciência - os aplicados são aqueles que estão interessados em resolver problemas e que na busca das soluções usam além de seu talento ferramentas teóricas podendo desenvolvê-las ou criá-las. Os teóricos são aqueles cujo interesse fundamental reside na especulação teórica sem preocupar-se com os resultados das mesmas. Muitas teorias matemáticas foram elaboradas não se vislumbrando aplicações como por exemplo a lógica Booleana. Na realidade não há compartimentos. Há pessoas que são estatísticos teóricos., outras que são estatísticos aplicados e outras que são matemáticos , estatísticos teóricos e aplicados. Apenas para dar um exemplo - David Freedman quando chegou a Berkeley depois de obter o PH.D. em Princeton sob orientação de Feller era um probabilista e se não me engano manteve-se como tal por vários anos. Depois interessou-se pelas aplicações e dedicou-se as mesmas até o final de sua vida continuando a produzir teoria. Acho que a definição ?A estatística é a ciência que trata de fazer-se inferência ou tomar decisões na presença de incerteza. ? é simples e define o campo da estatística que é então bem distinto do campo da matemática. Para finalizar gostaria dizer que na primeira referência Rubin julguei tratar-se de Heman Rubin. As primeiras menções a Hermam Rubin que ouvi foram feitas por Blackwell e Le Cam em uma conversa pessoal. Referiam-se a ele como um cara genial e com um comportamento de um ? enfant terrible? . Eles mencionaram que em seu pós-doutoramento no Institute for Advanced Studies em Princeton aos 21 e 22 anos Herman Rubin costumava entrar na sala dos professores mais seniores e propor-lhes problemas retornando depois para solicitar as soluções ou apresentar-lhes a sua solução. Eu anexo uma entrevista de Herman Rubin para que possam ver a múltipla atuação dele em matemática, estatística tanto na teoria como nas aplicações. Atenciosamente Carlos Caio Dantas P.S. Foi com profundo pesar que ao finalizar esta nota recebí a notícia do falecimento do Wilton Bussab. Wilton foi um colega muito importante para a Estatística no IME nos seus primórdios e continuou fazendo um trabalho muito relevante para a estatística brasileira.


Carlos A B Dantas <caio@ime.usp.br>Citando Jose Carvalho <carvalho@statistika.com.br>:

Caríssimo Adilson:

Em primeiro lugar, agradeço sua atenção à minha diatribe. A intenção não foi
captar elogios, mas o de lançar um tema à discussão. Muito bom, que V. tenha
se manifestado contrariamente. A unanimidade é burra,  repetia Nelson
Rodrigues. A ABE, em seu conjunto, está muito, muito longe disso! E V. não
precisa desculpar-se por discordar de mim, agora ou em tempo algum. Se V.
concordar comigo inteiramente, eu ficarei mais seguro, por respeitá-lo. Mas
quando V. discordar e me mostrar seu pensamento, então me estará dando a
oportunidade de aprender.

Peço desculpas por não ter sido claro e levá-lo a me entender erradamente. De
modo algum, sou contra o trabalho em teoria. Sei muito bem que a distinção
entre teoria e prática é vaga e cambiável. Mas meu ponto era outro.

Há uma enorme confusão entre matemática e estatística. A estatística não é um
ramo de matemática. Diferentemente de álgebra, ou geometria ou até de
probabilidades, a estatística não se encaixa na matemática. O fato de que a
estatística usa muita matemática não a torna um ramo da matemática. Isso já
foi discutido várias vezes aqui. Curioso é que não se diz que teoria de
controle - um ramo da engenharia, é matemática. Essa é uma área que acompanho, como hobby. Teoria de controle usa muita matemática - e que matemática! Aliás,
com apenas a mudança de nomes, muito do que se faz em TC é o que fazemos nós,
estatísticos. Não vejo matemáticos, sem outra formação, dando aulas de teoria
de controle na engenharia. Mas vejo vários ensinando na estatística. (Note que não me refiro à formação básica - sou a favor de liberdade nisso. Matemáticos,
engenheiros, médicos podem ser estatísticos - desde que sejam estatísticos!).

A estatística tem teoria. E profunda, difícil, muitas vezes, de se acompanhar.
Mas não é matemática. E trabalhar-se em problemas matemáticos, mesmo
suscitados pela estatística, não faz de um matemático um estatístico. Um
estatístico pode desenvolver soluções para problemas de estatística, usando
matemática, e não será um matemático.

O que o Rubin disse é isso. Problemas matemáticos, per se, não são para
estatísticos, que tem muito o que fazer para se ocupar disso. E há muito de
"matemática" que se faz, em estatística inclusive, que nada mais é do que WFF
("wófs), well formed formulae. Isto é, proposições que são feitas, desde o
início, para serem demonstradas.  Um exemplo levantado por J. Wolfowitz, é
teorema da fatoração. Wolfowitz afirmou que o conceito de suficiência, inventado por Fisher, e o teorema da fatoração, nada ganharam com a extensão de Halmos e
Savage, usando o teorema de Radon-Nikodym. Cito Wolfowitz por que ninguém
poderá dizer que foi um matemático fraco e que falava isso por despeito.

Acho que a estatística não cabe na matemática, tem corpo próprio. E até em
atitude, temos mais a ver com engenheiros do que com ciências básicas, que são
apenas nossos pilares. No passado, já dei murro em ponta de faca, ao sugerir
que a estatística não deveria estar em faculdades ou institutos de matemática,
como departamento. Para pegar um exemplo correlato, veja-se o exemplo da
computação na UNICAMP. Quando era departamento do IMECC, na minha opinião,
"tomava surras" da engenharia de computação, que trabalhava mais e melhor. Ao
se separar e formar o Instituto de Computação, progrediu notavelmente.

Era isso o que eu pensava, quando me animei com o texto do grande Rubin. Ele,
um homem que tratava com rigor e cuidado o problema da causalidade em estudos
observacionais (versus experimentais), sabia bem o que era estatística. De
resto, apenas lancei o texto à lista, para provocar reações. O que virá daí,
de gente mais capaz do que eu, me servirá de ensinamento.

Um bom domingo e um abraço,


Zé Carvalho

On Saturday 30 April 2011 23:44:11 you wrote:
Caro Prof. Jose Carvalho,

Escrevo para você por um simples motivo: Respeito muito
suas intervenções na lista da ABE e sei que o seu e-mail,
provocador, digamos assim, terá muitos elogios.
Nada contra. Isto deve fazer bem.
Mas, gostaria, data venia, de dizer que discordo de você.
A Teoria é a única atividade fim que nos cabe.
A prática é, por exemplo, descobrir como os elefantes que seguravam
o planeta, nos séculos anteriores ao século III, faziam para
se alimentar e defecar sem deixar a Terra cair.
Não existe a prática. O que existe é a tentativa de adequar nossa
interpretação ao que modelamos.
Um abraço,
PS: Na prática não terá elogios unânimes!
Abs
A.S.



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