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João Batista Araujo e Oliveira: um currículo nacional para a educação
- Subject: João Batista Araujo e Oliveira: um currículo nacional para a educação
- From: pam@ime.usp.br
- Date: Fri, 06 Jan 2012 10:33:47 -0200
João Batista Araujo e Oliveira: um currículo nacional para a educação
A idéia de que o Brasil precisa de um currículo nacional bem definido
para suas escolas vem ganhando força, no lugar da antiga noção de que,
em nome da liberdade, criatividade e respeito às diferenças, cada um
poderia ensinar (e sobretudo não ensinar) o que achasse melhor. Mas,
como fazer um bom currículo, que separe o que é essencial do acessório
e não caia nos modismos do momento?
O artigo abaixo de João Batista de Araujo e Oliveira, do Instituto
Alfa e Beto, mostra o que é necessário para isto, a partir da
experiência internacional.
Currículo, a Constituição da educação
Pubicado em O Estado de São Paulo, 02 de janeiro de 2012
O Ministério da Educação (MEC) anunciou, com atraso considerável,
que vai apresentar sua proposta de currículo. A Constituição de 1988
promoveu avanços notáveis em várias áreas, apesar de inúmeras
disfunções criadas. Mas faltou uma visão de futuro mais clara e
pragmática. Resta assegurar que, da mesma forma, a iniciativa atual
não aumente ainda mais o nosso atraso.
A última decisão nessa área resultou nos desastrados ?parâmetros
curriculares nacionais?. A maioria das iniciativas do MEC que envolvem
questões de mérito tem sido sistematicamente cativa de mecanismos e
critérios corporativistas e de duvidosos consensos forjados em
espúrios mecanismos de mobilização. Tradicionais aliados do
ministério, inclusive internamente, têm aversão à ideia de currículo e
mais ainda de um currículo nacional. Documentos desse tipo, produzidos
por alguns Estados e municípios em anos recentes, continuam vítimas do
pedagogismo. Isso é o melhor que temos.
O assunto é sério demais para ser deixado apenas para os educadores e
especialistas. Nem pode ser apropriado pelo debate eleitoral. O Brasil
? especialmente suas elites ? precisa estar preparado para discutir
abertamente a questão. Aqui esboçamos os contornos desse debate.
O que é um currículo? Um documento que diz o que o professor deve
ensinar, o que o aluno deve aprender e quando isso deve ocorrer. Em
outras palavras, conteúdo, objetivos (o termo da vez é expectativas de
aprendizagem), estrutura e sequência. Para que serve um currículo?
Primeiro, para assegurar direitos: o currículo especifica o que o
aluno deve aprender. É um instrumento de cidadania fundamental para
garantir equidade e os direitos das famílias. Segundo, para
estabelecer padrões, ou seja, os níveis de aprendizagem para cada
etapa do ensino: atingir esses níveis é o dever, que cabe ao aluno.
Terceiro, para balizar outros instrumentos da política educativa, como
avaliações, formação docente e produção de livros didáticos,
instrumentos essenciais em qualquer sistema escolar. Os currículos,
sozinhos, não mudam a educação.
Por que ser de âmbito nacional? A experiência dos países mais
avançados em educação, sejam federativos ou não, indica a importância
de uma convergência. Depois do advento do Pisa, mesmo países
extremamente descentralizados, como Suíça, Alemanha ou EUA, têm
promovido importantes convergências em seus programas de ensino, até
em caráter de adesão. Num município, um currículo básico permitirá que
alunos transitem por diferentes escolas sem que se instaure o caos a
que hoje submetemos nossas crianças e seus professores.
Como saber se um currículo é bom? A condição é que seja claro. Se o
cidadão médio ler e não entender, não serve. Deve ser parecido com
edital de concursos: você lê, sabe o que cai no exame e sabe como
precisa se preparar. O currículo não é exercício parnasiano ou
malabarismo verbal.
Deve também levar em conta os benchmarks, as experiências dos países
que, usando currículos robustos, avançaram na educação. É preciso
cuidado para não confundir os currículos que os países adotam hoje,
depois de atingido o nível atual, com os currículos que os levaram a
esse patamar.
A proposta deve ser dinâmica e corresponder às condições gerais de um
sistema. O currículo não pode ser avaliado isoladamente de outras
políticas, em especial da condição dos professores. Hoje a Finlândia,
com os professores que tem, pode ter currículos mais genéricos do que
há 15 ou 20 anos. A análise dos benchmarks sugere quatro outros
critérios para avaliar um currículo: foco, consistência, rigor e
referentes externos.
Um currículo deve ter foco, concentrar-se no primordial e só em
disciplinas essenciais, cuidando de poucos temas a cada ano,
sedimentando a base disciplinar e evitando repetições. William
Schmidt, que esteve recentemente no Brasil, desenvolveu escalas
comparativas que permitem avaliar o grau de focalização de currículos
de Matemática e Ciências.
Deve ter consistência, isto é, respeitar a estrutura de cada
disciplina. Isso se refere tanto aos conceitos essenciais que devem
permear um currículo quanto à organização do que deve ser ensinado em
cada etapa ou série. Por exemplo, um currículo de Língua Portuguesa
considerará as dimensões da leitura, escrita e expressão oral, levando
em conta o equilíbrio entre a estrutura e as funções da linguagem e
contemplando o estudo dos componentes da língua (ortografia,
semântica, sintaxe, pragmática).
Um currículo deve ter rigor, ser organizado numa sequência que evite
repetições e promova avanços a cada ano letivo. Esses avanços devem
observar a relação entre disciplinas e a capacidade do aluno de
estabelecer conexões entre elas. Interdisciplinaridade e contexto não
são matérias de currículo, são consequência deste.
Um currículo deve ter referentes externos claros. Um currículo de
pré-escola deve especificar tudo o que a criança precisa para
enfrentar com sucesso os desafios posteriores do ensino fundamental.
Isso não significa tornar o pré uma escola antes da escola: currículo
não é proposta pedagógica.
Já o ensino fundamental deve preparar o indivíduo para operar numa
sociedade urbana pós-industrial. O Pisa não é um currículo, mas contém
sinalizações que sugerem o que é necessário para a formação básica do
cidadão do século 21. É uma boa baliza para o ensino fundamental. Os
currículos do ensino médio, por sua vez, devem ser diversificados,
contemplando diferentes opções profissionais e acadêmicas. Pelo menos
é assim que funciona no resto do mundo que cuida bem da educação e se
preocupa com o futuro de sua juventude.
Finalmente, o que um currículo não deve ser? Um exercício de virtuose
verbal, um manual de didática, a advocacia de teorias, métodos e
técnicas de ensino, uma vingança dos excluídos e muito menos um
panfleto ideológico ou uma camisa de força. Muito menos deve ser o
resultado de consensos espúrios.
O currículo definirá se queremos cidadãos voltados para a periferia ou
o centro, para o particular ou para o universal.