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entrevista



Car@s tod@s


A quem possa interessar, entrevista publicada na Agência FAPESP

Abrçs, lisbeth

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Com expansão, formação de professores é prioridade para universidades

30/07/2012

Por Fábio de Castro

Agência FAPESP – Seguindo a tendência mundial, o Brasil tem passado por
um processo meteórico de expansão do ensino superior. Mas a crescente
universalização tem um efeito colateral grave: a queda da qualidade, de
acordo com Liz Reisberg, do Boston College (Estados Unidos). Segundo
Reisberg, nesse contexto, a formação de professores qualificados passa a
ser a prioridade número um para países como o Brasil.

Pesquisadora do Centro para Educação Superior Internacional (CIHE, na
sigla em inglês) do Boston College, Reisberg é considerada uma das
principais especialistas em questões relacionadas à internacionalização,
acesso, equidade e qualidade e na reforma do ensino superior na América
Latina. Sua experiência no continente teve início durante o doutorado,
sobre novas estratégias para aprimorar a qualidade do ensino superior na
Argentina.

Consultora de diversas universidades, governos e agências
internacionais, Reisberg foi coautora do relatório Tendências Globais da
Educação Superior: rastreando uma revolução acadêmica, publicado em 2009
pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (Unesco).

Entre os dias 18 e 21 de julho, Reisberg participou da organização e das
atividades da 1ª Escola Zeferino Vaz de Educação Superior (eZVes),
realizada pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O evento
reuniu dirigentes do ensino superior e alguns dos principais
especialistas do mundo na área, com a finalidade de analisar e debater
as tendências e desafios desse setor educacional.

Em São Paulo, Reisberg concedeu a seguinte entrevista à Agência FAPESP.

Agência FAPESP – O que caracteriza de forma mais marcante as tendências
globais do ensino superior?
Liz Reisberg – À medida que passamos de uma sociedade de trabalhos
manuais para uma sociedade tecnológica, o ensino superior ganhou mais
importância e mais responsabilidade em relação à inovação e ao
desenvolvimento econômico. Aumentou muito a mobilidade de estudantes e
pesquisadores e a cooperação internacional entre as instituições. Mas
talvez a característica mais marcante dessas mudanças, especialmente na
última década, seja uma tendência à expansão e universalização do ensino
superior. Países como Brasil, Índia e China estão no centro das
atenções, porque são sociedades que se modernizaram e ganharam muita
importância na economia internacional, gerando uma demanda muito grande
de mão de obra qualificada. O ensino superior nesses países se tornou
uma prioridade urgente e a expansão das universidades nesses lugares tem
sido imensa, especialmente no Brasil. Só que essa expansão gerou também
um grande problema: inserir mais gente no ensino superior tem um impacto
importante nos custos e na qualidade desse ensino.

Agência FAPESP – É possível conciliar expansão e qualidade?
Liz Reisberg – É muito difícil. Acesso, custo e qualidade são fatores
estreitamente correlacionados, não se pode alterar um deles sem ocorrer
impactos sobre os outros. É preciso encontrar um equilíbrio, mas isso
não tem acontecido. Brasil, Índia e China expandiram muito rapidamente e
a qualidade caiu demais. É muito fácil controlar o equilíbrio entre
expansão, custo e qualidade quando só se tem 5% ou 6% da população com
idade universitária inserida no sistema de ensino superior. Mas quando
se está na situação de grande parte dos países hoje, com 40% ou 50% dos
jovens nas universidades, a dificuldade para encontrar esse equilíbrio
se torna um pesadelo. No Brasil o que se tem feito é expandir, em
primeiro lugar, enquanto a preocupação com a qualidade vem a reboque.

Agência FAPESP – Esse impacto da expansão na qualidade se deu tanto no
campo do ensino como no campo da pesquisa?
Liz Reisberg – Estou me referindo ao lado educacional. A pesquisa está
restrita a um número muito pequeno de instituições. Apesar da enorme
expansão universitária, o Brasil provavelmente não aumentou seu número
de pesquisadores no mesmo ritmo. O país tem um grupo de elite produzindo
pesquisa de classe mundial, um grupo concentrado, e muito poucas
universidades. Mas não acho que a qualidade da pesquisa está afetada
pela expansão. O país precisa ainda aumentar o número de pesquisadores.

Agência FAPESP – Por que a expansão exerce tanto impacto negativo na
qualidade do ensino? Há falta de professores?
Liz Reisberg – É muito mais fácil expandir o número de estudantes que
aumentar o número de professores qualificados. Para produzir um
professor novo, é preciso pelo menos seis anos, normalmente oito anos,
às vezes dez anos. É um processo muito longo. Podemos aumentar muito o
número de estudantes em um ano, com uma decisão política. Acho que por
trás do problema da qualidade – em particular no Brasil, China e Índia –
temos um lapso entre o número crescente de estudantes e o número de
professores qualificados. É um imenso desafio. Vejo o programa Ciência
Sem Fronteiras como uma tentativa de aumentar o número de professores
qualificados, mas é preciso mais. A China está fazendo algo semelhante,
mas não na mesma escala, o que é surpreendente, porque eles precisam
ainda mais de professores qualificados.

Agência FAPESP – O que poderia ser modificado na maneira como são
formados os professores?
Liz Reisberg – Acho que há algumas soluções criativas que o Brasil não
está aproveitando. Uma delas é abrir mais espaço para professores que
tenham apenas o mestrado, mas não doutorado, formando equipes com apenas
um professor doutor, que trabalharia como mentor. Esse professor sênior
poderia, ao mesmo tempo, dirigir e avaliar a atuação dos outros docentes
em sua atividade de ensino e ajudá-los a capacitá-los como
pesquisadores. Até onde sei, o Brasil não está usando esse recurso. Além
de enviar gente para fora do país ou para programas de doutoramento, é
importante investir na capacitação dos professores que já têm mestrado,
usando a qualificação dos professores doutores como guia.

Agência FAPESP – É possível elevar a qualidade do ensino ao nível da
pesquisa feita no Brasil?
Liz Reisberg – Sim, contanto que as prioridades sejam repensadas. Todo
sistema de ensino superior tem pesquisadores, mas não é correto pensar
que todos os professores precisam ser excelentes pesquisadores. Eles
precisam ter boas habilidades de pesquisa apenas para transmitir essas
habilidades aos alunos, mas não é todo professor que precisa
necessariamente fazer pesquisa importante. O que precisamos é ter bons
professores. Ter bons professores é mais importante que ter bons
pesquisadores.

Agência FAPESP – Por quê?
Liz Reisberg – Um dos problemas que discutimos no workshop na Unicamp
foi que a maior parte das pessoas que vão à universidade, no Brasil,
está apenas em busca de inserção em uma carreira profissional. Formam-se
muito mais profissionais do que pesquisadores. Esses estudantes precisam
de ensino de excelência. Só que no Brasil o sistema recompensa apenas os
bons pesquisadores, mas não recompensa nem incentiva os bons
professores. Na maior parte dos países ocorre o mesmo: os docentes são
avaliados pela quantidade de pesquisa que produzem. Esquecem que a maior
parte dos alunos precisa exatamente de excelência no ensino. Repito: nem
todos os professores precisam ser ótimos pesquisadores. É preciso dar
mais ênfase em cultivar a excelência no ensino. Esse é um novo movimento
no mundo, uma tendência.

Agência FAPESP – Para estimular a excelência do ensino, então, é preciso
repensar todo o sistema de ensino superior?
Liz Reisberg – Não necessariamente. Muita coisa pode ser feita
isoladamente. Por exemplo, durante o workshop em Campinas, o professor
Peter Dourmashkin falou sobre a experiência de ensinar Física no
Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Eles perceberam que
muitos estudantes no primeiro ano fracassaram, ou simplesmente
desistiram da carreira, alegando dificuldades. Peter e seus colegas
descobriram que o problema não era que a física era muito difícil, mas
que estava sendo mal ensinada. Tiveram que mudar completamente a maneira
de ensinar e obtiveram sucesso. Tratava-se de uma situação pela qual
todos já passamos: temos um excelente pesquisador ensinando ciência, mas
talvez ele seja um péssimo professor. Isso desilude muitos estudantes.
No MIT, uma das principais instituições científicas do mundo, eles
admitiram: não estamos fazendo um bom trabalho de ensino. Ensinar, para
mim, é de maneira geral uma atividade criticamente subvalorizada nas
universidades, mas reconhecer o problema já é um grande passo.

Agência FAPESP – A senhora disse que nem todo professor precisa ser um
grande pesquisador. Todas as boas universidades precisam se dedicar à
pesquisa?
Liz Reisberg – Precisamos parar de pensar que todas as universidades se
tornem instituições de excelência em pesquisa e começar a pensar em um
sistema de classe mundial. Precisamos desenhar sistemas nacionais para
abordar uma gama mais ampla de necessidades para a educação superior.
Nem é preciso que o Brasil invista só em universidades. Seria importante
investir também em um nível universitário mais técnico, de curto prazo.
No Brasil, acho, há um grande lapso entre a escola secundária e a
universidade. Se tivéssemos mais desses programas, talvez fosse possível
atenuar essa lacuna e dar a esses jovens as habilidades que eles não
tiveram na escola secundária.

Agência FAPESP – Qual sua opinião sobre o vestibular como sistema de
acesso à universidade?
Liz Reisberg – É problemático, mas não conheço nenhum país que resolveu
isso. O Enem poderia ser uma solução interessante, mas o problema é que
acaba privilegiando os estudantes de escolas privadas, que têm melhor
qualidade. É um padrão de qualidade interessante para selecionar os
alunos, mas gera um problema de equidade. A China tem um exame nacional
com foco no mérito, o que resolve o problema da equidade. Mas a
competição é tão acirrada e o estresse é tão grande – os candidatos
chegam a estudar 13 horas por dia – que o fracasso muitas vezes leva ao
suicídio. Não acho que seja uma boa ideia. É justo em relação ao mérito,
mas destrói a saúde mental das pessoas. É realmente muito difícil pensar
em uma alternativa. Gosto muito do que a Unicamp está fazendo como o
ProFis [Programa de Formação Interdisciplinar Superior].

Agência FAPESP – Por que a senhora admira o ProFis?
Liz Reisberg – Trata-se de um curso piloto voltado para estudantes que
cursaram o ensino médio em escolas públicas de Campinas. Os estudantes
são selecionados pelas notas do Enem e recebem uma visão integrada das
várias áreas, por dois anos. Os que obtêm sucesso podem ingressar na
Unicamp sem vestibular. É um experimento muito interessante. É uma
maneira de diminuir a lacuna entre a escola secundária e a universidade
também. Acho que não é perfeito, mas dá mais acesso à oportunidade de
entrar uma universidade de qualidade. É uma alternativa muito inovadora
que não requer diminuição da qualidade.

Agência FAPESP – A privatização, a terceirização, a cobrança de taxas e
mensalidades em universidades públicas foram consideradas pelo relatório
da Unesco como tendências. No Brasil há grande resistência a isso. Qual
sua opinião sobre essa tensão?
Liz Reisberg – É uma questão internacional e ninguém tem uma resposta
ideal para isso também. Achamos que, em longo prazo, ter um bom sistema
de educação superior gratuito não é algo sustentável. É inviável manter
esse sistema para sempre, especialmente com a expansão. No Brasil, há
uma forte cultura contrária à cobrança. A gratuidade é vista como um
direito que não pode ser retirado. Mas não se trata, nesse caso, de um
dogma neoliberal: é uma concepção equivocada afirmar que a universidade
tem que ser gratuita, pelo simples fato de que nada é gratuito. A
questão é quem está pagando. A ideia da gratuidade é uma armadilha.
Adoraria que a educação fosse gratuita, mas isso é insustentável do
ponto de vista econômico.

Agência FAPESP – Dos sistemas existentes, qual poderia ser apontado como
modelo?
Liz Reisberg – Como eu disse, nenhum é ideal. Mas a Austrália tem um
sistema do qual eu gosto muito. Os estudantes são bastante subsidiados,
mas pagam algo de acordo com a renda familiar. Ou podem conseguir um
empréstimo e pagar de volta. Mas, diferentemente dos Estados Unidos –
onde todos precisam ressarcir o investimento no final, com juros –, na
Austrália o pagamento é mensal e nunca pode superar 4% da renda do
indivíduo.

Agência FAPESP – As universidades têm buscado a internacionalização. Há
algo que pode ser feito para potencializar esse esforço?
Liz Reisberg – Reconheceu-se que é impossível hoje viver em um universo
restrito ao local e aumentaram muito as cooperações internacionais e
intercâmbio de estudantes e pesquisadores. Uma tendência, a partir de
agora, é investir em experiências internacionais de período mais curto.
Desenvolver programas que possibilitem participações rápidas em
programas no exterior. Pode ser por duas semanas, ou um mês, durante as
férias. Para um estudante norte-americano, por exemplo, há uma grande
diferença entre estudar antropologia em um livro e passar duas semanas
no meio da floresta peruana. É algo que tem um custo, mas não se compara
ao dos programas mais longos. Acho que o Brasil poderia investir mais
nessa dimensão da internacionalização.

Agência FAPESP – Com as novas tecnologias o acesso à informação ficou
muito fácil e isso poderia abrir espaço para uma mudança no conteúdo do
que é ensinado na universidade. Essa mudança está ocorrendo?
Liz Reisberg – Começa a ocorrer, mas está ainda muito longe do que seria
satisfatório. No Brasil, me parece que há uma ênfase grande demais no
conteúdo. O professor quer passar tudo o que sabe sobre física,
psicologia, matemática. É o modelo que fazia sentido há 100 anos. O
professor passava, na classe, essa informação que não podia ser
conseguida em outro lugar. Agora, podemos encontrá-la no Google. As
pessoas andam com seus computadores no bolso. Por que gastar horas de
aula com esse tipo de informação? Seria melhor dedicar esse tempo ao
aprimoramento do espírito crítico, à análise, incentivar criatividade,
pensamento, colaboração. Dependendo da área, calcula-se que pelo menos
20% do que você aprende na graduação já está obsoleto quando você chega
à pós-graduação. Falamos muito nisso no seminário e aparentemente esse
movimento já começou no Brasil.

Agência FAPESP – Sobre a questão da avaliação da pesquisa na
universidade: como encontrar o equilíbrio entre a quantidade de
publicações e a qualidade?
Liz Reisberg – Há uma grande pressão por publicar em alguns países,
incluindo o Brasil. Se só recompensamos as pessoas pelo número de
artigos publicados, estamos estimulando a pesquisa de baixa qualidade e
até mesmo estimulando a fraude dos periódicos que aceitam pagamento para
publicar. Trata-se de uma perversão do sistema, semelhante à questão do
equilíbrio entre ser bom pesquisador e ser bom professor. Precisamos nos
preocupar em que atitude o sistema está recompensando e como essa
escolha influencia a qualidade.

Agência FAPESP – Para melhorar a qualidade da pesquisa é preciso criar
bons mecanismos de avaliação. Como fazer isso?
Liz Reisberg – Se eu tivesse essa resposta, sem dúvida ganharia o prêmio
Nobel.

http://agencia.fapesp.br/15948