[Prévia] [Próxima] [Prévia por assunto] [Próxima por assunto]
[Índice cronológico] [Índice de assunto]

Re: [ABE-L]: Filosofia Africana - deu na folha



Lendo o texto da Doris, penso que ela tem razão em muitos pontos.
Eu costumo dar provas com consulta e realmente aqueles alunos que percebo que estão voando nas aulas, invariavelmente não conseguem nem consultar.
Claro que quando percebo esses voadores tento ir atrás e conversar para ver o que está acontecendo. Em muitos caso conseguimos resolver alguns problemas, limar arestas e as coisas fluem. Noutros casos não há jeito, parece que o voos são por opção ou por opção errada na escolha do curso. E, realmente, fazer um curso universitário que foi mal escolhido deve ser um porre.
No caso do Jotagá, parece que ele demorou muito para perceber que tinha errado. Aliás seu método de escolha foi o pior. Ele diz que não tinha a menor ideia do que queria e escolheu engenharia porque um tio de um amigo era engenheiro!!!!
Eu conheço muitos casos de gente que mudou de trabalho e cresceu. Esses estão bem. O problema é quem não consegue mudar ou nem tenta ou nem percebe que tem um problema.
Abs,

Em 16 de março de 2012 11:02, Doris Fontes <dsfontes@gmail.com> escreveu:
Achei o artigo do Jotagá Crema interessante. Alguém disse (não me lembro quem) que os professores gostam de dar aula para os 10% smart da classe. Mas a impressão que guardei dos meus anos na USP é que muitos alunos realmente estavam mais interessados em passar na prova do que aprender de fato. Colas e cochichos eram muito comuns. Apesar de haver uma diferença enorme entre a forma de aprendizado no EM e na faculdade, muitas coisas se assemelham. Por exemplo, precisar saber fórmulas de cor ou precisar fazer zilhões de contas na mão (ou mesmo na calculadora). Nunca entendi porque não poderia haver consulta, já que, se o cara não sabe nada, nem adianta consultar um livro (ele nem vai saber que página abrir!). E, na vida profissional, a gente passa o tempo todo consultando livros, amigos, professores, internet. Melhor seria ensinar a pensar, mesmo consultando. Falta de maturidade, insegurança, vontade estar noutro lugar... seja qual for a desculpa, muitos alunos estão no piloto automático no meio da aula. Mas é verdade também que muitos professores entram na sala de aula ligando o seu piloto automático, infelizmente. Os 10% smart são a paixão de muitos professores, mas tb o estorvo de outros.

A propósito, o Jotagá abandonou a Poli, assim como outros que são bem sucedidos em suas novas áreas. E a produção 3% é bem interessante e acho que ele encontrou o ofício que gosta. Antes tarde do que nunca.

Doris


Em 16 de março de 2012 10:38, Vermelho <vermelho2@gmail.com> escreveu:
Esse cara demorou muito para saber o que queria.
E parece que ainda não entendeu nada!!!

Em 16 de março de 2012 08:11, <cpereira@ime.usp.br> escreveu:

O Arcebispo Desmond Mpilo Tutu em uma das suas brilhantes entrevistas nos disse que a Africa não irá mudar enquanto os africanos não pararem de culpar àqueles espíritos ruins e os olhos grandes por todas as infelicidades pessoais.  Isto é, tudo de ruim que acontece na vida de cada um a culpa é sempre dos entes invisíveis que dominam suas mentes.

A folha de hoje apresenta um daqueles nossos alunos que passam pelas nossas escolas fazendo aquilo que abominamos.  O pior,  virou um herói em uma imprensa como a nossa.  Novamente a culpa dos males do cara é a nossa escola e não o fato de o malandro não estudar e não fazer o que deve para poder se preparar para lutar por uma vida melhor.

Somos como os africanos e culpamos nossos males à sociedade ou às nossas instituições: nunca aos nosso erros e equívocos.  O jornalista que publicou tal matéria deve ter passado por sua escola da mesma forma: com colas e malandragens.

Saudações
Carlinhos


Jotagá Crema

Como desisti da Escola Politécnica

------------------- Texto gancho -----------------------
Na Poli, as várias técnicas de cola eram uma instituição, trapacear era natural; os alunos acabavam a prova e as fórmulas, de origem misteriosa, já eram esquecidas
-----------------Fim do texto gancho ------------

Em 2002, comecei a cursar engenharia na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Tinha passado os últimos dois anos do colegial obcecado por notas e vestibular.

O colégio onde fiz o ensino médio, o Agostiniano Mendel, estimulava os alunos a estudarem para as provas através de rankings de classificação, que serviam para definir em qual sala cada um ficaria.

Entrei completamente no jogo. Raramente conversava com amigos fora do colégio, saía pouco, dificilmente pesquisava assuntos não relacionados ao vestibular -sentia culpa por estar perdendo um tempo precioso. Fiz uma lista de livros e filmes que poderia ler e assistir quando finalmente passasse no vestibular.

Não sabia qual curso escolher. Meu melhor amigo tinha um primo engenheiro com um belo emprego corporativo. Como eu era bom em exatas, por que não garantiria uma carreira promissora?

Apaixonei-me pelo campus da USP. Fui a festas. Tive alguns amores uspianos. Até remo pratiquei.

Na Poli, as semanas de prova guiavam as vidas dos alunos. Todos entravam no ciclo básico e, de acordo com a sua classificação, escolhiam as especialidades. Ou seja, a competitividade do colegial seguia. Eu nunca tinha tirado uma nota vermelha na vida até a primeira prova de álgebra linear. Percebi que jamais seria um dos primeiros do ranking e me sentia cada vez mais desmotivado.

As coletâneas de provas de anos anteriores, vendidas no xerox do grêmio, eram muito disseminadas. Estudávamos através delas, muitas vezes sem saber de onde surgiam fórmulas e técnicas. O objetivo era passar nas provas, não aprender. Era tão grande a pressão por notas, e as disciplinas tão desconexas, que trapacear era algo natural.

Colas: escritas sutilmente nas antigas carteiras de madeira, com uma leve passada de borracha para disfarçar. Em papeizinhos escondidos no estojo, na caneta, no bolso. Escritas no braço ou nas sofisticadas calculadoras HP, nas quais armazenávamos páginas de fórmulas. Papéis que passavam de um estudante para o outro. E o bom e velho cochichar.

Tínhamos uma ética própria na arte da cola: jamais dedávamos alguém em nossa tática de guerrilha contra um sistema de avaliação maluco. E bastava terminar a prova para que todas aquelas fórmulas e técnicas vazias abandonassem a mente.

Em 2005, estava no quarto ano, em engenharia mecatrônica. Estagiava há dois meses em um banco. Ia para a Poli de tarde com uma roupa social que me dava um ar sério.

Ao dar uma aula-trote na semana de recepção dos calouros, percebi o quanto tinha me afastado do amor que eu tinha pela ciência e como o meu conhecimento era superficial -fiquei em silêncio e, estarrecido, abandonei a sala.

O tédio imperava no estágio. Fazia com indiferença os cursos do banco: trabalho em equipe, influência, negociação... No computador de trabalho, escrevia textos de ficção. Na Poli, fazia as provas e tirava as notas suficientes de sempre.

Até que, um dia, fui pego colando em uma prova de eletrônica digital. "É, João. A vida não é fácil", disse o professor. "Mas não é impossível", pensei. Fiquei profundamente feliz por ser pego, tive certeza de que ali não era meu lugar.

Abandonar a Poli foi difícil. Outro aluno também foi pego passando a resolução de um exercício. O professor decidiu nos vincular: um só passaria se o outro também passasse. Mesmo tendo desistido, fiz as aulas e as provas. Fui aprovado com 5,0.

Saí com a consciência tranquila e passei em último lugar no curso de audiovisual da USP. Estou formado há um ano e creio que, apesar do difícil mercado de trabalho, estou na área certa. Sinto maior liberdade para pensar e me expressar. Uma escolha errada não precisa acabar com uma vida inteira.

Preparo-me para fazer mestrado. Quero ser professor. E tenho certeza de uma coisa: se um dia tiver de aplicar provas, elas terão consulta.

JOÃO HENRIQUE AURICHIO CREMA, o Jotagá Crema, 28, é formado em audiovisual pela USP. É um dos diretores da série "Três por Cento" (facebook.com/3porcento)










Carlos Alberto de Braganca Pereira <cpereira@ime.usp.br>



--
Vermelho
F.: (21) 2501 2332 - casa
           2142 0473 - IBGE




--
Vermelho
F.: (21) 2501 2332 - casa
           2142 0473 - IBGE